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Passos N.183, Agosto 2016

IGREJA | MADRE TERESA

Tenho sede de ti

por Paola Bergamini


Dia 4 de setembro, MADRE TERESA DE CALCUTÁ será proclamada Santa. Conversamos com padre Brian Kolodiejchuk, postulador da causa de canonização, para repassar os principais fatos da sua vida. A imponência dos frutos e a intimidade da sua fé, até nos momentos de escuridão. “Estou mais certa desse chamado do que do fato de estar viva”


No dia 10 de setembro de 1946, Irmã Teresa está no trem que serpenteia a montanha rumo a Darjeeling, aos pés do Himalaia. Está indo para o retiro anual das Irmãs de Loreto. Tem 36 anos. Está feliz, a sua vida é plena. Desde as alunas do Colégio onde leciona, em Calcutá, às coirmãs, todos lhe querem bem. Depois, de repente, uma voz dentro do seu coração, mas ao mesmo tempo fora dela, lhe diz: “Tenho sede de ti, do teu amor”.
É a voz de Jesus, na há dúvida. Naquele trem, Cristo lhe pede que largue tudo, até sua Ordem, para servir aos mais pobres dentre os pobres, para levá-Lo até eles, nos “buracos” escuros da existência humana mais degradada. Nesse dia nascem as Missionárias da Caridade, a Ordem fundada por Madre Teresa de Calcutá, que no próximo dia 4 de setembro será elevada à honra dos altares. Durante esse encontro místico, aquele Jesus por quem havia deixado, há 18 anos, a cidade de Skopje, na Macedônia – onde vivia com a família –, entrando como missionária na ordem das Irmãs de Loreto (primeiro na Irlanda e depois na Índia) –, se faz presença viva. “Foi um chamado dentro do chamado”.
A Madre chamou esse dia de “o dia da inspiração”, explica padre Brian Kolodiejchuk, postulador da causa de canonização e sacerdote dos padres Missionários da Caridade, um dos ramos masculinos fundado em 1984 por Madre Teresa, no seio da Ordem. Com ele, vamos percorrer sua trajetória de vida, mas sobretudo a profundeza espiritual dessa Santa dos nossos dias.
Durante os seis meses seguintes após ouvir a voz, os diálogos entre o “Esposo” e Teresa prosseguem através de uma série de visões interiores. Jesus lhe revela como saciar a Sua sede: dar vida a uma Ordem para anunciar o Seu amor aos doentes, às crianças de rua, aos moribundos, aos mais pobres dentre os pobres. Só para isso. E acrescenta que tudo isso implicará para ela sacrifícios, cansaço e sofrimento. Teresa está certa de que é Jesus quem fala com ela. Anos depois, dirá a propósito: “Estou mais certa desse chamado do que do fato de estar viva”, mas tem medo de não conseguir, de não ser capaz. E a Voz – como ela a chamará depois – lhe pergunta: “Vai recusar?”. “Em 1942, com a permissão do seu confessor, havia feito um voto privado: dar a Deus qualquer coisa que Ele lhe pedisse, não recusar nenhuma”, explica padre Brian. E agora Ele, porque a amava, estava lhe pedindo tudo.
Essas experiências místicas Madre Teresa conta somente ao diretor espiritual, o jesuíta padre Celeste Van Exem, e depois ao Arcebispo de Calcutá, Dom Ferdinand Périer. “Só depois da morte dela, com o recolhimento dos documentos para a causa de beatificação, as conversações com Jesus vieram à luz. Isso porque ela não queria chamar a atenção para si. Queria que no centro de tudo estivesse Cristo: era obra d’Ele, ela era apenas ‘um lápis’ nas mãos d’Ele”.
Aos dois prelados Irmã Teresa pede autorização para começar a sua missão, deixando a Ordem de Loreto. Firme na decisão, também está preparada para a obediência total. Reza e com determinação continua a pedir, através de cartas e colóquios. Em 1948 a Santa Sé dá a autorização. O Arcebispo de Calcutá lhe escreveu: “Estou profundamente convencido de que se eu não desse o consentimento, eu estaria criando um obstáculo à realização da vontade de Deus nela”.

Cinco dedos. Em dezembro daquele mesmo ano, vestindo um sári branco bordado de azul, com cinco rúpias no bolso e o rosário nas mãos, inicia o seu trabalho nas favelas de Calcutá. Em pouco tempo, algumas jovens, entre as quais suas ex-alunas, a seguem. O plano de Deus começa a se realizar. No dia 7 de outubro de 1950 nasce a Congregação das Missionárias da Caridade. Às irmãs, que aos poucos vão se juntando, repete que ao estar com os pobres é preciso recordar as cinco palavras de Jesus: “You did it to me” (Tu terás feito a mim), e mostrando a mão diz: “Uma palavra para cada dedo”. Só isso.
Mas os “buracos negros” não existem só em Calcutá. Em pouco tempo, a obra de Madre Teresa deixa os confins indianos e abraça o mundo. Entre os doentes de AIDS em Nova York, os mendigos de Roma, os pobres da África e da América do Sul, os órfãos de guerra no Oriente Médio, abre casas, inclusive nos países ainda sob a ditadura comunista. Os poderosos da Terra se inclinam diante dessa pequena freira de pele enrugada, e chegam a lhe conferir o Prêmio Nobel da Paz.
Quando morreu, dia 5 de setembro de 1997, havia aberto 594 casas em 120 países. “Cada fundação é um outro 10 de setembro, porque é obra d’Ele”, dizia.

Aqueles seis meses. Mas a Voz lhe havia falado de sacrifício, de sofrimento, de cansaço. E não só material; a esses a Providência sempre deu uma resposta. É algo mais profundo, da sua relação com Cristo. É a escuridão, da qual se falou após a sua morte, quando foram publicados os seus escritos, onde descreve a aridez espiritual que havia experimentado. Explica padre Brian: “Desde o dia da inspiração, durante seis meses ela vive um período de fortíssima união com Jesus. Depois, o deserto. Por cinquenta anos, com exceção de um breve parêntese em 1958, o seu primeiro e único Amor não fala mais com ela. Madre Teresa não se sente mais amada, sente-se rejeitada, abandonada por Deus, e chega a experimentar a tentação da dúvida. Mas, ao mesmo tempo, sente também um desejo fortíssimo de Deus. E não compreende a razão desse sofrimento. Não compreende logo que Deus lhe está pedindo mais”. Mais do que já está fazendo? “Sim. Ela está tocada com a invocação de Jesus ‘Tenho sede’, que para ela queria dizer ‘Tenho sede de amor e de almas’. É o paradoxo do Deus cristão que tem necessidade do amor dos homens, que se encarna para encontrá-los e salvá-los e em troca recebe a cruz.
Madre Teresa saciava essa sede de Jesus amando-O e servindo-O nos semblantes desfigurados dos mais pobres. Amando-os, amava Ele”. E não bastava? “Não. Nós estamos acostumados a pensar nos sofrimentos físicos de Jesus, não nos espirituais, quando se sentiu abandonado, rejeitado, quando teve medo do que teria que enfrentar. Suou sangue e gritou: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? Graças também à ajuda do confessor, Madre Teresa compreende que Jesus lhe pede que compartilhe o Seu sofrimento no horto do Getsêmani e na cruz”. É esse o significado da escuridão? “Como tantos Santos receberam em sua carne os sinais da Paixão, assim Madre Teresa recebeu na alma o sofrimento espiritual de Jesus. E quando entendeu isso, escreveu: Cheguei ao ponto de amar a escuridão porque creio, agora, que ela é uma parte, uma minúscula parte da escuridão e da dor de Jesus na Terra. Hoje, de fato, experimentei uma alegria profunda: Jesus, que não pode mais passar pela Sua agonia, quer fazê-lo em mim. Mais do que nunca, entrego-me a Ele. Sim, mais do que nunca estarei à disposição d’Ele” .

Épocas e Santos. Era a primeira, enquanto pôde fisicamente, a entrar na capela às 4h40 da manhã. A oração, às vezes quase “mecânica”, a adoração e a Eucaristia são a sua âncora, o que a mantém ligada a Deus e lhe permite viver de um modo alegre, apesar do tormento interior. E também há o sofrimento dos pobres. “Tenho sede de ti e de almas”, havia dito a Voz. “Isso, para ela, significava consumir-se pela salvação e santificação dos mais pobres dentre os pobres. E aí experimentou uma escuridão que eu chamaria de apostólica. Não existe apenas a pobreza material. A Santa de Calcutá percebe, no mundo ocidental, uma pobreza espiritual. Isto é, o não se sentir amado, querido, desejado. É uma escuridão existencial. Esse é o novo buraco negro. Na escuridão Madre Teresa experimentou esse vazio. E pode compartilhar com Jesus esse sofrimento profundo”.
Costumamos dizer que Deus dá para cada época os seus Santos. “Talvez seja melhor dizer que os Santos experimentam a dor de Deus na época em que vivem. Trazem-no para nós. É a experiência dos místicos”.



No Meeting de Rímini deste ano será apresentada a mostra “Madre Teresa de Calcutá”, organizada pela Postulação da causa de canonização. Publicamos um trecho extraído das anotações de Madre Teresa com Jesus

Jesus: “Quero freiras indianas, vítimas do Meu amor... que estejam tão unidas a mim que irradiem Meu amor por sobre as almas. Quero freiras livres, cobertas com Minha pobreza da Cruz. Quero freiras obedientes, revestidas de Minha obediência na Cruz. Quero freiras cheias de amor, revestidas de Minha caridade da Cruz”
Madre Teresa: “Meu Jesus, o que pedes está além das minhas capacidades... Sou indigna – sou uma pecadora – sou fraca. Vai, Jesus, e encontre uma alma mais digna, mais generosa”
Jesus: “A sede que tinhas pelas almas te trouxe tão longe. Tens medo de dar mais um passo para Teu esposo, para Mim, para as almas? Tua generosidade esfriou?”
Madre Teresa: "Dê-me luz, envie o Teu Espírito em mim, para me ensinar a Tua vontade, para me dar a força de fazer o que Te agrada. Jesus, meu Jesus, não me deixes ser enganada ... Tenho tanto medo. Eu tenho um medo terrível”
Jesus: “Não tenhas medo. Estarei sempre contigo”

Palavras de Madre Teresa
© Missionaries of Charity c/o Mother Teresa Center



 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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