“Devemos evitar a dor desnecessária”
O Estado de São Paulo
Cerca de 80% das pessoas morrem de uma doença crônica e progressiva. A medicina é impotente diante desse fat: a morte é o destino de qualquer homem. A doença traz consigo sofrimento físico, psicológico, familiar e social. Infelizmente, os médicos não aprendem na faculdade a lidar com a dor do paciente e da família. [...] Há sofrimentos necessários, que são inerentes ao ser vivo. Mas há sofrimentos desnecessários, causados pela ignorância das formas de controle da dor, dos cuidados que pacientes e família exigem. Devemos evitar esse sofrimento.
Até o início do século XX, o máximo que um médico podia fazer era aliviar o sofrimento. Mas com o advento da anestesia – que viabilizou práticas cirúrgicas – e dos antibióticos, surgiu a possibilidade real de curar os pacientes. A maioria dos médicos esqueceu-se da preocupação com o bem-estar do paciente e da sua família. Preferiram debruçar-se sobre a doença e a cura. Naturalmente, isso determinou o currículo da faculdade de medicina. Creio que os estudantes ingressam com muitos ideais no primeiro ano. Desejam ajudar, curar e cuidar. Mas durante toda a graduação, as aulas focam apenas o órgão, a especialidade e a doença. Surge então um processo natural: como não aprendi a lidar com o sofrimento do paciente e da família, dou um jeito de despersonalizá-lo, de fugir da questão humana. Como não sei cuidar do senhor João, vou tratar apenas do pulmão do senhor João. Isso explica, em parte, por que um grande especialista, com família e muitos amigos, pode atuar de forma desumanizada na sua prática médica diária. [...]
Pessoalmente, sou contra [a eutanásia]. Não me parece que matar um paciente seja a melhor forma de ajudá-lo. Além do mais, menos de 5% dos doentes em estado terminal consideram a eutanásia. É uma discussão que ocupa as pessoas que não estão doentes, mas consideram que não suportariam passar seus últimos dias em uma cama de hospital. No entanto, quando essas pessoas encaram de perto o sofrimento, costumam encontrar um sentido e mudam de ideia. Vejo isso de forma cotidiana no meu trabalho. A discussão sobre eutanásia gasta a energia de legisladores e mobiliza a opinião pública, mas não gera benefícios para ninguém. É uma polêmica fácil porque não exige dinheiro, nem esforços, ao contrário dos cuidados paliativos. É mais confortável para um político entrar em um debate sobre eutanásia do que discutir por que não temos ajuda adequada para os pacientes terminais.
(Eduardo Bruera em entrevista a Alexandre Gonçalves, 12.out.2008)
A “laicidade positiva”
O Lutador
A viagem de Bento XVI à França foi marcada indelevelmente com o sinal da discussão sobre a laicidade. Mesmo antes de Ratzinger pisar pela primeira vez no país como papa muito já se falava sobre a questão das relações da Igreja e Estado, especialmente no caso francês, nesse nosso tempo que alguns já denominam de “pós-secular”.
O presidente da França, Nicholas Sarkozy, já dava sinais, desde que foi eleito, que vinham em encontro ao pensamento do Papa. Entretanto, o momento central e que já entrou para a história do século XXI foi o discurso de Sarkozy em 20 de dezembro de 2007, quando, na Basílica de São João de Latrão, demonstrou o que pensa sobre as relações da religião e o Estado. A principal noção defendida por Sarkozy é a de “laicidade positiva”, uma noção que, em primeiro lugar, se calca na ideia de que para haver uma, poderíamos dizer, “boa” e “fecunda” laicidade, não é necessário, ao contrário, imprudente seria, desejar eliminar as raízes cristãs que constituíram a história daquele país. Assim, ao contrário de análises superficiais que se multiplicam indiscriminadamente, Sarkozy não visa religar novamente o Estado francês à religião católica. O presidente afirmou que “ninguém contesta que o regime francês da laicidade é hoje uma garantia de liberdade: liberdade de crer ou de não crer, liberdade de praticar uma religião e liberdade de mudar, liberdade de não ser ferido em sua consciência por práticas ostensivas, liberdade para os pais de dar aos filhos uma educação conforme suas crenças, liberdade de não ser discriminado pela administração em função de sua crença”. Além disso, afirmou que “a laicidade não deveria ser a negação do passado. Não tem o poder de tirar a França de suas raízes cristãs. Tentou fazê-lo. Não deveria”. E concluiu: “Como Bento XVI, considero que uma nação que ignora a herança ética, espiritual, religiosa de sua história comete um crime contra a sua cultura, contra o conjunto de sua história, de patrimônio, de arte e de tradições populares que impregna a tão profunda maneira de viver e pensar. Arrancar a raiz é perder o sentido, é debilitar o fundamento da identidade nacional, e secar ainda mais as relações sociais que tanta necessidade têm de símbolos de memória. Por este motivo, temos de ter juntos os dois extremos da corrente: assumir as raízes cristãs da França, valorizá-las, defendendo a laicidade finalmente amadurecida”.
(Rodrigo Coppe Caldeira, 16.set.2008)
A primeira vez
O Estado de São Paulo
[...] No sábado passado, testemunhei a compra do primeiro sapato de salto alto para uma de minhas netas. [...] Vendo a minha querida compradora calçar e dar seus primeiros passos de salto alto, eu a imaginei em outras caminhadas. A primeira dança, abraço, beijo, enamoramento, e tudo o que chega com essas coisas e, de dentro do meu coração de avô, veio aquele primeiro desejo (misto de prece e esperança – as duas sempre andas juntas) de que todas as suas estreias fossem repletas de beleza e verdade.
(Roberto Damatta, Caderno Dois, 01.out.2008)
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