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Passos N.192, Junho 2017

RUBRICAS

Cartas

EXPERIÊNCIA DE UM AMOR INCONDICIONAL
Diante de algumas dificuldades que tivemos no dia a dia, houve uma época em que, quando a nossa filha mais nova nasceu, ficamos impossibilitados de ir à Escola de Comunidade. Não tinha como sair de casa à noite e deixar a minha mulher com as crianças. E me perguntaram: “Você gostaria que fôssemos à sua casa?”. Tudo o que eu tive que dizer foi: “Sim! Eu quero!”. Mas os meninos só dormem depois das nove horas... Então, me falaram: “Não tem problema!”. No meio da semana, essas pessoas chegaram lá em casa, às nove horas da noite. Eu só precisei dizer sim. E assim vem acontecendo em uma série de outras experiências de amizade, de famílias que têm se apresentado para viver a vida junto com a gente. Para viver um monte de coisas difíceis. E dentro desses relacionamentos tem acontecido muitas coisas maravilhosas, onde eu tenho sentido de maneira muito clara e decisiva, a presença de Cristo, dentro dessa companhia. Eu tenho amigos que abraçaram a mim e à minha família, com todas as dificuldades e as misérias que temos. E isso tem feito muito bem para nós. Agora vamos começar uma caminhada nova com o nosso filho, ele tem autismo, porque nos foi oferecido assim: “Quem vai cuidar dele são vocês, os pais”. Então, me veio à cabeça a palavra “protagonismo”; porque até agora a gente ficava a mercê de gente que dizia uma coisa, sugeria outra, e agora vamos experimentar o protagonismo. E eu me sinto muito orientado, eu me sinto muito mais íntimo dessa palavra, de ser o protagonista, pela experiência de amizade que vivo. Que nos levou, à nossa família toda – imaginem – a passar o carnaval fora de casa. E isso foi maravilhoso, não tem como agradecer. É maravilhoso estar vivendo uma experiência de amor incondicional! Outra coisa é que um tempo atrás, o padre Virgílio me pediu para cuidar da música. E como uma série de coisas que ele me pediu, naquela ocasião eu não consegui responder, tamanha a desorganização da vida pessoal. Mas ficou na cabeça. Depois, um dia conversando com um amigo, e também por chegar na missa algumas vezes e ver que não tinha ninguém para ajudar, eu falei: “A gente não pode fazer alguma coisa? Quem sabe a gente não leva um violão e começa por aí...” E assim começou. Comecei a tocar na missa aos domingos, como um desejo de responder àquilo que o Virgílio me pediu 15 anos atrás. E tem sido muito bom, porque no dia que eu não estou com vontade de ir eu vou assim mesmo, porque está combinado e o meu parceiro é bravo. E que bom que ele é bravo, porque é uma experiência de ficar mais próximo da liturgia da missa, de ver as pessoas da comunidade cantando, é uma experiência de beleza. E eu peço a Deus que me sustente, pois todo sim nosso precisa ser sustentado, precisa de uma graça.
Renato, Belo Horizonte (MG)

"EU ESTAVA MORTO E VOLTEI A VIVER"
Em outubro, iniciei a caritativa com as Missionárias da Caridade. No domingo, ajudo a distribuir o jantar aos pobres e há três meses fico para dormir com eles na casa de acolhimento para pessoas sem teto. Quinta-feira passada, as Irmãs me dizem que eu ia compartilhar o quarto com um homem que vinha passar três dias em Dublin; vinha da casa que elas administram em Cork, no sul da Irlanda. No quarto, conversei com ele. Esse homem de 28 anos ficou preso três anos, tem uma filha, e era tóxico-dependente (embora há nove meses esteja "limpo", porque se reabilitou no Centro das Irmãs em Cork). Enquanto ele me contava isso, eu pensava: "Se minha mãe soubesse que passo a noite com um homem como esse, ficaria chocada...!" Todavia, o fato de ouvir a história dele despertou em mim um profundo interesse por ele, não só pela profundidade do seu olhar e a segurança que mostrava, mas sobretudo porque me disse: "Eu estava morto, na rua, abatido, e foi graças a ela (uma das Irmãs) que pude voltar a viver: graças a essa pessoa eu não estou morto". Pode haver uma prova mais clara do que é a Ressurreição? Isso me levou a perceber como a minha vida mudou de tal maneira que agora posso estar com alegria com uma pessoa como ele, ao ponto de fazer-lhe perguntas sobre tudo e pedir o número do seu telefone para poder ir encontrá-lo, se tiver ocasião.
David, Dublin (Irlanda)

A AMIZADE INESPERADA COM AUGUSTO
Fui à missa em uma paróquia que eu não frequentava. Como todas as igrejas, aquela também tinha o seu mendigo na porta, pedindo uma "justa e pacificadora" caridade. O mendigo estava sentado na soleira, com uma cadeira da igreja levada para fora. Ao lado dele, uma pequena imagem impressa. Ele saúda com um tom gentil, mas não meloso. Procura o olhar das pessoas e dirige a todas uma palavra. Parece que conhece aqueles a quem saúda. Estranhamente não estou irritada com a sua mão estendida, como costuma acontecer comigo. Um meu amigo, Alessandro, saindo da igreja vai conversar com ele e o saúda chamando-o pelo nome. Eu não capto nada do que estão falando, a não ser que o mendigo entende italiano. No domingo seguinte, junto com Ale, eu também paro e me apresento: "Muito prazer, sou Mônica!", e ele responde: "Augusto". A partir desse momento, Augusto é uma presença que encontramos todo domingo. Descobrimos que vem de Níger, tem cinco filhos, uma das filhas estuda na universidade, que ele consegue manter com o dinheiro que envia a ela da Itália. Tem uma perna rígida, e por isso manca. Augusto se afeiçoa sobretudo à minha filha mais nova, que ele chama de "a minha bela". Confio às orações dele também a viagem da outra minha filha que parte para estudar em Porto Rico. No outro domingo ele me pergunta se as suas orações foram eficazes e se a viagem correu bem. Lembra-se de mim, da minha família, me pede notícias e toda vez tem uma palavra de agradecimento a mim, que não faço nada a não ser dar-lhe algum dinheiro e pedir-lhe orações. Um domingo, Augusto não está lá. Alessandro me diz que foi hospitalizado. Descubro que durante uma briga não só foi derrubado, mas teve também quebrada a perna que já estava doente. Foi levado para o hospital de uma cidade vizinha. Decido ir visitá-lo, junto com minha filha, "a bela". Tivemos um pouco de dificuldade para achá-lo, mas por fim vimos a ponta da sua cabeça, cabelos crespos, debaixo de um lençol branco. Parece dormir, mas quando entramos na sua ala ele se alça e nos olha com olhos bem arregalados. Não consegue falar e enquanto eu me desculpo porque, na pressa, não pensei em trazer-lhe nada, vejo seus olhos cheios de lágrimas. Tomo sua mão e pergunto como está. Ele me responde tropeçando mais do que o costumeiro na gramática italiana. Gesticula e se faz entender, mas está emocionado. A certo ponto, seu rosto fica sério e solta uma frase num fôlego só, perfeitamente compreensível: "Obrigado, senhora, porque veio. Agora sei que também aqui há alguém que me espera". Eu seguro suas mãos entre as minhas e percebo que o desejo dele coincide com a certeza que sustenta a minha jornada: saber que Alguém me quer bem e me espera.
Mônica, Veneza (Itália)

COMUNICAR UM BEM DENTRO DA REALIDADE DO TRABALHO
De todas as coisas que fazemos na vida, o trabalho parece ser uma das instâncias mais dramáticas! Em conversas informais com amigos e parentes, percebia uma insatisfação enorme na vida de trabalho. Desde sempre amei meu ofício e, mesmo dentro das circunstâncias mais duras, não estava à deriva do nada. Na vida de trabalho e na vida de não trabalho, tive a graça de ter a companhia amorosa de pessoas, de amigos, de textos, de palestras e sobretudo de testemunhos de como ser uma pessoa livre diante da vida laborial. Trabalho em museu na Universidade Federal de Minas Gerais que possui como acervo o corpo humano real, o Museu de Ciências Morfológicas (MCM) e, por isso, conheço bem a potência que esses espaços têm na resignificação de nossos valores mais fundamentais. Juntamente a isso, aprendi com o saudoso Padre Virgílio Resi a amar mais nossa MPB (Música Popular Brasileira) e a tê-la como um instrumento de beleza e de expressão desses mesmos valores fundamentais. Unir essas duas forças para comunicar um Bem dentro da realidade laborial era um desejo que eu tinha havia tempos. Elegi esse gesto como caritativa pessoal nessa quaresma. Se hoje sei viver o trabalho de uma forma mais livre, ou pelo menos, com menor impacto da redução relativista e/ou reativa, é pelo fato de que Alguém me amou mais do que meu próprio limite! E me conduziu o olhar para um além, para um apesar de! Comunicar um bem a alguém não é uma gestão de estratégia, é uma questão de amor! De reconhecimento de que o Tu é um bem para mim; parafraseando o Meeting 2016. Amor + Museu + MPB pareceu-me uma boa equação: amor, se tenho, pois fui amada assim, posso (devo) dar. Com a mesma gratuidade que veio a mim vai para o outro! Museu, a Capital Mineira tem muitos, escolhi o Museu de Artes e Ofícios (MAO) que possui uma coleção formada por peças originais de ofícios dos séculos XVIII ao XX, um lugar fascinante. E a MPB, uma das nossas maiores riquezas culturais. Disso nasceu a síntese do desejo: Quero fazer o MAO com você! E fiz! Ou melhor, fizemos! Para essa empreitada, convidei uma grande amiga do meu grupo de Fraternidade, a Monique. E pensamos juntas o formato e o percurso, não para ser formal, mas para ser um gesto bem cuidado e atraente. Fiz o convite para amigos e conhecidos e, estes primeiros, chamaram outros... Para a minha surpresa: os amigos dos amigos compareceram mais do que os meus próprios amigos! E que graça! Nada para eles ali era óbvio! No maravilhamento deles, me surpreendi, no agradecimento deles, me comovi. Em todas as falas o reconhecimento de um Amor que acontecia naquele momento! Ali, neles e por eles. Dava-me conta mais uma vez, de como podemos ser potentes se verdadeiramente amarmos uns aos outros. Aquele que se vê, que se sente amado, se rende! Mais uma vez, sou testemunha: do amor, ninguém foge!
Graciela Frucchi, Belo Horizonte (MG)

A BELA ESTRADA ENTRE OS DETENTOS
Em nossa comunidade decidimos organizar um almoço aberto aos amigos do Movimento e às pessoas que encontramos. Entre elas está um grupo de detentos que conhecemos graças à amizade que nasceu com padre Ferruccio, um amigo capelão. Para convidar os detentos, pedi autorização à diretora, que impôs uma condição: que o gesto tivesse um valor educativo e não se reduzisse a um mero momento de convivência. Sugeriu-me ir à penitenciária explicar o que era Comunhão e Libertação, se possível através de um vídeo. Fui com alguns amigos e projetamos um trecho de A bela estrada, o documentário preparado pelos 60 anos de CL. Depois, padre Ferruccio perguntou aos detentos se queriam dizer algo. Um deles falou de sua surpresa diante da experiência dramática contada no vídeo por uma pessoa que tinha decidido se suicidar. Disse-nos que também tinha tentado o suicídio por duas vezes, mas que, em ambos os casos, tinha sido misteriosamente salvo. Então, um colega seu o encheu de perguntas para sublinhar que sua salvação não tinha acontecido por circunstâncias fortuitas, mas que era um claro sinal do amor de Deus. Um jovem albanês afirmou que a fé permite viver melhor também dentro da prisão e que sem esperança não é possível viver. Outro falou da beleza da vida e do grande dom que ela representa e disse que, graças àquele momento de partilha, agora conhecia melhor seus companheiros. São pessoas de diferentes credos, provenientes da Itália, do Senegal, do Marrocos, da Albânia e de outros países. Nós, que estávamos ali com a preocupação de contar o que era o Movimento e a Escola de Comunidade, “vimos acontecer” este gesto, e os detentos nos mostraram e ensinaram a verdadeira natureza desse momento educativo. À noite, telefonei para o amigo capelão. Ele também ficou muito impressionado com o que aconteceu e me disse que “agora precisamos continuar a fazer Escola de Comunidade na prisão”.
Ruggero, Sondrio (Itália)

A COMPANHEIRA DE QUARTO NO HOSPITAL
Caro padre Julián, há uma semana tenho ido encontrar a amiga de uma minha amiga, que está internada no setor de Oncologia. Eu nunca a tinha visto antes, ela não tem parentes nem amigos que possam visitá-la. A senhora logo me acolheu agradecendo pela companhia e eu, que retornava de uma viagem a Londres, onde fiquei hospedada com as Irmãs da Caridade, contei a ela como era viver e trabalhar com as Irmãs, com aquela consciência de Jesus presente em cada gesto. Eu lhe dei de presente uma medalha de Santa Teresa de Calcutá e as notas sobre a Via Crucis de Dom Giussani. No mesmo quarto estava também uma senhora doente em estado terminal. Ontem, voltando a encontrá-la, ela me diz: "Agradeço a você pelo livro. Pude rezar todos os dias pela minha vizinha de cama, e também dei a ela de presente a sua medalha. Ontem ela morreu. O marido veio esta manhã agradecer-me, dizendo que a esposa, nestes últimos meses, andava angustiada e com medo, mas desde que recebeu aquele presente passou finalmente a viver em paz". É Ele que toma a iniciativa para entrar no Destino do outro. Não precisa fazer nada, basta dizer sim.
Mônica

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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