UM ACONTECIMENTO PRESENTE
O italiano Fabiano Antoniani, mais conhecido como DJ Fabo, faleceu no dia 27 de fevereiro, aos 39 anos, após decidir pela eutanásia em um procedimento na Suíça. Ele ficou tetraplégico e cego em 2014 após sofrer um grave acidente de trânsito.
Caríssimo Julián, o drama do DJ Fabo me provocou muito, antes de mais nada porque me obrigou a me perguntar novamente o que me permite olhar para toda a realidade sem censurar nada e sem virar as costas cada vez que as circunstâncias não correspondem ao meu projeto. Fiquei pensando que gostaria de dizer isso à mãe de Fabo, então, lhe escrevi uma carta falando simplesmente de mim, de como seguir o Movimento foi o que permitiu, nestes anos, olhar para minha filha deficiente e toda a realidade como um dom e que as pessoas que Jesus colocou ao meu lado foram a possibilidade de reconhecer seu abraço misericordioso. E este abraço muda a vida. Assim, decidi ir ao gesto de oração organizado para ele por dois motivos: o primeiro, porque desejava muito encontrar a mãe e entregar-lhe a carta e, segundo, porque estava curiosa para ver como Jesus responderia também em uma circunstância tão trágica. Quando cheguei à igreja, a paróquia de Santo Ildefonso, em Milão, tive vontade de voltar para casa, porque na entrada havia só câmeras de TV e uma grande confusão. Mas, depois, entrei, pensando que faria pelo menos uma oração. Durante a celebração, assisti a um verdadeiro milagre: o milagre da vitória de Cristo sobre a morte. A igreja estava lotada de pessoas em silêncio, e era evidente que estavam ali com um pedido. A mãe pediu ao padre que lesse o Evangelho dos discípulos de Emaús e ele comentou dizendo que devemos deixar que Jesus seja nosso companheiro de caminho hoje, como aconteceu dois mil anos atrás. Precisamos apenas deixá-lo entrar na nossa vida e deixar-nos surpreender por Ele. O que aconteceu na sexta-feira à noite diante de centenas de pessoas presentes foi o milagre de Jesus que transfigura a realidade, que pode transformar um drama em uma esperança antes impensável. Isso é para todos, inclusive para o amigo que o acompanhou à Suíça e que estava ali, na primeira fila, silencioso e com os olhos escancarados olhando para o altar, onde estava escrito: “Jesus lhes fará livres”. Enquanto olhava para ele, pensava que posso apenas rezar para que possa reconhecer aquilo que eu tive a graça de ver: Cristo, que reacontece e que se faz companheiro de estrada, é a única esperança. No final, entreguei a carta à mãe e percebi que tinha entrado na igreja com a ideia, embora boa, de encontrá-la, mas o que aconteceu ali foi que eu, em primeiro lugar, fiquei comovida pelo acontecimento de Cristo presente. E reconhecer isto é a única possibilidade, para mim e para o mundo, de estar diante de tudo com gratidão, senão resta apenas uma posição ideológica de algo que está diante de nós, mas isso não nos muda e não traz letícia.
Anna
A SURPRESA DE UM POVO
Caríssimos, gostaríamos de contar o que está acontecendo no país que nos acolheu e onde está crescendo a nossa pequena “esfarrapada” comunidade. A Guiana Francesa, um pedacinho da Europa na América do Sul, está fechada já faz três semanas: escolas, escritórios, lojas, centro espacial... tudo fechado. Diversos grupos se uniram para protestar contra o Governo francês denunciando o estado de degradação e de subdesenvolvimento do país. Começaram construindo a primeira barreira no caminho que leva ao Centro Espacial Europeu e depois construíram muitas outras, bloqueando, de fato, todas as entradas para as cidades: o aeroporto, o porto e as periferias. Suas reivindicações são legítimas: pedem mais segurança, um hospital público em Kourou (sede da prestigiosa e mais importante base espacial civil do mundo), fundos para o crescimento econômico de um país que passa por graves dificuldades... Todavia, esta situação de bloqueio criou diversos problemas: tornou-se necessário fazer o reabastecimento de comida, água e combustível. As prateleiras das lojas e as bombas de gasolina começaram a se esvaziar. Se o bloqueio não parar, será muito difícil. Tudo isso, no início, nos irritou, porque não podíamos ir ao trabalho e as escolas estavam fechadas e nos sentíamos enjaulados. Depois, começamos a sentir o desejo de entender melhor o que movia esse povo. Começamos a convidar nossos amigos guianeses para jantar e a sair com eles tentando entender o protesto. Percebemos que tínhamos um preconceito em relação ao povo guianês: pensamos que fosse quase impossível organizar uma passeata pacífica como a que fizeram em Caiena e Kourou. Porém, nos impressionaram pela sua determinação e unidade (e é preciso levar em consideração que o povo guianês é o conjunto de várias etnias: crioulos, brasileiros, haitianos, saramaccanos, ameríndios). Nas barreiras, parece sempre haver uma festa com cantos, danças e almoços comunitários. Para não falar dos episódios de solidariedade: comerciantes levam comida e água aos manifestantes, professores organizam cursos... Estamos assistindo à mobilização de um povo. Em particular, ficamos impressionados com a consciência que têm de sua necessidade: sabem que nenhuma revolução é possível, a não ser acompanhada do Senhor, tanto que quase todos os dias rezam juntos e muitas vezes foram celebradas missas nas barreiras e em outros lugares. Até o Bispo ficou do lado do povo guianês e convidou a todos para rezar e refletir sobre o papel que cada um de nós pode ter na mudança da Guiana, observando como “o Senhor não deixa de estar presente em tudo o que acontece. Imploremos juntos a Ele para que todos se convertam ao Evangelho do fundo de seus corações a fim de construir uma Guiana unida onde as crianças possam crescer sem medos”.
Giovanni, Lucia, Carlo, Ilaria, Gaby, Kourou (Guiana Francesa)
“ELE ME FALA ATRAVÉS DA REALIDADE”
É um período de trabalho muito intenso porque, além das responsabilidades clínicas, científicas e educativas
como professora na Pediatria, dirijo o programa de Comfort Care para os recém-nascidos em estado terminal. São muitas as famílias que pedem ajuda, mas também estudantes, enfermeiros e estagiários que pedem para aprender um método. O empenho é tão grande que às vezes surge a dúvida se não estou forçando a realidade para realizar “um projeto pessoal”. Rezo pedindo ao Senhor para entender o que Ele quer de mim através deste programa. Devo continuar ou não? E, se continuar, como fazer para responder a todas as solicitações?As horas do dia nunca são suficientes. A Sua resposta não tardou. Há algumas semanas fui “perseguida” por uma jornalista que queria fazer uma entrevista comigo. Como estou muito ocupada, fiz de tudo para evitá-la, mas neste meio tempo ela conseguiu juntar algumas frases que eu disse e publicou como reportagem no Wall Street Journal, um dos jornais mais importantes dos EUA. Apesar da minha pouca colaboração, essa foi a melhor propaganda possível para o programa. Como consequência recebi muitas mensagens de apoio e também fui contatada por um empresário. Ele me conta que um ano atrás perdeu sua filha pouco antes do nascimento. Depois que leu o artigo, decidiu fazer uma doação ao programa, de modo a contratarmos um gerente, e assim a minha carga de trabalho vai diminuir. Um sinal claríssimo, exemplo
evidente de uma coisa: Ele me fala através da realidade, dos fatos que acontecem, das pessoas que encontro.
Elvira, Nova York (EUA)
O BEM DEVOLVIDO
Caro padre Carrón, na semana passada um casal da minha paróquia, que conheço bastante bem, pediu para falar comigo. Sem fazer preâmbulos, a mulher me disse que há tempos estavam pensando e que agora tinham decidido: gostariam de fazer uma doação à Fraternidade de Comunhão e Libertação. Cerca de vinte anos atrás, viveram uma situação muito dolorosa com a doença e, depois, a morte do filho. Por causa da nossa amizade, pediram à nossa comunidade que rezássemos com eles e esta partilha nos fez perceber uma dificuldade econômica ligada sobretudo às viagens para o exterior para o tratamento do filho. Assim, pensamos em uma pequena ajuda econômica que permitisse a eles enfrentar com um pouco de serenidade esse aspecto e outros ligados à concretude da vida familiar. Agora, ambos aposentados, queriam devolver tudo o que receberam. Fiquei comovida pelo afeto que mantiveram para conosco no tempo. Ainda mais porque, pelo modo como viveram a perda do filho e estes anos, foram testemunhas: certos da presença de Jesus e de Maria e, por isso, contentes também na prova e cheios de vida. Senti-me grata a Jesus pelo que aconteceu porque, embora trilhássemos caminhos diferentes na vida, quando acontece um fato como este, fica claro Quem gera continuamente a nossa vida e, quando reconhecemos isso, torna possível a unidade entre as pessoas.
Carta assinada
UMA NOITE, NO JANTAR DOS COLEGIAIS
Faz pouco tempo que voltei a trabalhar, após ficar afastada por causa de um acidente. Retomando as reuniões com os jovens, notei que a banalidade de ter que tirar cópia dos textos para os encontros, fazer contato com dos colegiais para saber quem vai, e marcar a cada vez o local, requer tempo. Se fosse gastar esse tempo apenas fazendo coisas, não valeria a pena. Mas percebi que com essa disponibilidade o Senhor está me dando o privilégio de compartilhar um pedaço da vida deles. Estão ali porque viram algo, que não sou eu que sou capaz de levar com meu empenho, mas que do mesmo modo arrasta tudo de mim. Começou a participar dos nossos jantares de segunda-feira um rapaz irlandês, e ele sempre faz muitas perguntas. Certa noite, num jantar, ao perceber que a família que nos acolhia era italiana, perguntou se ele era “o único irlandês do grupo”. Fiquei marcada pelo seu senso de pertença. Não estava preocupado em estar de acordo conosco. Tanto que, conhecendo-nos há apenas dois meses, decidiu participar do Tríduo pascoal na Itália. Entendi que este olhar que ele reconheceu sobre si, é mesmo a Graça de Cristo.
Rita, Dublin (Irlanda)
A BELEZA NOS PÉS DO SOFÁ
Passaram-se 31 anos, e no entanto, ainda me lembro bem da primeira aula de religião que tive com padre Giorgio, no primeiro ano do Ensino Médio, no Colégio Sacro Cuore. A partir daquele momento tudo mudou: Cristo se tornou uma presença com a qual me relacionar. Após terminar a faculdade e ter alguma experiência de trabalho, decidi abrir meu escritório de design e arquitetura. Os primeiros anos foram muito difíceis e depois, aos poucos, fui sendo testemunha da graça que concretamente intervém a cada dia na vida e faz acontecer coisas realmente inconcebíveis. No início, o encontro com um empresário de visão que notou algo nos meus desenhos. Hoje, as maiores empresas de design possuem nos seus catálogos produtos que eu desenhei, e ajudei na realização de muitos hotéis e residências em diversas partes do mundo: Dubai, Doha, Mumbai, Miami... Não bastasse isso, tive ainda um encontro com o Presidente dos Estados Unidos, recebi seus comprimentos e iniciei uma colaboração com a sua empresa. Tudo isso com o coração um pouco ferido, que continua a me lembrar que eu não tenho nada de super-herói. Nestes dias eu fixava o rosto das tantas pessoas que visitavam o Salão de Móveis, na Feira de Milão, e pelas ruas da cidade. Eu me perguntava: o que, de fato, move esta multidão? Acredito que apesar de tudo, seja o desejo de encontrar a beleza. Aliás, como dizia Dom Giussani, a Beleza com “B” maiúsculo. Então encontro uma reposta à dúvida de me dedicara fazer um trabalho que às vezes parece efêmero, superficial, ilusório, gastando o tempo para escolher a cor de uma cortina ou para fazer o design dos pés de um sofá. Dostoiévisk escrevia que “a humanidade pode viver sem a ciência, pode viver sem pão, mas somente sem a beleza não poderia mais viver, porque não haveria mais nada a fazer no mundo. Todo o segredo está aqui, toda a história está aqui”. Ou seja, buscar que de cada projeto, de cada desenho, de cada detalhe, possa emergir o mais profundo e autêntico significado da realidade em detrimento da lógica egocêntrica, comercial, de moda e estilística. Como dizia Gaudí, “a beleza é o esplendor da Verdade; como a arte é beleza, sem a Verdade não existe arte”.
Matteo, Milão (Itália)
UM POST NO LINKEDIN
“PAI, SEU TRABALHO É BONITO?”
Trabalho com recursos humanos. Na semana passada, por causa de alguns fatos que aconteceram comigo, ou com amigos, publiquei no Linkedin o post que lhes envio. Em menos de três dias já havia 18.680 visualizações, 179 pessoas o compartilharam, 15 comentários púbicos e outros privados que me diziam, simplesmente, que era assim que gostariam de ser tratados.
Na tarde de ontem recebi uma mensagem via whatsapp. Era minha filha de 7 anos escrevendo do celular da avó: “Oi pai, seu trabalho é bonito? Gostaria de saber para quando eu for grande. A que horas você volta?”. Cara filha, seu whatsapp me despertou da sonolência do cotidiano. Quando sou feliz no trabalho? Por que escolhi esse tipo de trabalho? A resposta não é, de modo algum, óbvia e é diferente para cada um. A minha, é esta: para fazer as pessoas ficarem bem no lugar em que passam a maior parte do dia, para dar a elas a oportunidade de aprender coisas novas, de crescer, de colocar à disposição da empresa seus talentos. Para aumentar os negócios da empresa através da operosidade delas: é cada vez mais evidente a equação “trabalhadores felizes = empresa que ganha”. Para dar às mães a possibilidade de conciliar sua vida profissional com a privada: a maternidade também é um valor no trabalho, não um limite (as neurociências também dizem isso). Para fazer meus funcionários crescerem transmitindo a eles competências, amor, paixão e um modo de interpretar o papel dos recursos humanos. Para escutar, levar contribuições, propor ideias organizativas e soluções que, talvez, outras pessoas não vejam. Para proporcionar tempo em família aos colegas, implantando planos de bem estar social/benefícios flexíveis. Para comunicar, às vezes coisas ruins, mas sempre respeitando a pessoa que está diante de mim. Para envolver os colegas em atividades desafiadoras, novas e sempre estimulantes que os torne partícipes e orgulhosos de fazer parte não tanto de uma empresa, mas de um projeto. Para ser cada vez mais homem. Para chegar em casa à noite para jantar com a minha família (isso, para mim, é imprescindível) cansado, mas contente por ter contribuído para criar um pedacinho de mundo mais bonito.
Marco, Monza (Itália)
Credits /
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón