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Passos N.175, Novembro 2015

MACAPÁ

Círio, a festa da fé

> por Claudia Figueiredo

O segundo domingo de outubro, para quem vive na maioria das cidades do norte do país, é dia de sair às ruas em procissão para homenagear Nossa Senhora de Nazaré. É dia de reunir os amigos, a família e confraternizar. É dia de solidariedade, de partilha, de penitência, de devoção e de muita fé. Estamos falando do Círio de Nazaré, considerada uma das maiores manifestações religiosa do mundo. O Círio mais famoso é o de Belém do Pará, que chega a reunir mais de dois milhões de fiéis, mas em Macapá, capital do Amapá, o Círio também arrasta multidões, reunindo aproximadamente 200 mil pessoas.
O Círio é a festa de todos, por isso se organizam romarias para os ciclistas, os motociclistas, as crianças, os jovens, e também peregrinações nas empresas e órgãos públicos, culminado com a grande procissão que reúne a todos ao redor da berlinda que leva a imagem de Nossa Senhora. E, entre os romeiros, estavam alguns membros da comunidade de CL, que também participaram ajudando nas diversas comissões que organizam a festa.
Para os que ajudaram organizando as reflexões das procissões e o Livro das Peregrinações, foi ocasião para comunicar a beleza da presença de Jesus Cristo falando do sacramento da Eucaristia, partindo da citação evangélica “Fazei isto em minha memória” (Lc 22,19) e do lema “Maria guardava tudo em seu coração” (cf Lc 2,19).

A Eucaristia. O primeiro desafio foi o de colocar a Eucaristia como centro, sem ser abstrato ou intimista, e de como este sacramento sustenta e transforma a vida do cristão; o segundo desafio foi como chamar a atenção das pessoas para o tema durante a procissão, uma vez que o sol, o cansaço, a emoção, a multidão, tudo pode contribuir para a nossa distração. No primeiro desafio nos ajudaram muito as Cartas Encíclicas sobre a Eucaristia sugeridas por Dom Pedro Conti, Bispo de Macapá, e as reportagens da Revista Passos acerca dos cristãos perseguidos. Nestes testemunhos percebemos que a Eucaristia era a consolação daqueles nossos irmãos que vivem na carne a experiência da fidelidade a Cristo, em meio ao caos, à guerra e à violência. Assim, no Livro das Peregrinações foram inseridos alguns testemunhos, como o do padre Ibrahim Alsabagh, franciscano que mora em Aleppo, na Síria, e da pequena Myrian, de 10 anos, refugiada iraquiana de Qaraqoush, cujo vídeo na internet tem comovido a muitos. E para chamar a atenção, no percurso da procissão, posicionamos três grandes painéis: um sobre o Domingo, Dia do Senhor, outro com imagens dos cristãos de Aleppo e outro sobre a Laudato Si’, encíclica do Papa Francisco. Todos voltados para o tema da Eucaristia.
No final, muitas pessoas nos falavam de como foram tocadas pelas imagens, pelas palavras e do quanto aprenderam sobre temas que ainda não tinham se dado conta de forma tão profunda, e ao mesmo tempo tão simples. Isso nos fez lembrar que o que nos atrai é somente uma vida que se comunica e não um esquema ou os nossos projetos, como sempre nos ensinou Dom Giussani.

Em oração. Para além da organização, também nasceu em alguns dos nossos amigos (Vinicius, Anderson, Vanessa, Karol, Paulo, Claudia e Amanda) o desejo de acompanhar a procissão segurando a corda, aonde vão aqueles que irão pagar as promessas e agradecer as graças alcançadas. É uma experiência única, que exige sacrifício, força e resignação. Lá vão homens e mulheres que, em algum momento, naquele instante de entrega confiaram tudo a Deus e, pela intercessão de Nossa Senhora, alcançaram algo bom que tanto necessitavam: às vezes a saúde, a casa, o trabalho, o ingresso na faculdade, enfim, num gesto de quem reconhece que tudo é de Deus, embora nem sempre isso seja claro no cotidiano. Quando falávamos que iríamos na corda muitos se surpreendiam e, até tentavam nos dissuadir a não ir, mas a curiosidade e o desejo falaram mais alto.
É claro que, para além da aventura e da curiosidade, cada um de nós também foi para agradecer algo pessoal, mas antes de iniciar a procissão nos agarramos à corda e rezamos o Angelus, oferecendo o nosso sacrifício pela nossa comunidade do Movimento e pelos cristãos perseguidos, pelos que fogem da guerra, para que Deus pudesse renovar continuamente a esperança nos seus corações. E assim fomos até o fim da procissão, rezando e cantando, nos surpreendendo, sendo acompanhados por outros amigos que iam próximos para nos dar água e ajudar no que fosse necessário. Não é possível descrever a experiência de estar na corda – são um pouco mais de três quilômetros puxando uma corda de 150 metros onde se acotovelam cerca de duas mil pessoas –, mas no final o que domina é a alegria por ter chegado. Como prêmio material recebemos um pedaço da corda que guardamos como lembrança, mas o maior prêmio é a certeza de que o que nos levou até ali não foi uma devoção, um esforço nosso, mas o olhar amoroso de Jesus, Aquele a quem somos convidados a não esquecer depois que acaba o Círio.
Alguns amigos descrevem aqui o que viveram: “Este ano vivi o Círio de forma diferente, pois nos anos anteriores estava sempre envolvido em alguma tarefa em minha paróquia, que organiza a missa campal. Vendo alguns amigos do grupo dos universitários falando que iam ‘na corda’, decidi também ir. E o que começou como uma brincadeira foi ficando sério. O propósito de ‘ir por ir’ mudou. Agradeci pela beleza da vida que o Senhor me dá agora e fiz do Círio a minha peregrinação”, diz Anderson Baia. “Fui descalça e como o chão estava de arrancar a pele senti vontade de largar a corda, pois mesmo jogando água nos pés o chão estava queimando. Então resolvi pular, cantar e chorar, ao mesmo tempo em que os outros me davam força para eu seguir até o fim. Eu agradeço pela experiência que tive, pela graça que ganhei e pelos amigos que estavam lá comigo. Foi importante porque antes eu só andava no Círio, desta vez ele se tornou experiência, pois tinha um sentido: o de rezar pelos cristãos”, afirma Karoline Abreu. “Nos momentos mais difíceis pensei nas razões do nosso ‘sacrifício’ de ir ‘na corda’, que era o de oferecer pelos cristãos perseguidos, então me perguntei: O que é isso comparado com a perseguição sofrida por eles? Nós podemos demonstrar nossa fé assim como eles, nas circunstâncias que Deus nos dá, por isso não larguei a corda”, concluiu Vinicius Guedes.

Pedido final. A palavra mais citada no Círio foi “memória”, fazer memória do sacrifício de Cristo, por isso chegamos ao final da procissão, com um grande desejo de que se renove em nossas vidas o amor à Santa Eucaristia. Como nos recordava Dom Giussani, o batismo nos torna criaturas novas, mas “o gesto que torna possível a caminhada dessa nova criatura, refeita pela potência de Deus e capaz de coisas novas, é a Eucaristia, ‘viático’, alimento do caminho, alimento verdadeiro da pessoa, da sua esperança” (Por que a Igreja, Ed. Cia Ilimitada, São Paulo, 2015, p. 289).
Finalizamos também com um pedido, o de que Nossa Senhora possa inspirar a cada um, com a sua atitude de escuta, de silêncio, de quem guarda no coração o dom mais precioso: Jesus Cristo.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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