QUANDO O MISTÉRIO ROMPE AS NOSSAS FORMAS
Comecei a tratar, como fisioterapeuta, de um paciente dos Emirados Árabes. Como ele precisava voltar ao seu país, perguntou se eu podia acompanhá-lo para que pudesse continuar o tratamento. Com mil dúvidas iniciais em relação às diferenças culturais e religiosas, decidi confiar naquilo que estava me acontecendo, e fui. Primeiro, por um mês, depois, por mais duas semanas. O relacionamento com esse paciente e com toda a sua família foi realmente inacreditável: introduziram-me em seu mundo de um modo como talvez jamais tenha sido feito (os italianos que conheci me disseram que os Emirados são um mundo fechado), desejando que eu conhecesse tudo: desde suas tradições, usos e costumes, até a língua. Ficando com eles, percebi como têm um grande senso da vida e do Mistério: percebem tudo como dado por um Outro, com uma certeza incrível. Nasceu um afeto e uma estima inesperados, recíprocos. Disseram-me que eu, católica, pareço mais irmã deles do que outras pessoas menos religiosas. Frequentemente falamos sobre os valores comuns e descobri que essas pessoas, aparentemente tão diferentes, têm exatamente o meu coração, os meus desejos, as minhas perguntas. Disseram-me mais de uma vez que, quando eu me casar, querem vir à Itália e, mais, também querem fazer uma festa para mim em seu País. Perguntei-me: o que gerou esse olhar neles? E o que viram em mim? “Somente uma vida diferente e nova pode revolucionar estruturas, iniciativas, relacionamentos, em suma, tudo”. O Mistério entrou nesses relacionamentos, rompendo as formas clássicas, a ponto de um árabe muçulmano, em um período delicado de doença, me dizer que “não sou mais apenas a sua fisioterapeuta, mas já sou de sua família”.
Anna
SEMPRE UM NOVO INÍCIO
Caríssimo padre Carrón, em meu percurso profissional, mudei de profissão muitas vezes, e todas sem que tivesse planejado. Sempre o fiz por força das circunstâncias, procurando obedecer ao que a realidade me propunha. A penúltima mudança foi há 20 anos, quando dei início a uma empresa, mas os novos tempos tornaram-na obsoleta. Por conta disso, rezava continuamente para que Deus me indicasse o que desejava que fizesse. Isso sempre com a firme certeza de que, como em todas as vezes anteriores, Ele me destinaria onde entendesse que me seria mais adequado. Por isso, acolhia plenamente todas as possibilidades que Ele me colocava, sem medir sua conformidade com o que me pareceria adequado ou conforme meu gosto. Há alguns meses, uma amiga me propôs prestar concurso para professores para o Instituto Federal de Educação. Nunca dei aulas (somente algumas, particulares, quando universitário) e nunca pensei em ser professor, mas entendi que, se isso era uma possibilidade de trabalho que se apresentava, eu tinha que acolher. Sou químico e gosto desta área, mas tenho 57 anos e são já 30 anos que não lido com ela. Portanto, prestar um concurso estando tão despreparado, parecia-me perda de tempo. Entretanto era o que a realidade me apresentava e, então, encarei com seriedade. Uma talentosa professora e grande amiga se ofereceu para me ajudar nesta impossível tarefa e, para minha surpresa, acabei sendo aprovado. Há algumas semanas, estou dando aulas em uma instituição com mais de 60 professores. Um completo “recomeço”, tanto que, no início, me encontrei “perdido” por conta da total falta de experiência deste ambiente completamente novo, mas é com grande alegria e confiança que estou encarando o trabalho, pois é plena a certeza de que o Senhor me quer ali como sou e que me reserva um bem e uma beleza que não posso imaginar. Dom Giussani, quando foi para o Liceu Berchet, também não tinha experiência nem planos. Carregava apenas a certeza do que Deus lhe pedia e o desejo de fazer aqueles alunos encontrá-Lo. Hoje vejo-me na mesma situação e rezo para que Dom Giussani interceda para que Deus me dê o seu mesmo coração e desejo.
Ulisses, São Paulo (SP)
DE ONDE VEM ESSA LETÍCIA INESPERADA
Caríssimo Julián, trabalho no setor agrícola e, há algum tempo, estou numa fazenda que produz uvas de alta qualidade. Depois de um ano de experiência, fui admitido. Esse trabalho de responsabilidade me agrada, o relacionamento com os colegas é ótimo e, no último balanço, as vendas estavam em franco crescimento: tudo perfeito. No final do ano, os diretores se reuniram para fazer uma análise da situação e, devido aos altos custos da gestão, levaram em consideração a possibilidade de ceder a gestão dos terrenos a terceiros. Corria um grande risco de ficar desempregado. Para mim, foi como uma bomba. Depois, reagi e disse a mim mesmo: eu dependo desse trabalho? Onde está Cristo, afinal? Depois das festas natalinas, outra reunião é marcada. Espero ansiosamente o resultado, mas com o coração alegre e sereno, lembrando-me da frase de Dom Giussani: “As circunstâncias pelas quais Deus nos faz passar são fator essencial da nossa vocação, da missão à qual nos chama”. Depois da reunião, meu chefe me ligou dizendo que haveria uma mudança de gestão, mas que ele havia sugerido que eu fosse mantido porque viu em mim um interesse, um empenho em todas as atividades profissionais. Obviamente eu gostei disso, mas entendi que aquilo que para ele era seriedade profissional, para mim tinha a ver com aquela frase sobre o trabalho que Giussani citou em Reconhecer Cristo: “O trabalho é amor a Cristo”. Todos os dias, em tudo o que faço, penso que é para a glória de Cristo, quer se trate de fazer uma poda, de colher a uva ou de me relacionar com os colegas. Meu desejo é que a minha vida não seja vivida inutilmente. Depois, chegou o dia decisivo: fui convocado pelo presidente. Antes e durante o encontro, estava tranquilo. Há alguns anos, isso não teria acontecido. Entendi que essa letícia é o que chamamos comoção vivida, e me foi dada pelo trabalho que você está nos orientando a fazer: uma contínua iniciativa no relacionamento com as coisas, no qual a minha razão se joga constantemente para que eu veja o Tu a quem respondo. Minha liberdade responde a essa forma de chamado que o Mistério me faz através das coisas. O “fazer” torna-se viver constantemente nesse relacionamento em que tudo se joga. A conclusão tem um final feliz, porque não perdi o emprego. Haverá novidades técnicas, mas, com essa postura, tudo pode ser enfrentado.
Matteo
“O MUNDO NÃO PRECISA DE PESSOAS RESPEITOSAS”
“Tudo o que aprendemos, aprendemos vivendo”, dizia Dom Giussani. Nesse sentido, eu, que estou completando trinta anos de sacerdócio, agradeço a Deus por ter vivido trinta anos como leigo, antes de entrar no Seminário. Quantas experiências preciosas a vida me deu. A dura luta para ganhar o pão de cada dia, o grande sacrifício de estudar na Universidade... Mas também uma experiência belíssima: a de me apaixonar, ser correspondido e viver um maravilhoso período de namoro cristão. Que experiência indescritível é a de estar apaixonado! Com quanta naturalidade a pessoa mostra aos outros a beleza e a plenitude daquilo que está vivendo! Bem, anos depois, quando já era padre “por profissão”, Deus me colocou diante de Dom Giussani e do Movimento. Custa-me reconhecê-lo. Digo isso com muito pudor. Só recentemente experimentei o impacto do encontro da minha vida com Cristo ressuscitado “aqui e agora”. Sabia que Ele tinha se encarnado na Palestina 2000 anos atrás. Em uma época muito distante, a mil léguas daqui. Sabia e acreditava que Ele estava na glória, sentado à direita do Pai. Não entendia muito bem o que isso queria dizer, mas... estava distante, muito distante! Acreditava na Sua presença eucarística e celebrava diligentemente a Eucaristia. Mas o fato de que Ele tenha vindo ao meu encontro através de pessoas que o testemunhavam mostrando-se “transfiguradas” pelo contato com Ele superou todas as minhas previsões e expectativas. Comecei a sentir um contragolpe dentro de mim, até chegar a esta certeza: “Será que é possível encontrar Cristo vivo e não se apaixonar por Ele com um amor totalizante, que nos leva a abraçar toda a realidade como Ele abraça?”. Agora, acho que entendi outra frase de Dom Giussani que me deixou perplexo quando o ouvi dizer: “Francisco, o mundo, a Igreja, o Movimento não precisam de pessoas respeitosas, mas de pessoas comovidas”. E a comoção maior acaso não é apaixonar-se por Cristo e, dentro dessa experiência, amar toda a realidade como Ele a ama? Que coisa infinitamente grande é ser cristão dentro de uma experiência como esta!
Padre Francisco Miguel, Buenos Aires (Argentina)
MONTE KOYA. DA AMIZADE COM DOM GIUSSANI
Na abertura do curso de Língua e cultura japonesa realizado por nossa amiga Wakako Saito na Universidade Católica de Milão, Shodo Habukawa, guia do mosteiro budista de Muryokoin, enviou esta nota:
Caro padre Ambrogio, soube pela professora Wakako Saiko da organização do curso de Língua e cultura japonesa na sua universidade. É realmente uma grande alegria para mim. Como sabem, as palavras expressam o coração do homem; através da comunicação podemos transmitir a verdade do Universo. Estou comovido e certo de que do céu Monsenhor Giussani está muito satisfeito em ver o trabalho que estamos fazendo juntos. Rezo para que este curso continue sem limites e não importa muito o número de participantes, pois meu desejo é de eternidade pela nossa amizade que começou com Dom Giussani.
Shodo Habukawa, Monte Koya (Japão)
DIANTE DA INCUBADORA
Caro Julián, no dia 3 de fevereiro nasceu prematuramente Lucia, minha terceira filha. Entrar no Centro de Terapia Intensiva Neonatal foi, para mim, um pouco como entrar em uma quarta dimensão, porque precisei descobrir como estar naquele lugar: desde lavar as mãos cuidadosamente, até a troca de roupa, a voz baixa, os olhares preocupados dos pais... Também como estar diante da incubadora. No início, ficava sem ar, não conseguia entender bem o que tinha acontecido e tinha uma grande tristeza. Tornou-se um pedido quando conheci Katy, a mãe de Nathan, um menino em estado muito grave que já estava internado há algum tempo. Um dia, enquanto olhava e rezava diante de Lucia, ela veio até mim e me disse: “Você está desconfortável nessa cadeira. Eu ajudo você a abaixar a incubadora para ficar um pouco mais cômoda”. Poucas palavras, mas que me surpreenderam, porque o seu menino era o que estava em estado mais grave e achei que Katy olhasse só para ele. Essa atenção mudou meu modo de estar ali no Centro. Comecei a pedir: “Senhor, minha rocha, faz-me ficar ligada a Ti, hoje”. E todos os dias sempre aconteceu algo que me impedia de sentir-me sozinha diante da minha dor: Katy, meu marido, as mães da Fraternidade de Roma e outros amigos que, todos os dias, rezaram por minha filha. Lucia, pouco a pouco, cresceu, melhorou e já está em casa. Nestes dias, percebi que aquele olhar despertado na CTI precisa ser redescoberto também em casa. Nathan morreu, e quando Katy me escreveu contando, pensei: por quê? Uma pergunta dramática à qual não sei responder, mas que guardo na certeza de que a presença de Cristo é humana, não nos abandona e pode fazer nosso coração renascer. Eu e Katy continuamos a nos falar e logo nos encontraremos para um almoço.
Elisabetta, Vercelli (Itália)
UMA IGREJA VIVA
Eu, meu marido e nossos dois filhos pequenos moramos no sul de Minas Gerais. Tendo nos mudado de Belo Horizonte há 6 anos, muitas vezes nos percebemos distantes de nossos amigos e do Movimento, vivendo como em “guetos”, com uma falta de vitalidade da vida cristã e um fechamento. Essa necessidade não nos deixava sossegados. Desejávamos reviver o frescor que havíamos experimentado no carisma do Movimento e o propomos a alguns amigos que nos são tão caros da nossa Igreja, mas não conseguimos fazer surgir por nossas forças esse âmbito de relacionamento que nos corresponderia. No entanto, a realidade se impõe e o coração pede mais, não se conforma com a aridez, quer um encontro. A distância dos amigos do Movimento, insistente e surpreendentemente, mostra-se mais viva do que amigos e familiares que cá vivem. Companhias que nos leva a querer buscar, nos “puxam a orelha”, nos alertam, nos visitam mesmo que nessa distância, que nos testemunham esse movimento contínuo de encontro com Cristo. O livro: “Por que a Igreja” veio ao encontro desse anseio de estar em uma real Comunidade e de ser para nossos filhos essa “ardente novidade” de que fala Giussani, não uma Igreja “distante” e árida vivida apenas aos domingos. Enfim, não estamos sozinhos. Pelo Skype, hoje em dia, faço Escola de Comunidade com o Grupo “Mamães a Bordo”. Pelejando, com o marido, as crianças, a casa e o trabalho, busco organizar tudo para os horários darem certo, pois essas reuniões se fazem cada vez mais uma necessidade, me põem em movimento, me indicam um envolvimento necessário para a verdadeira e sólida Igreja de Cristo!
Ludmila, Alfenas (MG)
Credits /
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón