A doença que paralisou seu corpo veio após o assassinato do marido, que a deixou com seis filhos para criar. Entre os momentos de escuridão e a vida que explode em sua volta, Giovanna conta o que a conquista, novamente, todas as manhãs
Às 17h30, no quarto de Giovanna, é a hora do rush. Normalmente, este é o momento em que a movimentação em volta do seu leito se intensifica. O som repetido do interfone anuncia a mudança de turno das amigas que vêm lhe fazer companhia. Entram em duplas: beijos, abraços e algumas palavras. Ela, imóvel, acompanha a cada uma com o olhar e as escuta. Mas, sobretudo, oferece sorrisos. Depois, piscando com força, pede a prancheta transparente com as letras do alfabeto. Desde que a ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica) paralisou todos os seus músculos, esta é a única possibilidade de se comunicar. Tudo é feito por seus olhos, que correm de uma letra a outra formando as frases. Se, do outro lado do acrílico, quem “traduz” não entende, ela desanima. Às vezes chora “porque não poder falar é a coisa mais dramática”, nos conta, usando o mesmo quadro. Mas, no fim, está sempre pronta a recomeçar.
Foi a vida que lhe deu esse espírito de lutadora. Em 1988, num domingo à noite, seu marido Ludovico, quando voltava da missa, encontrou o escritório arrombado. Avisou a mulher pelo telefone e depois de algumas horas o encontram morto. Apenas um ferimento, provavelmente recebido na tentativa de pegar os ladrões.
A italiana Giovanna De Ponti fica sozinha com seis filhos: a mais velha, Cinzia, tem 16 anos; o menor, Filippo, tem um. Ela se apoia nos parentes e nos amigos da Comunidade de CL em Bresso. Todos querem ajudá-la. Encontra um trabalho e, depois de alguns anos, um caminho novo para a sua vocação: entra para a Fraternidade São José. “É o lugar da ternura de Deus, Ele respondeu às minhas necessidades com esses rostos. Minha ferida era grande, mas a resposta de Deus foi ainda maior”. Foi por isso que, em 2008, quando a doença foi confirmada, isso não a aterrorizou. No dia do seu aniversário, diante dos filhos, dos netos e de 58 velinhas, disse: “Peçamos o milagre da cura, mas deixemos nas mãos de Deus, Ele nunca nos enganou”.
Audiolivros. A doença avança rapidamente: dos primeiros sintomas à cadeira de rodas passa-se apenas um ano. Em 2011, recebe uma sonda de alimentação. Em 2012, faz a traqueostomia e é ligada a um respirador. Por causa de alguns remédios, seu dia começa tarde, por volta das 10h. “A enfermeira se dedica à minha higiene por mais de uma hora. Depois, enquanto como, assisto a um noticiário na TV e cochilo um pouco antes da chegada da fisioterapeuta. Às 16h30 começam as visitas de amigos e parentes”. A agenda noturna também é densa: “A quarta-feira é reservada para a Escola de Comunidade”. Nas outras noites, alguns amigos músicos, atores e corais inteiros alternam-se para fazer os ensaios de seus espetáculos na casa dela. Às vezes, vêm apenas para cantar para ela suas músicas preferidas. “Porém, quando o Milan joga, não estou para ninguém. Quando não tenho compromissos, assisto algum episódio de seriados como Arquivo X com meu filho Stefano, que ainda mora comigo”.
A madrugada é o pior momento. Quando não consegue dormir, escuta audiolivros. No ano passado, em poucas semanas, devorou 60 horas de Os Miseráveis, e agora está ouvindo Pequenas Mulheres Vampiras. Normalmente, porém, a escuridão é mais forte. “Às vezes sinto frio ou desconforto. Fico deprimida por causa da minha situação e parece que não vou mais aguentar”. Às vezes, vai além: “Peço a Deus que me leve”. Depois, a manhã chega e outro dia começa. “Olho para o céu da minha janela e me impressiono por continuar viva. E penso: Então, Tu ainda queres aqui?”. É o início de uma paz. Por isso, sempre pede o perfume Chanel e um de seus lenços de seda para quem a veste. “Você se lembra daquele filme maluco, Como se fosse a primeira vez?”. É sobre um marido que todas as manhãs precisa lembrar para sua mulher, que sofre de amnésia, por que se apaixonou por ele. “Jesus faz assim comigo, me dá presentes para me reconquistar todos os dias”.
Mais perto de Jesus. Este seu renascimento contínuo é o que encanta todos os que estão perto dela. Começando pelas cuidadoras. Neste ano, foram várias. Maritza, peruana, assistia a esse vai-e-vem de pessoas e, um dia, lhe disse: “Senhora Giovanna, quando alguém vem visitá-la é como se tivesse ido à igreja: entra triste e sai contente! Como isso é possível?”. Ou Idania, do Equador, que depois de trabalhar alguns meses naquele quarto, voltou para casa e perguntou a seu companheiro: “Quem é Jesus para você? Eu nunca me perguntei isso, mas naquela casa, é tudo”. E Rosa, sul-americana, católica, que via Giovanna tomar a Comunhão mesmo não podendo mais engolir: “Giovanna sabia que eu tinha recebido apenas o Batismo e, então, um dia, me perguntou: “Você não deseja estar mais perto de Jesus?”. No dia seguinte, procurei o padre para pedir para me preparar para receber os outros sacramentos. Convidei-a para ser minha madrinha de Crisma”.
Também com os voluntários da tarde acontece sempre algo que não se pode definir como “beneficência”. “De vez em quando brincamos com a Giò dizendo que é ela que faz caritativa conosco! Chegamos todos exaustos, dominados por nossos problemas. Às vezes começamos a reclamar. Então, ela nos pede para lermos alguma coisa juntos e voltamos a ver as coisas como são realmente”, conta Orietta, que já era amiga de Giovanna antes da doença. Raffaella, ao contrário, pediu para ser incluída nos turnos de visita mesmo sem conhecê-la. É médica e, certa vez, teve um problema com um paciente. Quando chegou à casa de Giovanna, desabafou com ela: “Quando me pediu para pegar a prancheta, eu achei que ela me daria algumas indicações e conselhos. Porém, apenas me disse: “Tire minhas meias, por favor”. Porque ela nos educa assim, pedindo uma gratuidade que, depois, tende a investir tudo”. Daniela é sua cabeleireira. Continuou indo arrumar seu cabelo mesmo depois que Giovanna não conseguia mais ir trabalhar. “A primeira vez que fui à sua casa fiquei desesperada, porque ela começou a chorar muito. Mas deve ter percebido que fiquei perturbada porque quando voltei apenas sorriu para mim e também pediu um espelho para poder me dizer que eu tinha feito um bom trabalho. Pedi aos filhos que não chamassem mais ninguém para arrumar seus cabelos. Porque quando estou com ela todas as minhas preocupações passam”.
Estar com Giovanna nem sempre é fácil. “Ficamos diante de muitas coisas que parecem humilhá-la”, conta Cinzia, a filha mais velha. “Vemos quanto lhe custa aceitar ser lavada por nós, precisar ter os brônquios aspirados a cada meia hora. E também aceitar se comunicar dessa maneira, tendo as palavras bloqueadas na garganta e a face que parece não expressar mais nada”.
Quando os filhos, as irmãs ou os amigos não estão, os jovens fazem companhia a Giovanna. Na cabeceira da cama estão amarrados um lenço dos escoteiros e o cachecol que os Cavaleiros do Graal, estudantes do ensino fundamental, usaram para a Audiência com o Papa no ano passado. Quando foram à sua casa levar o cachecol, ela perguntou: “Como se faz para se tornar um Cavaleiro?”. Eles lhe contaram sobre o dia da Promessa, quando decidem, com a ajuda de um Santo protetor, ser fiéis a Jesus, porque é o único que promete satisfazer todos os desejos da vida. “Então eu também quero me tornar um Cavaleiro”, disse imediatamente com suas pupilas. “Posso fazer o sacrifício de continuar vivendo porque tenho certeza dessa promessa”.
Até as crianças da paróquia de Bresso, para se prepararem para a Primeira Comunhão, acompanhadas de padre André vão olhar como Giovanna recebe o Senhor. É um real corpo a corpo. Uma vez, uma delas lhe perguntou: “É possível ter fé, mesmo estando tão doente?”. Giovanna respondeu: “É possível ter ainda mais fé. Se você está doente, também no coração, quer ficar com quem pode curar você”. É a mesma pergunta que lhe fazem os portadores de ELA que a procuram por e-mail: “Como você faz?”, lhe escrevem. Ela responde a todos. Alguns conseguiram encontrá-la. Porque o seu “sim” nasce de algo que é preciso ver. Como aconteceu com sua neta Giulia, de 17 anos. Na escola falaram sobre eutanásia, mas ela não conseguiu dizer uma palavra. Quando voltou para casa, disse para a mãe: “Todos pensavam do mesmo modo...”. Porém, no dia seguinte, publicou uma foto da avó Giò na página do Facebook, e escreveu: “Como vocês podem não chamar isso de vida?”. Parece um paradoxo aos seus olhos de adolescente. Mas a avó, embora sendo completamente dependente, lhe parece livre. “Nós, os netos, estamos orgulhosos porque ela tem estima por si, mesmo estando nesta condição”.
O que a lembra disso, todas as vezes que vai visitá-la, é um pôster da capa de um número de Passos afixado sobre a cama de Giovanna. Foi um presente dos filhos quando ela ficou doente. Na capa está a foto deles e dos amigos. O título é: “Homens Livres”. Não é um slogan. Neste quarto há algo que derruba os muros e a medida do mundo. Como diz Giovanna: “A última palavra da história da nossa vida não é fim, mas bem”.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón