O VERDADEIRO DESENVOLVIMENTO:
QUAL É, PARA MIM, O SENTIDO DA VIDA
Estou fazendo um trabalho de serviço social de um ano em Kampala para a Fundação AVSI num projeto de apoio à distância. Com frequência busco ajuda de jovens bem formados em Economia e Desenvolvimento, que cuidam de grandes projetos. Sou formada em Filosofia e os escuto porque tenho muito a aprender. Gosto do trabalho que faço e, sobretudo nos últimos meses, fui tomada por uma “febre de vida” que me deixa apaixonada por tudo o que faço. Nos primeiros meses essa sede não existia; havia apenas a minha tentativa, sufocante, de fazer as coisas muito bem, sem conseguir. Devo esta vontade de viver ao relacionamento com Rose, que trabalha com as mulheres doentes de Aids e com as crianças que precisam de escola. Metade da semana trabalho na sua Organização aprendendo com os assistentes sociais. Num sábado à noite, conversava com uma amiga que me falava sobre os resultados importantes obtidos pela Organização para a qual trabalha. Para mim, porém, as coisas não batiam. Só conseguia pensar na conversa que tive com Rose e que mudou a minha vida. Um dia, me disse: “Franci, o que é o desenvolvimento? É a quantidade de remédios que você distribui? São quantas crianças coloca na escola? Não, não é isso. Porque, você distribui os remédios e as mulheres não os tomam. Paga as mensalidades da escola e as crianças não vão à escola. E sabe por quê? Porque somos livres. O desenvolvimento é uma mulher que toma os remédios porque entendeu que vale a pena viver. É um menino que escolhe que aquela escola é um lugar para ele. Essa é a natureza do Meeting Point International. E a quem me pede menos que isso eu digo não”. Eu tinha ido perguntar a ela sobre alguns dados e ela me respondeu perguntando-me qual é, para mim, o sentido da vida. Fiquei comovida porque nunca teria pensado que cada instante e cada situação existem para mim. E era necessária a Uganda, era necessária Rose e, sobretudo, era necessário dizer sim a tudo isso para que entendesse que sou útil ao mundo do modo como fui criada. Timidamente falei sobre essa conversa à minha amiga. E, entre nós, fez-se silêncio, porque se impôs uma outra medida, ou melhor, uma não-medida. E vi em seus olhos a mesma comoção de quando, falando com Rose, percebi que através do trabalho posso descobrir o que preciso para viver.
Francesca, Kampala (Uganda)
UM OLHAR ATENTO
Sou professor universitário do curso de Engenharia Elétrica. No meio do segundo semestre de 2015, fui questionado por alguns alunos qual seria minha postura diante do fato de que alguns deles estavam com bom rendimento, mas ultrapassaram o limite de faltas. Pedi ao Senhor a graça de olhar essa questão com atenção, então rezei e conversei com amigos. Ouvi palavras que me ajudaram a perceber que dentre os alunos faltosos podem estar aqueles na periferia da doença, das drogas, da dúvida vocacional, da depressão. Logo em seguida, enviei um email convidando os alunos faltosos para uma conversa e uma aluna compareceu, contando-me que há alguns anos está passando por graves doenças físicas e psicológicas. Segundo ela, nem sempre foi assim, pois no ensino médio obtinha notas excelentes de matemática que a direcionaram para um curso de Engenharia e com a entrada na universidade tudo mudou. Debilitada, em cinco anos ela não conseguiu terminar o equivalente a um semestre e disse-me o que aconteceu no dia de uma prova, quando, ao encontrar a sala com a porta fechada, devido a sua fobia, não foi capaz de abri-la e retornou para casa. Fiquei comovido ao ouvir esse relato, mas meu coração realmente se encheu de ternura quando a questionei se ela pretenderia continuar no curso e escutei: “Não, vou desistir”. Nesse instante, pensei: “Essa aluna precisa ter o que eu tenho no Movimento: uma companhia de amigos”. E depois percebi que sou eu que preciso ter companhias como a dela, que diante das mais densas dificuldades, é capaz de seguir o coração. Fiz então a proposta se ela gostaria de participar de um processo seletivo para entrar em um grupo de pesquisa que coordeno e ela aceitou. Expliquei que seria uma vaga especial, para a qual não faria exigências de boas notas. No final do ano, eu a apresento para o grupo de pesquisa como uma aluna que está em uma situação difícil, que pensa de um jeito diferente, mas que possui uma humanidade excepcional. Dois meses depois, na primeira aula de um curso de verão sobre comunicação científica ela chegou pontualmente, com um semblante sereno e com um olhar atento. Se há problemas na vida dela, eu os percebo com menos gravidade, mas os vários problemas científicos que ela começa a ler e a se questionar, estes sim, começam a ficar mais evidentes. Não tenho certeza se esta aluna virá na próxima aula, se ela terá condições de realizar um projeto de iniciação científica ou mesmo se concluirá o curso de graduação. Por meio desta circunstância, aprendo mais e mais que o instante seguinte é mistério, e cabe somente ao Pai saber e nos ofertar amorosamente. Certo do amor e de positividade de realidade, mendigo ao Senhor que continue me dando a alegria de aceitar cada instante como um presente.
Erivelton, São João del-Rei (MG)
O TERÇO COM KAULLA, QUE NÃO PODIA REZAR
Caríssimos, a amizade com Kaulla começou há mais de vinte anos quando, através de um projeto internacional, acolhi-a na Itália onde tinha vindo para que sua filha fosse operada do coração. Kaulla é iraquiana, mora em Bagdá, com a ISIS às portas, mas nunca se esquece de uma festa cristã, do aniversário de meu filho ou o nome do meu marido. Tudo começou quando comecei a lhe fazer companhia nas dificuldades com a filha. Logo nos tornamos amigas, superamos as dificuldades de comunicação (meu inglês é péssimo), a cultura diferente (tenho dificuldade de entender os critérios de colocar e tirar o véu), mas imediatamente o ponto forte do nosso estar juntas foi a total confiança em Deus. No dia da cirurgia, fui ao hospital levando meu terço, pronta para rezarmos juntas, cada uma na própria modalidade. Naquele dia, tudo começou, porque assim que cheguei descobri que ela, muçulmana convicta, não podia rezar porque estava menstruada. Eu podia escolher: ou parar na razoável raiva que senti diante da situação absurda ou ficar ali com ela por aquilo que de verdadeiro havia entre nós: a confiança em um Deus bom. Sentei-me e rezei também por ela. A cirurgia correu bem, ela voltou para o Iraque para retornar alguns anos depois por causa de outros problemas da menina. Desta vez, Esrha morre. Algumas semanas depois da sua partida recebo uma carta do Bispo de Bagdá contando-me sobre um casal que foi até ele para agradecer a todos os cristãos por tudo o que tinha sido feito por sua filha e para um conselho sobre o funeral. Dizia também que este gesto, feito por muçulmanos, é inacreditável. Eu apenas escolhi, naquele dia, aquilo que existia, e existe, de verdadeiro entre nós.
Mira, Milão (Itália)
ENCARAR A REALIDADE E SER CADA VEZ MAIS DE CRISTO
Lendo um trecho de Dostoiévski no qual ele dizia: “Muito mais do que a sua própria felicidade é necessário ao homem saber e acreditar em cada momento que há em qualquer parte uma felicidade perfeita e calma, para tudo e para todos”, me lembrei da minha irmã, que sofre de depressão. Ao compartilhar na minha Escola de Comunidade (EdC) esse drama, fui provocada por meus amigos a me perguntar onde Cristo entrava no meu relacionamento com ela. E me dei conta que, de fato, Ele não entrava. Encarando a realidade, ainda que diferente daquilo que eu queria, e fazendo seriamente o trabalho da EdC, em um certo ponto meu olhar para minha irmã mudou, e mudou também a minha forma de me relacionar com ela. Sem encarar o real, sem fazer EdC, sem essa certeza, da qual falava Dostoiévski, olhar para minha irmã e me relacionar com ela era um desespero. É preciso Algo que dê sentido a tudo isso, pois para mim, a circunstância em si não tem nada de positivo, mas é essa circunstância dura que me faz reconhecer que tudo depende d’Ele, que me faz pedir, e que, portanto, me aproxima de Cristo. Essa é a positividade. Eu me torno cada vez mais de Cristo e Ele se torna cada vez mais meu e assim se vive qualquer circunstância em paz, ainda que com lágrimas nos olhos.
Flávia, Rio de Janeiro (RJ)
“DEUS É BOM, QUER SEMPRE O NOSSO BEM”
Sou mãe de dois filhos adultos e resolvi reservar espaço e tempo para atividades caritativas. O ministério da consolação que foi-me pedido viver no hospital, é uma delas. Antes do Natal entrei em um quarto na ala de Obstetrícia, onde duas mulheres tinham sido internadas. A nova mamãe italiana logo aderiu à proposta de fazermos uma oração juntas. Então, voltei-me para sua colega de quarto para saber se não tinha nada contra (percebi que não era cristã) e, antes mesmo que ela me respondesse, a senhora italiana disse: “Ela sempre reza, muito mais do que eu!”. Começamos, assim, uma interessante conversa onde a humanidade de cada uma estava no centro, independente da profissão de fé; a segunda mulher era de religião islâmica. No fim, rezamos juntas e fizemos um momento de silêncio. A unidade vivida com aquelas duas mulheres era um pequeníssimo sinal daquele abraço que o Papa nos encoraja a buscar, cada um no seu cotidiano. Voltando, desta vez no departamento de Medicina, encontrei Mariagrazia, uma senhora irritada com os médicos porque ainda não tinham conseguido descobrir a causa do seu mal estar. Suas palavras duras mostravam uma história de dificuldades e sofrimentos: aos 50 anos sentia uma instabilidade emocional, com um filho ainda pequeno. No leito ao lado, estava Fatima, que parecia querer repousar. De repente, descobre o rosto e me diz: “Estamos internadas há alguns dias; você, hoje, a fez sorrir!”. Senti-me atraída por seu olhar intenso e invadida por um desejo de saber quem era ela e o que queria me comunicar. No encontro com Fatima, jovem mulher muçulmana, vi um testemunho para a minha fé cristã. Ela, diagnosticada com um tumor, dois filhos pequenos e um marido desempregado, vivia e transmitia uma grande paz e uma certeza de uma vida boa. Disse-me: “Deus é bom, sempre quer o nosso bem, eu me confio a Ele. Meu marido perdeu o emprego exatamente agora, quando precisamos que fique em casa com as crianças. É bonito que haja pessoas que venham visitar os doentes e com quem possamos conversar e ter esperança juntos”. Falamos sobre nós e rezamos, as três, colocando as nossas intenções às quais Fatima sempre respondia “amin”. Ter feito a experiência de um encontro humano, que move o coração de todos os homens, quebrando os esquemas da minha moral e das minhas posturas (tinha a pretensão, ainda, de viver a graça do encontro com Cristo somente dentro da Igreja ou do Movimento), através do rosto de duas mulheres islâmicas, reabre uma possibilidade de vida nova também para a minha família, para a minha Fraternidade, para as pessoas que encontro.
Elena, Milão (Itália)
UMA HISTÓRIA QUE ACOLHE, EDUCA E ABRAÇA
Temos uma filha de 10 anos que cresceu reconhecendo os nossos amigos como família, e na medida em que o tempo passa, ela cresce, nascem as perguntas, muda o comportamento, mas não muda o nosso desejo de que a história que nos alcançou seja dela também. Desejo esse que se mostra cada vez maior também entre os nossos amigos que têm filhos que não são mais bebês, mas que não têm idade ainda para participar com os colegiais. Nasceu então a ideia de juntar essa garotada para um encontro com a nossa cara. Marcamos o dia 16/01 para um dia de “férias” em um sítio em Seropédica. E como nada está em nossas mãos, choveu, choveu e choveu. E choveu mais um pouco... Nada de sítio... Mas o coração grita, e se abre, e nossos amigos Bia e Luiz abrem a sua casa para fazermos uma tarde com música, filme e jogos, e no fim uma pequena “conversa”, trazendo um juízo do que aconteceu ali – um encontro. Remarcamos o sítio para o dia 31/01, e como nada está em nossas mãos, sol, sol e mais sol. Um dia lindo, trazido de presente para nós. Foram propostas várias brincadeiras, na piscina e no campo, com as crianças e também os pais. No final uma nova conversa. Em poucas palavras nossas crianças diziam que estavam ansiosas pelo encontro ou que não queriam ir, e surgiram algumas colocações, como a pequena Marina que concluiu que “o Belo é Cristo”, ou o Arthur que contou que não queria ir, pois era o último dia de férias, mas que ficou muito feliz quando viu as brincadeiras que tinham sido preparadas. No fim, a Valéria pediu para cada um dizer ao menos uma palavra sobre esse dia, e aí saiu de tudo: alegria, diversão, amizade, paz, Deus, companhia, beleza... Pra mim a palavra que ficou foi “gratidão”. Gratidão por essa história, com nomes e rostos, que me alcançou anos atrás, me abraçou, educou e acolheu, e que agora acolhe, educa e abraça a minha filha, que saiu de lá dizendo ser aquele “o melhor dia do mundo”. E foi mesmo!
Daniela, Rio de Janeiro (RJ)
ALGO IMPOSSÍVEL DE ACONTECER COM MEU PAI
Venho da Albânia, moro na Itália há alguns anos com minha família e estou frequentando a universidade. Conheci o Movimento aos 13 anos através de uma cara amiga e foi um caminho lento até tornar-se um fato indelével na minha vida. Sempre tive um relacionamento difícil com meu pai, um homem sufocado pelas circunstâncias dolorosas da vida. Era cético em relação a Deus e sempre que eu tentava lhe contar da beleza que tinha encontrado através de meus amigos, me respondia: “Belas coisas, mas volte à vida real”. Quando ouvi o testemunho da Dra. Marta, em dezembro, sem ter programado, comecei a falar dela para minha mãe. Pouco depois meu pai chegou e me pediu que continuasse: “Eu também gostaria de ouvir”. Voltei a falar, mas tinha um pouco de “temor” do seu juízo. Porém, naquele momento, aconteceu um fato impossível. No fim, ele me disse: “Deixo você e seu irmão participarem do Movimento porque vejo algo de bom e vejo como vocês estão felizes ali e quero que vocês sejam felizes”. Foi a primeira vez que vi o grande amor e o olhar diferente que meu pai tem sobre mim.
Carta assinada
ALGO QUE VAI ALÉM DA LEI
Caríssimo Julián, tive a oportunidade de ler seu artigo no Corriere della Sera (editorial Passos fevereiro). Obrigada, porque seguindo você, a minha vida está cada vez mais plasmada com o Mistério, cada vez mais bonita. Sou uma pessoa bastante normal, mas faz tempo que tenho claro o desejo, continuamente retomado, de que a minha vida seja grande e bela. Nestes anos, comecei realmente a viver a minha vida dentro do relacionamento com Cristo, que continua dando-me tudo e fazendo-me desejar que Ele se torne cada vez mais tudo na minha vida e me tome inteira. Quando leio comentários que dizem que não estamos julgando a situação atual, que no Movimento não se julga, tudo em mim se rebela. Minha vida diz outra coisa. Toda a minha vida mostra quanto estou aprendendo a dar um juízo sobre todas as coisas, vivendo uma paixão pela realidade que tenho diante de mim. Hoje, li um artigo que explicava bem o que está em jogo com a Lei Cirinà e, pela primeira vez, vi nascer em mim uma ternura por aqueles homens e mulheres que pedem isso, que acreditam que essa regulamentação possa lhes satisfazer. Tinha vontade de gritar: “Se você soubesse quem é Cristo, se O encontrasse entenderia realmente a grandeza do seu desejo! Algo muito diferente do que uma Lei!”. Mas pensava isso experimentando uma paixão verdadeira pelo outro, que é algo novo que percebo em mim. E viver assim é mais humano e razoável. Esse olhar novo só pode nascer d’Ele – porque eu não sou capaz – e da familiaridade maior com Cristo, que o seguimento torna cada vez mais possível.
Caterina
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón