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Passos N.179, Abril 2016

RUBRICAS

Cartas

UM CORAÇÃO FERIDO QUE REPOUSA EM CRISTO
Depois de anos fora da universidade, voltei ao processo seletivo para um mestrado em educação. Fui aprovada e os primeiros desafios desta jornada se iniciaram. Agora me vejo inserida no mundo acadêmico com seus discursos e práticas por vezes tão avessos à Igreja. Numa manhã quente, numa sala cheia de ingressantes para uma reunião acadêmica, depois da apresentação do programa e suas linhas de pesquisa, todos precisaram preencher formulários e havia alguns veteranos para ajudarem em possíveis dúvidas. Eu tive dúvidas e pude contar com a ajuda de uma americana, aluna de doutorado. Ao me ajudar, seus olhos azuis, miravam desconfortavelmente o crucifixo que carrego no pescoço. Um pequeno, discreto e incomum crucifixo. A certo momento, depois de poucos minutos contou-me sobre sua vida e disse ser casada com uma mulher. Neste momento, o desconforto por ela demonstrado mostra sua razão de ser. Naquele momento, não me vi pega de surpresa e nem escandalizada, mas também não me percebi na artificial postura de que devo me abrir às mudanças que ocorrem no mundo e ser tolerante. O que me veio foi uma impressionante ternura, vinda da consciência da minha ferida que, escancarada, mostra a misericórdia que Deus tem comigo. Perguntei-lhe sobre sua vida, sua jornada no Brasil e no mundo e não lhe disse nada sobre união homossexual, na verdade nem pensei sobre isso. De maneira muito simples, pensei em como somos todos amados, sustentados e como existe uma grande vitória diante de todos os dramas humanos. Uma vitória que já aconteceu e acontece constantemente, por isso não preciso viver como se estivesse no campo de batalha e travar os debates, defendendo o que a Igreja diz e propõe. Vi-me na certeza de que a cruz carrega uma vitória sobre todas as coisas e, sem me esconder, carrego a minha identidade do encontro com Jesus. Não sou capaz de levar algumas discussões sobre os temas de hoje: feminismo, situação política, inclusão, minorias. Eu, humildemente, aprendo o que os marxistas do programa têm dito, vejo um desejo de justiça grande e comparo com o coração. Também noto algo como um ressentimento e uma mágoa que carregam diante do mundo e de nossa atual situação política. Vejo em cada um a mesma ferida que carrego. Não estou de acordo com premissas que são ponto de partida de tantos discursos do ambiente acadêmico, mas não entro na guerra. Simplesmente lembro dos olhos azuis fixos desconfortavelmente na cruz e continuo a carregá-la em silêncio. A ira, raiva, desconforto e maus julgamentos que me eram tão peculiares, cederam espaço a um coração ferido e aberto a deixar que o mistério da paixão vença tudo em mim. Todos os dias me vem o pedido de que o Senhor veja todas essas coisas que nos acontecem hoje no Brasil e no mundo, que Ele não feche os olhos e mande a sua justiça, não a minha, não o meu discurso. O meu coração ferido que repousa na vitória de Cristo, tem me possibilitado uma tranquilidade e uma paz diante de tudo. Esta paz está me fazendo ir além, ir adiante e não parar nas contrariedades da vida, tem me feito olhar com atenção os milagres de todos os dias, começando pela vida que não posso me dar. Na certeza de que Cristo venceu a morte e o mal, vivo.
Angélica, São Paulo (SP)

O MELHOR AINDA ESTÁ POR VIR
Querido padre Carrón, no início desse ano, ao ouvir o Papa falando aos cantores e dizendo que o propósito dele para este ano era que fosse capaz de rezar mais, pensei: se ele pede isso, o quanto deveria eu pedir para mim! E pedi que eu também fosse capaz de rezar mais esse ano. E me propus as Orações das Horas e mesmo não conseguindo fazer as quatro de cada dia, tenho conseguido ser fiel ao menos a duas. As orações têm me ajudado a dar um sentido, um por que para cada momento. São como estacas fixadas ao longo do dia nas quais me agarro e me ajudam a me dar conta de quem eu sou, do que sou feita. Há algumas semanas, como acontece uma vez por mês, o diretor da minha empresa, que mora em São Paulo, veio passar uma semana em Manaus. À princípio imaginei esta visita como todas as demais, para acompanhar os processos do escritório. Fui buscá-lo no hotel, como sempre faço e nos dirigimos para o escritório. Ele chamou a mim e ao rapaz que trabalhava comigo para a reunião. Falou que devido a uma reestruturação da organização e a crise que o Brasil enfrenta, eles decidiram fechar o escritório em Manaus e ele estava ali para fazer o nosso desligamento. Enquanto ele falava, se justificava e pedia desculpas, diante da surpresa pela notícia inesperada, fui tomada por um único pedido: “Cristo, me ajuda a não perder teu rosto de vista nessa situação!” Logo em seguida, meus acessos já estavam todos bloqueados. Arrumai minhas coisas e saí carregando minha bolsa e uma pequena caixa com meus pertences pessoais. Na rua, a caminho do carro, eu disse: “Senhor, eu não desejei isso, eu não planejei isso, logo, se este plano não é meu, é porque é Teu. Assim, me ajuda a caminhar com a certeza que ao final deste caminho te encontrarei a minha espera”. Estávamos em período de férias escolares e eu iria fazer uma cirurgia. Estava angustiada, sem tempo para levar as crianças ao médico nem fazer todas as consultas e exames pré-operatórios que eu precisava realizar. Nesta mesma tarde já saí com as crianças para comprar material que faltava para o colégio e foi então que recebi o telefonema da empresa que acabara de me demitir. Eles me propuseram um trabalho de auditoria sem dedicação exclusiva, sob demanda. Estes fatos só aumentaram minha certeza de que não foi me retirado nada, Cristo apenas me mostrou o caminho que eu deveria seguir a partir desse momento. Diante de mim estava o que o Senhor me pedia para viver. Passei a semana inteira intensa cuidando de mim, de meus filhos, minha família e minha casa. Eu estava feliz por tudo o que estava acontecendo. Eu estava leve porque não carregava nenhum peso, nem raiva, nem rancor, nem mágoa. O trabalho sobre “Reconhecer Cristo” me ajudou a viver toda a minha realidade. Minha serenidade não é minha, vem da força de um Outro. O fato de não carregar raiva nem mágoa não é uma capacidade minha, mas o olhar de um Outro. Não sou vítima, sou escolhida. A certeza de que o melhor ainda está por vir não é um consolo, mas a graça de reconhecer Cristo. Não sei por meio de qual realidade Cristo irá se manifestar para mim nesse caminho, mas sei que estou sendo carregada e que Ele está cuidando de tudo nos detalhes!
Lianne, Manaus (AM)

A BELEZA DESARMADA
EM UMA ESCOLA MILITAR

Há três anos, um aluno, G., deixou minha escola no terceiro ano do ensino médio para frequentar uma renomada escola militar. Quando, alguns meses atrás, soube que em sua cidade haveria a apresentação do livro de Carrón, A Beleza Desarmada, pediu ao capitão autorização para ir. O capitão, depois de saber o motivo do pedido, disse que nunca simpatizou com experiência de Comunhão e Libertação, mas que estava disponível a repensar sua posição, considerando que um aluno como ele a vive. E disse: “Pode ir, mas espero um relatório detalhado sobre a colocação de Carrón e sobre todo o encontro”. Meu jovem amigo não se intimidou e foi. Enviou-me uma foto do encontro e me disse que ficou muito tocado. Comprou o livro. Passaram-se semanas e não conseguia começar a lê-lo. “A vida militar tem uma agenda muito intensa”. Mas, num determinado momento, alguns fatos desagradáveis ocorridos na escola, somados às dificuldades no estudo, colocaram tudo em discussão, fazendo-o chegar a pensar que tinha supervalorizado a carreira militar. Com esse mal-estar, volta à última coisa bonita que tinha vivido e começa a ler o livro. Uma noite, me escreveu: “Estou lendo A Beleza Desarmada. Que bonito! Meus colegas estão muito curiosos em saber como eu posso encontrar tempo para ler ‘outra coisa’, depois, ficaram sabendo do título do livro e ficaram interessados. Você pode imaginar uma beleza desarmada dentro de uma escola militar? Convidei-os para lermos juntos alguns trechos. É bonito que Carrón, no início, nos deixa cheios de uma pergunta: beleza de quê? Depois, pouco a pouco, nos leva a reconhecer, quer dizer, somos nós que reconhecemos, que a beleza da qual fala está toda no encontro com uma “humanidade” extraordinária que vi pela primeira vez em você e que me levou a participar dos colegiais, e que agora torna-me capaz de reconhecê-la outra vez quando a vejo. Um encontro que nos faz dizer: “Nunca vi nada igual”. Ontem, na escola, aconteceu um fato muito desagradável, que dividiu os estudantes em dois grupos: um a favor e outro contra uma pessoa. Tinha acabado de ler o artigo de Carrón do Corriere, imprimi-o e dei ao colega em torno do qual a divisão tinha começado. Foi um novo início para mim e para ele. Entendi que a grande atração que sinto pela vida militar, que parece estar em contradição com a beleza que encontrei, está, ao contrário, dentro daquela atração maior: que eu posso dar a minha vida pela justiça porque a Justiça deu a sua vida por mim e tornou-se encontrável “por mim”. Essa consciência é a minha verdadeira e pessoal contribuição ao mundo inteiro e, por agora, à minha vida em uma escola ‘militar’”.
Maria Concetta, Palermo (Itália)

POSSO CONHECER ESSE HOMEM?
Caro Julián, quero lhe agradecer por seu artigo “Direitos tradicionais e valores fundamentais” (editorial Passos fev 2016). Ajudou-nos a dar um passo atrás e olhar a realidade em todos os seus fatores. No ano passado, minha filha nos disse que era homossexual. A primeira reação foi de tristeza. O que mais desejamos para nossos filhos é a felicidade eterna, e nestes casos não podemos deixar de pensar: “Agora será mais difícil”. Porém, ao contrário, fomos chamados a realmente acreditar realmente naquilo que Giussani nos disse: que as circunstâncias são essenciais para a nossa vocação. Assim, comecei a entender que essa circunstância foi dada para minha mulher e para mim, para nos ajudar, e foi dada à minha filha para que através dessa ferida possa encontrar Cristo. Com esse pensamento, não via a hora de mostrar o seu artigo a minha filha. Ela não frequenta o Movimento e, normalmente, jamais teria lido um documento de CL, mas a primeira coisa que me disse quando terminou de ler, foi: “Posso conhecer esse homem?”.
Carta assinada

MANIFESTAÇÃO RESPONDER OS DESAFIOS
Depois de participar da bela assembleia com padre Julián Carrón no dia 13 de março, fomos à manifestação na Avenida Paulista e foi uma experiência significativa e reveladora. Estar presente em um evento junto com pelo menos 10 por cento da população da nossa cidade, que decidiu expressar o desejo de mudança, de justiça, gerou em mim um sentimento positivo, por reconhecer um coração que se move, que não está inerte ou anestesiado frente uma realidade de crise generalizada: econômica, política, social, enfim, crise do humano. Observando a manifestação era possível identificar ao longo da avenida muitos grupos com posições ou propostas ideológicas diferentes divulgadas em cartazes e vários carros de som; chamava atenção um trio elétrico em particular que tinha um grupo de samba, cantando sambas tradicionais com paródias em relação à situação atual, o que levou nosso amigo padre mexicano que nos acompanhava a perguntar: "Mas isso aqui é uma manifestação ou uma festa?". De qualquer modo, havia algo comum a todos: expressar a negação, um "basta", um grito pela mudança. Porém, na verdade, aquela cena quase que apocalíptica ou que lembra Babel, na qual tantos falavam sem se ouvir, foi gerando em mim uma grande tristeza e, ao mesmo tempo, uma compaixão por todo aquele povo que são como ovelhas sem pastor, pois não se enxerga um caminho ou referências objetivas para reconstrução do país. Imediatamente experimentei o que padre Carrón tinha dito horas antes: na crise podemos identificar com mais clareza a radicalidade da necessidade humana e o que pode responder a ela. Reconhecer a presença de Deus na história, que veio para encontrar cada um de nós e o povo ao qual pertencemos é o que permite respirar e olhar para uma realidade que é maior do que a situação limite que enfrentamos: a certeza da ressurreição de Cristo, que vence o mal e a morte, gera uma positividade irredutível para enfrentar e responder os desafios que nos são dados.
Silvia, São Paulo (SP)

UMA COMPANHIA QUE EMERGE NA SOLIDÃO
Dentre as diversas coisas incríveis que aconteceram nas férias dos universitários em Teresópolis este ano, uma me tocou de modo especial. Na assembleia que encerrou as férias, após dias tão intensos, senti uma tristeza enorme em ver que aquilo estava terminando e eu teria que enfrentar um desafio ao voltar às aulas. Desafio de viver exatamente a mesma coisa sozinha, afinal, não seria justo desejar algo menor do que foram aqueles dias. Então, me levantei e perguntei “Como faço para viver a experiência do Movimento, estando sozinha? ” E, a partir desta pergunta, eu que nasci no Movimento, comecei a entender o que realmente significa essa experiência. Porque diante da minha pergunta, um amigo me fez uma enorme provocação sobre algo que ele mesmo estava se questionando: “Se o valor da companhia é tão claro, será que você se pergunta o que é essa companhia? Se não se pergunta, então tudo não passa de um problema sentimental. Mas se a reconhece como um valor único, como não se perguntar o que é?” E este foi para mim o ponto central, pois este mesmo amigo já havia me dito que diante da vida posso estar rodeada de milhões de amigos, mas sou eu diante do Mistério, é preciso um relacionamento único e pessoal com Ele. Na época eu não consegui entender, foi necessário um acontecimento real na minha vida para perceber o significado desta minha solidão (uma palavra que é difícil até mesmo de dizer, afinal é muito complicado estar sozinha, eu preciso muito das pessoas!). Mas entender, concretamente, esta solidão que faz parte de mim, traz consigo a resposta daquilo que mais importa: essa relação única com o Tu, essa Presença que me fez e me faz agora e me leva a me relacionar diretamente com ela e com todo mundo! Depois dessas férias eu consegui além de entender, começar a construir seriamente esse relacionamento com o Tu, e isso pra mim está sendo a maior descoberta do que é Comunhão e Libertação na minha vida.
Ana Luisa, Pelotas/RS

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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