Uma visão realista e não ideológica, como "concreto vivo" (a definição é de Romano Guardini) e não um modelo abstrato: com essa perspectiva quem fala da família é Chiara Giaccardi, professora de Sociologia da mídia na Católica de Milão, esposa do professor Mauro Magatti. Têm seis filhos, dos quais cinco são naturais e um em adoção, e vivem numa estrutura aberta ao acolhimento de menores e estrangeiros.
No Meeting de Rímini, ela discursou no encontro de encerramento, dedicado justamente à família: uma realidade na qual se continua a aprender o valor do relacionamento, que é pleno de limites e imperfeições, mas que constituem a sua verdadeira força. "A família", disse ela, entre outras coisas, "é o lugar onde supero o que me falta, com a ajuda do outro, e essa superação se dá numa relação, não de maneira individualista. O meu limite não é cancelado, mas se torna ocasião de relacionamento".
Qual foi a importância deste Sínodo dos Bispos?
Gostei de a abertura ter sido precedida de uma vigília de orações, em que as famílias ofereceram a sua proximidade ao Papa Francisco e aos Padres sinodais, para que o trabalho destes fosse iluminado pela luz da graça e estivesse, de fato, atento e sensível à "concretude viva" da família, não à sua eventual distância do modelo. A realidade, embora dentro do seu limite, é sempre superior à ideia, é o único antídoto às ideologias. Uma realidade feita de riquezas e fragilidades, salvação e feridas; uma realidade resistente que, em meio às correntes que empurram para outro lugar, não só resiste, mas se torna laboratório de renovação social e eclesial.
Do que as famílias têm necessidade?
De partilha, aliança, acolhimento, valorização, apoio, mais do que de clareza e rigor.
A família está sob ataque?
É uma imagem na qual se apoiam muitas das retóricas subjacentes às posições defensivas, que propõem barricadas e uma contraofensiva agressiva. Não que esse ataque não exista: ele existe. Mas certamente não é de hoje.
Fala das leis sobre o divórcio e sobre o aborto?
Romano Guardini escreveu sobre isso já em sua Ética, entre os anos 50 e 60: "Segundo as mais diversas perspectivas, há hoje uma tendência a questionar a família; ou melhor, a dissolvê-la".
Por que o ataque?
Ainda Guardini: porque "ela constitui o obstáculo natural mais forte contra a absorção do indivíduo", e por isso representa um perigo para o sistema, onde é muito mais cômodo fragmentar segundo o antigo provérbio divide et impera.
Jamais existiu uma "idade de ouro" da família?
Provavelmente não: em todos os tempos a família sempre teve crise, desafios a enfrentar, fadigas, inimigos. No entanto, eles não estão somente "fora".
Onde então? No interior?
Às vezes, não prestamos um bom serviço à causa que queremos defender brandindo a família como uma espada contra os seus detratores. A família não está em crise porque há quem a ataque. Não é a luta contra as uniões homossexuais que fará aumentar os casamentos ou os tornará mais sólidos. A crise da família é interna: a família respirou individualismo demais, tornando-se um casulo protetor e, afinal, pouco vital. Os ritmos sociais são plasmados sobre o indivíduo; as cidades são inóspitas para os anciãos, crianças e deficientes; o morar modela-se sobre núcleos isolados que tornam impossível a organização familiar, a não ser apoiando-se em serviços e ajudas externas, certamente não ao alcance de todos.
Portanto, os católicos precisam fazer um mea culpa?
Devemos nos perguntar se as famílias que construímos, o nosso modelo de vida e a qualidade das relações que mantemos podem ser atraentes para um jovem que procura imaginar o próprio futuro. Se, de fato, nos consideramos guardiões de uma luz, precisamos fazê-la brilhar, não nos limitando a lamentar as trevas ao redor.
E que luz é essa?
O cruzamento vivo e vital entre os gêneros e as gerações, o acolhimento que vai além dos laços de sangue, a capacidade de gerar para além da dimensão biológica.
Mas os princípios precisam ser defendidos.
Claro, no entanto vejo a tentação muito forte entre os católicos, embora na boa fé, de evocar o rigor dos princípios quase que como uma cerca farpada que deveria defender a família dos ataques externos, das fugas internas e, talvez até, do retorno de quem, tendo fugido e se arrependeu, gostaria de voltar. Escreveu Dietrich Bonhoeffer em Vida comum: "Quem ama o próprio sonho de comunhão mais do que a comunhão, está destinado a ser um destruidor da comunhão".
No Meeting de Rímini, a senhora disse que "amar um modelo abstrato de família significa destruí-la".
A família é carne. E as feridas, que podem ser mais ou menos graves e profundas, são inevitáveis, não sinais de que o "produto" está com defeito. Porque, quanto mais estamos próximos uns dos outros, mais fácil é nos ferirmos. Mas, se as feridas forem cuidadas, podem fechar, ser curadas. E as cicatrizes, que não desaparecem, tornam-se um memorial de perdão contra o esquecimento e o descuidado, que nos tornam desumanos.
Como se pode fazer mal à família, mesmo amando-a?
Quando a defendemos com argumentos abstratos, em vez de testemunhá-la com a vida. Mas também insistimos em defender uma forma hoje cansada e frustrada, e em parte responsável pela crise atual: a da família nuclear, fechada no seu apartamento, com a sua vida privada a ser defendida das interferências alheias. Uma família que respirou tanto individualismo que se tornou quase que irreconhecível. Não é essa forma histórica pobre que devemos defender, mas o núcleo pulsante, generoso e fecundo que constitui a sua verdade: a capacidade de hospedar a vida.
A senhora também observou que a família é uma "comunidade narrativa": o que isso quer dizer?
O mundo de hoje vive só no presente, acumula fragmentos, mede a liberdade e o valor em quantidades (de escolhas, like, contatos, retweet...). Num mundo que agora só sabe contar, a família ensina a recontar: não viver só no presente, mas receber e transmitir, sentir-se parte de uma história comum, manter viva a memória de quem nos permitiu ser o que somos. Sem uma arquitetura do tempo, apoiada também no relato, as vidas ruem.
É a questão educacional: transmitir algo pelo qual vale a pena viver.
As gerações adultas sofrem, hoje, de um defeito de transmissão: temem condicionar as gerações seguintes, mas frequentemente é um álibi para não cuidar delas. Maria Zambrano escreveu que "só se vive de verdade quando transmitimos algo. Viver humanamente é transmitir". Recontar é dar continuidade e sentido. É um modo de reforçar o pertencimento. Ricoeur lamentava que o outro, testemunha das minhas promessas, é de certo modo também guardião da minha identidade. Abdicamos desse recordar-nos mutuamente as promessas feitas em nome do princípio, todo individualista, da não-interferência; e perdemos um precioso recurso de estabilidade e de ligação.
A respeito da crise econômica, já se disse que podia ser uma ocasião para recomeçar. Há algo de bom também na crise da família?
É uma ocasião para a gente se repensar e se renovar. Uma necessidade que Guardini também intuía quando escrevia, na forma de anotações mais que de reflexões completas, que "a questão deve ser abordada de um modo novo...", segundo um "novo esquema de fundação e construção". Se a família perdeu a sua capacidade de ser um colo hospitaleiro (basta ver, por exemplo, tantas reações ao desembarque dos imigrantes), perdeu a sua identidade. A família não é um ninho, mas um nó. O nó de uma rede mais ampla, para a qual contribui e que, por sua vez, a sustenta.
Quais formas novas a senhora entrevê?
Sem comunidade e um respiro para além de si própria, a família não fica em pé, implode, perde sua natureza. Praticar a hospitalidade é um modo de testemunhar a beleza geradora da família para nos educar a não deixar que se apague o fogo da vida que é abraço, partilha, dar espaço, dar futuro. Imagino outras formas de habitar, menos individualistas e defensivas. Onde seja mais fácil ajudar-se mutuamente, compartilhar fardos e alegrias, sustentar quem é frágil. Deixemos, como disse o Papa Francisco, que o espírito leve "uma alegre desordem às famílias cristãs, e a cidade do homem sairá da sua depressão!".
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