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Passos N.173, Setembro 2015

SÍRIA

Aquele clamor que se eleva de Aleppo

por Giorgio Paolucci

Fala o Núncio na Síria, Dom MARIO ZENARI: “Não permitam
que esta terra se transforme no cemitério das diferenças”


Bastariam os números para perceber a dimensão da tragédia que há mais de quatro anos está se consumando na Síria: 220 mil mortos, entre os quais 11 mil crianças, 4 milhões de pessoas fugidas para o estrangeiro numa população de 22 milhões, mais de 7 milhões de desabrigados “internos”, 10 milhões que necessitam de assistência humanitária, 4 em cada 5 sírios estão no limiar da pobreza, 58 por cento sem trabalho, 1,65 milhões de crianças deixaram de ir à escola. E mais: 20 mil pessoas desaparecidas, entre as quais dois bispos ortodoxos e o jesuíta italiano Paolo Dall’Oglio. No entanto, os números não dizem tudo. As imagens e os relatos que chegam de Damasco, Homs, Aleppo e de dezenas de aldeias mostram bairros destruídos, rostos marcados pelo medo e pelo sofrimento, uma humanidade sofrida vítima de violência cega.
“É o povo a vítima sacrifical deste conflito: um povo inteiro pagando as consequências de uma guerra por procuração, alimentada por potências estrangeiras que estão jogando uma gigantesca e trágica partida na região. Uma equipe veste a camisa sunita, a outra a xiita, e há mais um jogador, Israel, que aparentemente está às margens do campo”. Por telefone, de Damasco, fala Dom Mario Zenari, Núncio Apostólico na Síria há seis anos. Um olhar realista, de quem partilha o sofrimento dos cristãos e conhece bem as dinâmicas políticas e diplomacias que se cruzam no país e em todo o Oriente Médio.
Existe uma saída para a carnificina que está consumindo a Síria? “Agora é evidente que não pode haver uma solução militar, a única saída é a via diplomática. É necessário abrir uma mesa de negociações que envolva todos os protagonistas: o Governo, as oposições, a sociedade civil (incluindo os líderes religiosos), os atores regionais e internacionais (e não poderá ser excluído o Irã, como foi feito antes). O fracasso substancial das duas conferências anteriormente realizadas em Genebra deve-se ao fato de que quem se sentava à mesa tinha como objetivo a vitória sobre o adversário, mais do que alcançar a paz. Mas, não havendo disponibilidade para o compromisso em vista de um resultado estável e duradouro, não se chega a lugar nenhum. A palavra de ordem deve ser “diálogo”. E desde logo deve cessar o abominável fornecimento de armas aos rivais por parte de Estados que visam a desestabilização da Síria: o que está acontecendo aqui é um capítulo da terceira guerra mundial por partes, como o Papa Francisco evoca há tempos”.

“Estamos cansados”.A Síria é um dos berços do cristianismo, foi em Antioquia (que só a partir de 1939 passou a fazer parte da Turquia) que pela primeira vez os seguidores de Jesus foram chamados “cristãos”. Aqui, ao longo dos séculos, configurou-se um mosaico de povos que testemunhou a possibilidade de convivência entre culturas e fé religiosas diferentes, aqui a diversidade é algo comum. Aleppo, a cidade que, mais do que as outras, encarnou esta vocação, é há meses campo de batalha entre as forças governativas, os rebeldes de Al-Nusra (ramo da al-Qaeda) e as milícias do Estado Islâmico (Isis). Precisamente dali, em meados de abril, por ocasião da festa da Páscoa ortodoxa, ergueu-se o grito dos chefes das confissões cristãs, com um documento significativamente intitulado “Ressurreição do Salvador ou sepultura dos fiéis?”.
“Vimos e choramos: corpos retirados dos escombros, muitos chocados contra as paredes, e sangue misturado ao solo da pátria. Dezenas de mártires de qualquer religião e confissão, feridos e mutilados. Estamos cansados. Fechem as portas à venda de armas e detenham os instrumentos de morte e o fornecimento de munições. Querem que fiquemos feridos e humilhados, mutilados e destituídos de toda a dignidade humana? Ou que devamos ir embora à força, e sejamos manifestamente destruídos?”. O apelo termina com um clamor: queremos que esta cidade continue a ser a mesma Aleppo de sempre, “a joia preciosa da coroa do nosso país, com todas as suas componentes e a sua diversidade civilizacional, cultural, religiosa e confessional”.
Eliminar a diversidade: é o objetivo do Isis, que começou o seu avanço mortífero pelo Oriente Médio e Norte da África, justamente pela Síria. E na cidade de Raqqa estabeleceu o quartel-general do seu Califado, que atualmente ocupa mais de um terço do país. “O Califado é percebido pela população como um abscesso, um corpo estranho à história da nação”, observa Dom Mario: “Aqui os problemas começaram com a invasão de guerreiros financiados por países estrangeiros, que têm destruído as peças que compõem o mosaico cultural e religioso sírio”. Na linha de fogo não estão apenas os cristãos, mas todas as minorias: alawitas, xiitas... É um ódio ao outro enquanto tal. Mas por esta devastação os cristãos estão pagando um preço muito alto: igrejas, mosteiros antigos e objetos sagrados destruídos, remoção de cruzes em campanários, sequestro de religiosos, proibição de procissões e de som dos sinos, segundo uma lógica de eliminação dos símbolos mais significativos da diversidade deles. Perseguidos enquanto cristãos, como recordou várias vezes Papa Francisco.

Erradicar o vírus. Os próprios muçulmanos serão capazes de erradicar este vírus que infectou a Síria? “É um jogo que não pode ser limitado ao nível militar, mas exige mudanças fundamentais com a contribuição decisiva dos líderes religiosos”, responde o Núncio: “É preciso um trabalho em nível cultural e educacional, para uma interpretação do Corão que elimine qualquer desculpa para aqueles que usam a religião para justificar seus crimes. Paralelamente deve-se elaborar um novo conceito de cidadania, livre da pertença a um credo confessional e fundado na igualdade de direitos e deveres, para evitar que aqueles que não professam a religião majoritária seja tratado como um cidadão de segunda classe”. Disto necessita a nova Síria, e disto necessita todo o Oriente Médio. A maioria dos cristãos que emigram, pensam que nunca mais irão voltar, porque eles não se sentem suficientemente protegidos. Estas terras são o berço de culturas e rituais milenares: sírios, armênios, caldeus, melquitas, coptas, maronitas. E todo cristão que vai, empobrece o tesouro que havia sido acumulado ao longo dos séculos. Deus não permita que o Oriente Médio se torne no cemitério das diferenças”.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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