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Passos N.188, Fevereiro 2017

DESTAQUE | PRESÍDIOS

No sistema prisional, uma solidariedade que humaniza e recupera

por Francisco Borba Ribeiro Neto

Entrevista com Luiz Carlos Rezende e Santos, juiz da Vara de Execuções Penais (VEP) de Belo Horizonte/MG.

Como juiz, o senhor trabalha já há muito tempo com o sistema prisional brasileiro. O que pensa dele?
Dr. Luiz Carlos: Sou Juiz de Direito em Minas Gerais há 19 anos. Conheci o primeiro presídio quando já era Juiz da comarca de Prados, perto de São João del-Rei, região histórica da inconfidência mineira. Desde então fiquei incomodado com aquela situação que as pessoas vivem nas prisões, um local insalubre, onde ficam trancafiados, dia e noite, sendo que falta de tudo, de higiene a energia elétrica, e principalmente calor humano. As pessoas presas exalam um cheiro estranho, um misto de suor, medo, e falta de higiene. Uma vez pensei muito e descobri que aquilo era um aroma único, de gente apodrecendo ainda vivas. Nunca senti aquele cheiro em outro lugar, só nas prisões. Quando penso, vem a minha mente o cheiro, e me traz um sentimento estranho de inconformismo.

Nesse contexto, qual o significado das prisões geridas pelas Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (APACs)?
Dr. Luiz Carlos: Conheci as APACs no ano de 2003, até então já tinha ouvido falar delas, mas achava que era um modelo que só poderia dar certo em Itaúna/MG, onde existia, mas estava enganado. As APACs são um modelo de escolha da comunidade, é uma metodologia de fácil implementação e que pode ser aplicada em qualquer cidade. É muito diferente das prisões convencionais. Começa pelo cheiro. Não se percebe o cheiro de pessoas apodrecendo nas APACs. As pessoas parecem que estão dentro de uma escola, um internato, onde se respeitam e cumprem uma rotina diária de trabalho, estudo e de encontro com novos valores. Não existem agentes penitenciários, nem armas de fogo, e os presos não usam uniforme e sim crachás de identificação. Os administradores são voluntários, nada recebem, sendo que existem funcionários capacitados para atender a demanda de contabilidade, motorista, telefonista, além dos plantonistas, aqueles que acompanham a segurança da casa de dia e a noite. As APACs diferenciam-se completamente das prisões privadas, até porque são entidades sem fins lucrativos, onde seus dirigentes não possuem remuneração, e as comunidades do local onde estão são fundamentais para seu funcionamento. Aliás por isto mesmo o custo de sua manutenção é bem inferior das prisões comuns, públicas ou privadas, posto que em média não custam 1/3 dos valores convencionais. Além do mais o juiz e promotor de justiça da execução penal são membros natos das APACs conforme dispõe seus estatutos.

Esse trabalho tem reconhecimento?
Dr. Luiz Carlos: O Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público já reconheceram publicamente a metodologia das APACs como boa prática, capaz de servir alternativamente ao sistema prisional brasileiro. No entanto, o maior reconhecimento das APACs está nas famílias dos recuperandos, quando o veem cumprindo pena corretamente, e ao voltarem para casa, em 90% dos casos, encontram um homem refeito, pronto para enfrentar a vida como um cidadão útil.

Hoje o trabalho já é feito fora do Brasil?
Dr. Luiz Carlos: Existem movimentos que aplicam parcialmente a metodologia em muitas partes do mundo, não só na América Latina, como nos Estados Unidos, e em países da Europa como Itália, Croácia e França, e até mesmo na Coréia do Sul. São movimentos de pessoas que lutam pela melhoria do sistema penitenciário, e conhecer as iniciativas destas pessoas é sempre revigorante, além de um grande aprendizado. Porém, o método aplicado em sua plenitude, conforme os doze elementos de Mário Ottoboni, advogado fundador das APACs, são desenvolvidos, ainda, somente no Brasil, em especial em Minas Gerais, no Maranhão e no Paraná, beneficiando aproximadamente 4000 prisioneiros condenados.

Como o senhor vê a atual crise das prisões brasileiras? O que as APACs podem fazer por isso?
Dr. Luiz Carlos: O sistema prisional brasileiro é apenas o que se colhe da má política pública desenvolvida no país, desde o nascimento do ser humano. Se conhecermos os prisioneiros, vamos verificar que grande parte deles já nasceram condenados a não ter pais, um lar, ou a possibilidade de construção de valores que o tornariam um cidadão útil. Rapidamente é acolhido pela criminalidade que lhe dá as únicas oportunidades que teve na vida, não conhecendo outras, seja em razão de suas ausências, seja em razão do preconceito que pesa contra estas pessoas, a maioria mal afeiçoada, com uma estampa de seres humanos imprestáveis. A metodologia das APACs assume a responsabilidade de construir novos valores na pessoa presa, com introspecções interessantes, tem seu elemento basilar na valorização humana, capaz de motivá-los a conhecer um novo mundo onde serão capazes de refazer a vida com humildade, respeito e amor ao próximo. Costumo brincar que esta convivência com os prisioneiros nas práticas de conversões, são capazes de melhorar muita gente, até mesmo juízes ou qualquer operador do direito, pois passam a enxergar a verdadeira origem do ser humano ali rotulado como criminoso. O caos do sistema prisional brasileiro pode ser amenizado com a proliferação das APACs, pois manteriam os presos nas comunidades que foram condenados, ou de sua origem familiar, permitindo sua reinserção com valores próprios de sua cultura, evitando a construção de grandes estruturas para acautelar milhares de presos, onde é impossível um trabalho individualizado para sua recuperação.

O que a sociedade pode e deve fazer diante desse caos do sistema prisional?
Dr. Luiz Carlos: Penso que a população brasileira deve ficar alerta quanto aos problemas do sistema penitenciário, e lembrar que o Estado, isoladamente, não irá conseguir torná-lo eficiente, posto que somente através da participação da comunidade, com harmonia, respeito e sem preconceito, haverá a possibilidade de conversão das pessoas presas, do contrário estaremos tornando o aprisionado um ser humano pior, com consequências nefastas para a sociedade, como estamos assistindo.

QUEM É
O Juiz Luiz Carlos Rezende e Santos ingressou no Poder Judiciário em agosto de 1993 como escrevente judicial e, a partir de 1995, passou a ocupar a função de escrivão judicial, ambas na capital mineira. Assumiu a magistratura em setembro de 1998, sendo titular das comarcas de Prados (1999/2003) e Lagoa da Prata (2003/2009).
Respondeu também pelos Juizados Especiais de São João del-Rei (1999/2002) e pelas comarcas de São Roque de Minas (2005/2007) e Iguatama (2009). Desde setembro de 2009, é juiz de Belo Horizonte e coordenador executivo do Projeto Novos Rumos na Execução Penal.
Lecionou na PUC/MINAS – Contagem – entre 1997/1999, no Instituto Presidente Tancredo de Almeida Neves (2000/2002) e na Universidade Antônio Carlos – UNIPAC – Bom Despacho – entre 2004 e 2009. Também foi professor no Curso Técnico em Segurança Pública da Polícia Militar de Minas Gerais, entre 2006 e 2008.

 
 

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