A mensagem do Santo Padre para a XXXVI edição do Meeting para a Amizade entre os Povos realizado em Rímini, Itália, entre 20 e 26 de agosto de 2015
A sugestiva e poética expressão escolhida como tema deste ano – “De que é falta esta falta, coração, que num repente dela ficas cheio?” (Mario Luzi) – põe a tônica no “coração” que há em cada um de nós, e que Santo Agostinho descreveu como “coração inquieto”, que jamais se contenta e busca algo que esteja à altura da sua expectativa. É uma busca que se exprime em perguntas sobre o significado da vida e da morte, sobre o amor, sobre o trabalho, sobre a justiça e sobre a felicidade.
Mas, para sermos dignos de encontrar uma resposta, é preciso considerar de modo sério a própria humanidade, cultivando sempre esta sã inquietude. Em tal empenho – nos diz o Papa Francisco – “é possível recorrer simplesmente a alguma experiência humana frequente, como a alegria de um novo encontro, as desilusões, o medo da solidão, a compaixão pelo sofrimento alheio, a insegurança face ao futuro, a preocupação por quem nos é querido” (Evangelii gaudium).
Aqui vemos emergir uma das grandes questões do mundo de hoje: diante de tantas respostas parciais, que apenas oferecem “falsos infinitos” (Bento XVI) e que produzem uma estranha anestesia, como dar voz às interrogações que todos trazem dentro de si? Diante do torpor da vida, como despertar a consciência? Para a Igreja, abre-se um caminho fascinante, como foi no início do cristianismo, quando os homens se afligiam na vida sem a coragem, a força ou a seriedade de formular as perguntas decisivas. E, como aconteceu com São Paulo no Areópago, falar de Deus a quem reduziu, censurou ou esqueceu os seus “porquês”, produz uma estranheza que parece longe da vida real com seus dramas e suas provas.
Por isso, nenhum de nós pode começar um diálogo sobre Deus se não conseguirmos alimentar o pavio fumegante que arde no coração, sem acusar ninguém pelas suas limitações – que são também as nossas – e sem pretensão, mas acolhendo e escutando a todos. O dever dos cristãos é – como o Papa Francisco gosta de repetir – iniciar processos mais do que ocupar espaços. E o primeiro passo é justamente reavivar o sentido daquela falta de que o coração está cheio e que tão frequentemente resta sob o peso de esforços e esperanças frustradas. Mas “o coração” existe, e está sempre em busca.
O drama de hoje consiste no perigo iminente da negação da identidade e da dignidade da pessoa humana. Uma preocupante colonização ideológica reduz a percepção das necessidades autênticas do coração para oferecer respostas limitadas que não consideram a amplitude da procura de amor, verdade, beleza, justiça que existe em cada um. Somos todos filhos deste tempo e sofremos a influência de uma mentalidade que oferece novos valores e oportunidades, mas também pode condicionar, limitar e desgastar o coração com propostas alienantes que extinguem a sede de Deus.
Mas o coração não se contenta porque, como disse o Papa Bento XVI falando aos jovens em San Marino, “é uma janela aberta ao infinito” (19 de junho de 2011). Por que temos de sofrer e, no fim, morrer? Por que existem o mal e a contradição? Vale a pena viver? Pode-se ainda esperar perante uma “terceira guerra mundial travada em partes” e com tantos irmãos perseguidos e mortos por causa da sua fé? Ainda fará sentido amar, trabalhar, fazer sacrifícios e comprometer-se? Onde irá terminar a minha vida e a das pessoas que nunca gostaríamos de perder? O que estamos fazendo no mundo? São perguntas que todos se colocam, jovens e adultos, crentes e não crentes. Mais cedo ou mais tarde, pelo menos uma vez na vida, por causa de uma provação ou de um acontecimento alegre, refletindo sobre o futuro dos filhos ou sobre a utilidade do próprio trabalho, qualquer pessoa se depara com uma ou várias destas interrogações. Nem o negador mais ferrenho consegue erradicá-las totalmente da sua existência.
A vida não é um desejo absurdo, a falta não é sinal de que nascemos “com defeito”, mas pelo contrário, é um sino que nos avisa que a nossa natureza é feita para coisas grandes. Como escreveu o servo de Deus Monsenhor Giussani, “as exigências humanas constituem referência, afirmação implícita de uma resposta última que está além das modalidades existenciais experimentáveis. Se fosse eliminada a hipótese de um “além”, aquelas exigências seriam sufocadas de modo não natural” (O senso religioso). O mito de Ulisses fala-nos do nostos algos, a nostalgia que só pode encontrar satisfação numa realidade infinita.
Por isso, Deus, o Mistério infinito, se debruçou sobre o nosso nada sedento d’Ele e ofereceu a resposta pela qual todos esperam mesmo sem se darem conta, enquanto a procuram no sucesso, no dinheiro, no poder, nas drogas de todo o tipo, na afirmação dos desejos pessoais momentâneos. Só a iniciativa de Deus criador podia encher a medida do coração; e Ele veio ao nosso encontro para Se deixar encontrar por nós como se encontra um amigo. E assim nós podemos descansar mesmo num mar de tempestade, porque certos da Sua presença. O Papa Francisco disse: “Ainda que a vida de uma pessoa tenha sido um desastre, que esteja destruída por vícios, pela droga ou outra coisa qualquer, Deus está na sua vida. […] Ainda que a vida de uma pessoa seja um terreno cheio de espinhos e ervas daninhas, há sempre um espaço em que a boa semente pode crescer. É preciso confiar em Deus” (La Civiltà Cattolica, 19.set.2013).
Com o tema deste ano, o Meeting pode cooperar num dever essencial da Igreja, que é “não permitir que alguém se contente com pouco, mas que possa dizer plenamente: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gal 2,20)” (Evangelii gaudium), o anúncio de Jesus “é que responde à ânsia de infinito que existe em todo o coração humano”. Jesus “veio mostrar-nos, tornar visível o amor que Deus tem por nós. […] Um amor ativo, real. […] Um amor que cura, perdoa, exalta, cuida. Um amor que se aproxima e restitui a dignidade. Uma dignidade que podemos perder de muitos modos e formas. Mas nisto Jesus é obstinado: deu a vida por isso, para nos restituir a identidade perdida” (Papa Francisco, Discurso no Centro de Reeducação de Santa Cruz de la Sierra, Bolívia, 10.jul.2015). Aqui está a contribuição que a fé cristã oferece a todos, e que o Meeting pode testemunhar, em primeiro lugar com a vida das pessoas que o realizam.
Pietro Card. Parolin, Secretário de Estado
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