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Passos N.190, Abril 2017

DESTAQUE | UNIVERSITÁRIOS

O desejo nunca dorme

por Alessandra Stoppa

“Aqui está o futuro do Continente”. Na metade de fevereiro, uma centena de jovens africanos encontraram-se para os Exercícios Espirituais dos Universitários. Para poder assinar: “Eu”...

Arnold começará as aulas na universidade em breve. Cursará Marketing Internacional em Kampala, Uganda. Tem 19 anos e uma doença nos olhos: já é cego de um deles, o outro está afetado. Foi ele que, meses atrás, quando foi à Itália, quis visitar o túmulo de Dom Giussani. Deixou um bilhete com uma oração. “Pedi para poder ter um coração que deseja, como o dele”. Não pediu para enxergar. “A vida está cheia de pessoas que enxergam, mas quantas são felizes? É o desejo que nos leva longe. Não os olhos”.
Arnold sabe o que quer, quer desejar. Esse desejo ardente de tudo, às vezes doloroso, esse “buraco interior” como o chama Esther, de 18 anos, pode ser assustador. Assim como Arnold, ela também estava entre a centena de jovens africanos reunidos para os Exercícios Espirituais dos Universitários de CL em Eldoret, cidade que fica entre Kampala e Nairóbi.
Esses jovens amam tanto o seu desejo porque suas vidas mudaram no encontro com o cristianismo. “Embora nada tenha mudado”, diz Rose Busingye, responsável por CL na África. Não se tornaram ricos. Continuam comendo uma vez por dia, caminhando quilômetros por estradas de terra e tendo famílias desastradas. “Eu quero evitar uma coisa, quero evitar outra...”, continua Rose: “Eles, apesar do que viveram e vivem, não querem evitar nada. E eu os sigo”.
Além de Uganda e Quênia, os jovens chegam também de Burundi, Angola e Moçambique para passar três dias com Nacho, padre Ignacio Carbajosa, que veio da Espanha para fazer as palestras e as assembleias, que têm como tema: “Tu és o desejo da minha alma”. Viajaram de ônibus durante horas e para pagar suas inscrições fizeram pequenos trabalhos, enquanto o país é assolado pela seca e as universidades estão fechadas, paralisadas pelas greves dos professores. A situação pode permanecer assim por meses.

A vida de Gladys. Para os jovens quenianos, depois do colegial, a ideia da universidade coincide com a ideia de finalmente fazer o que se quer. Por isso, durante o dia vão às aulas e à noite cometem todo tipo de transgressão. É a normalidade. Mas padre Gabriel Foti, missionário em Nairóbi, pensa em Alex, Patrick, Maria e nos outros que começaram a viver uma partilha completamente nova para o contexto: “Estudam juntos, fazem Escola de Comunidade, falam sobre a vida... Colocando em discussão até o aspecto afetivo que, aqui, é brutal, em todos os níveis”. Os laços são ditados pelo sangue, pela etnia, pela tribo e a amizade é a coisa mais rara. “Sobretudo com os adultos”.
“Na cultura deles, um jovem cresce sem poder olhar um adulto no rosto, enquanto não se casar”, diz Nacho: “Vê-se que eles encontraram alguém que desafia sua liberdade. Se penso na crise educativa que há na África, mas também na Europa, impressiona ver jovens assim sendo gerados: personalidades firmes e livres, uma fé que está se tornando deles, com a qual enfrentam a vida. Não só nos olham no rosto, mas olham para o próprio coração”. E o interrogam de maneira vigorosa.
Gladys, 17 anos, vem de uma família numerosa da favela de Kireka, tem um pai alcoólatra. “Para mim, a vida não tinha nenhum sentido. Esperava apenas morrer”. No encontro com o Movimento descobriu-se amada a ponto de começar a amar seu pai, mesmo quando estava bêbado, e a fazer Escola de Comunidade com ele, até que o viu abrir-se como uma criança a outra possibilidade de vida. “Pensava que meu desejo começasse e terminasse comigo”, conta: “No entanto, entendi que é a possibilidade de relacionamento com Aquele que está me fazendo, que me chama justamente através do meu desejo”. Todas as noites antes de dormir, pede apenas uma coisa: “Amanhã quero Te reencontrar”. E pela manhã pede para olhar a realidade sem obviedade. “Todos os dias, para ir à escola, preciso atravessar duas avenidas muito largas onde os carros passam em alta velocidade. É algo que sempre me deixava cheia de raiva. Mas, agora, sei que naquele momento Deus me diz: ‘Gladys, aprenda a ser paciente’. Também nisso, e com tudo, Ele está educando o meu coração”.

Sem gangue. Giorgio Vittadini, um jovem grande e negro a quem Rose deu o nome de um amigo italiano, cresceu na Welcoming House, a casa de acolhida para crianças abandonadas. Eram seus primeiros Exercícios: “Tinha treino de futebol, mas quando li o título, precisava vir. Queria entender qual é o desejo da minha alma”. Ouviu Nacho dizer: “Não entendemos qual é o nosso verdadeiro desejo fazendo análises, mas através de uma história particular que nos acontece”. Isso o remetia a toda sua vida. “Toda a beleza que me foi dada para crescer, por Rose e pelos outros. Há alguém que luta para que eu viva. Deus me alcança, se fez carne por mim”.
Outro jovem, Arnold, mora com a família em um bairro controlado por uma gangue. Praticamente todos os jovens da região fazem parte dela. “Eu queria permanecer eu mesmo”, diz: “Com uma assinatura: ‘Eu’”. Eles estão sempre ali, na rua, em grupo: sempre com belas roupas, relógios, celulares. Coisas que todo jovem gostaria de ter. “Mas eu sentia que tinha algo que eles não têm”. Começaram a apontá-lo, depois a ser agressivos. São contra ele só porque não é como eles. Um dia, percebe que um deles o está seguindo, acelera o passo. Mas o rapaz o alcança. “E aí, mano”. Fala algumas coisas, depois lhe diz: “Gostaria de ser seu amigo. Preciso de um amigo como você”. Arnold pensa que está zombando dele: “Você já não tem os amigos da gangue? O que quer de mim?”. E ouve a seguinte resposta: “Você é feliz e seguro e não tem uma gangue. Eu, sem o bando me sentiria uma nulidade”. “Naquele momento entendi a diferença entre uma amizade e um bando. Sou feliz porque sou amado, porque pertenço a Alguém que me torna livre, me torna eu mesmo”, conta Arnold.
Enquanto escuta esses jovens falarem, padre Adriano Ukwatchali é atravessado por um pensamento: “O futuro da África está aqui. Pelo empenho que têm para com suas vidas. Eles não fazem parte da apatia africana, eles querem mudar. Percebe-se isso pelas perguntas que fazem. Descobriram o sentido da vida, querem segui-lo e não desperdiçar mais nada”.
Christine tem 18 anos. Conta que gasta muita energia tentando satisfazer o seu desejo sem nunca conseguir. “Para mim, saber que este desejo é o único modo de poder viver verdadeiramente é como renascer”, diz ela, feliz. Ficou impressionada quando Nacho falou da necessidade de agradecer. “A pessoa que quero agradecer é Deus. Ele veio ao meu encontro do modo mais concreto possível: Dom Giussani descobriu a beleza da vida e a transmitiu aos outros. Eu não entendo tudo... mas não me importa. Nunca irei embora porque perderia algo que é muito difícil de ter: eu mesma”.
Fredy conta sua surpresa: “Quando li o título dos Exercícios, logo cheguei a uma conclusão: ‘Sim, Tu, Senhor, és o desejo do meu coração, porque sem Ti tudo é pouco. É fácil, entendi’. Mas, logo depois, caminhando em silêncio durante uma hora, justamente naquele silêncio, começou o verdadeiro drama. Eu não teria este desejo sozinho. Eu o tenho porque um Outro o tem por mim, porque Deus está me dizendo: ‘Fredy, você é o desejo da Minha alma. Eu o criei para compartilhar este desejo, este amor que tenho por você’. Não sei o que acontecerá amanhã, mas enquanto respirar quero viver plenamente este desejo que sou”.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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