Crônica da jornada dos mais de cinco mil estudantes entre 11 e 14 anos, que chegaram da Itália e do exterior para a audiência com o Papa Francisco, em Roma. Neste diálogo, uma provocação: “O mundo se muda abrindo o coração”
Praça Sant’Uffizio em Roma, 6h45 do dia 2 de junho. A voz de Giovanni ecoa: “Meninos, Juntem-se aqui. Peguem os instrumentos. Daqui a pouco entraremos, para o início de nosso ensaio”. Trinta componentes de orquestra se aproximam do diretor da “Mauro Moruzzi Juniorband”. Chegam de Cremona, após uma noite no ônibus. E o ensaio em questão não é para um concerto “normal”. Na Sala Paulo VI acompanharão os cantos dos mais de cinco mil Cavaleiros como eles (a experiência cristã dos ginasiais, os estudantes do segundo ciclo do ensino fundamental, entre 11 e 14 anos), que chegam de toda a Itália e do exterior para a Audiência com o Papa Francisco.
Não são os únicos que viajaram a noite inteira: os mais distantes, vindos de Palermo, gastaram quatorze horas para chegar à capital. E não são os únicos que chegaram muito cedo. Entra-se às oito. Vera, da secretaria (seis no total), empoleirada numa grade sob o pórtico de Bernini, agita as mãos para o alto para que os meninos mostrem a pulseira de borracha branca com a escrita “Cavaleiros 2017”: é o passe para atravessar os controles da polícia. É o único momento em que os meninos vão mais devagar.
Depois, correm em direção à Sala. No pátio param para pegar os cachecóis amarelos e brancos com os dizeres “Os Cavaleiros encontram o Papa”. Alguns o usam como bandana em volta da cabeça. Um menino baixinho, ofegante pergunta a um guarda suíço: “Mas eu verei o Papa?”. Não espera a resposta e corre. Não se sabe se teme perder o lugar ou os amigos. Quem coxeia mais talvez sejam os adultos que os acompanham.
No palco os músicos afinam os instrumentos. À banda de Cremona se juntaram os meninos de Lecco, Salerno, Puglia, Brescia e Cesena. No total são cinquenta, incluindo os quatro colegas de Giovanni, curiosos para entender o que são esses Cavaleiros acerca dos quais ouvem relatos de seus alunos. É a primeira vez que tocam juntos. Giovanni chama a atenção de todos: “Vamos ensaiar o Hino”. Pe. Marcello Brambilla, o responsável dos Cavaleiros, se aproxima: “Meninos, vocês hoje são um sinal, se pensarem que com vocês está Jesus. Vale para vocês e vale para mim. A tentação é a de sentir-se os melhores porque estão aqui em cima e todos os olham, mas vocês estão fazendo um serviço para os seus amigos. Unidos estamos, se seguimos. E se errarem, o farão na presença de Jesus, que sorri, tenham certeza. Logo, não é um problema”. “Pois é, assim é outra coisa”, suspira um menino.
Enquanto as filas se enchem, no telão ao lado da orquestra passam as imagens da vida dos grupos de Cavaleiros: a oração, as brincadeiras, as tarefas escolares, os passeios. Às 9:30 Pe. Marcello no palco fala ao microfone: “Rezemos o Angelus. Este é o primeiro momento em que Jesus esteve presente na história. Exatamente como acontece agora”. Cinco mil meninos que, até aquele momento, riam, conversavam, empurravam, imediatamente calam. Não é necessário advertir para o silêncio. “Agora, continuamos a perceber a presença de Jesus com as Laudes. Peguem o livrinho. Vamos lhes ensinar o reto tom, que significa manter uma nota só todos juntos. Sincronizamos a voz e o coração”. A explicação talvez não seja clara, ou mais provavelmente a maior parte nunca rezou as Laudes... muito menos em reto tom. A primeira tentativa fracassa. O chefe do coro reza sozinho. Recomeça-se. “Mantenham em mente um verso do salmo. O mesmo os acompanhará o dia inteiro. É o presente de Jesus a cada um de vocês”. A sala se enche da oração.
Já não há mais um minuto vazio, tudo em preparação do encontro com o Papa. Para preparar o coração entoam-se algumas canções: Al mattino, You. Ao cantarem o Blues do jovem rico, ficam todos de pé seguindo os gestos dos sete amigos mais velhos no palco que guiam a coreografia. Depois, no telão começa a primeira parte do vídeo sobre a vida dos Cavaleiros. Catânia, Údine, Palermo, Asunción, Milão… Os meninos contam o que fazem, como encontraram esta companhia tão fascinante. Quando aparece Mustafa que enuncia soletrando: “Eu-não-estou-mais-só” há a ovação de todos os cinco mil. No final, em pé para cantar o Hino, composto por Giovanni no ano passado para a Audiência Geral à qual participaram na Praça de São Pedro.
Recomeça o vídeo. Primeiramente Pe. Marcello explica: “Podem sobrepor o próprio rosto àqueles que veem. Porque a vocês aconteceu a mesma coisa. Encontraram alguém e depois a vida tornou-se bela”. No palco sobem Frank e Uwa, nigerianos. Leem a sua história. Os pais assassinados, a travessia pelo mar com o medo de morrer, o desembarque na Sicília e depois, em Palermo, o encontro com os Cavaleiros mediante uma professora. “Estes amigos são a nossa família. Deus nos salvou. Eu não tenho mais medo”. A vida se tornou bela também para eles. Os meninos escutam silenciosos e depois dispara o aplauso.
Enquanto termina a canção Quando uno ha il cuore buono, improvisamente todos se deslocam para o corredor central. Surgiu o boato de que o Papa está chegando. Alarme falso! Pe. Marcello diz: “Vejam, com Jesus é assim. A gente espera e basta um sinal para mover-se. Porém, não é ainda o momento. Voltem aos seus lugares e vamos assistir a última parte do vídeo”.
Há tempo ainda para outros cantos. São chamados por grupos os Cavaleiros das várias regiões, que levantam em pé cantando When the saints go marchin' in. Por últimos, os estrangeiros: França, Espanha, Portugal e Suíça. Já são 11h30. O cansaço, a tensão distrai. Pe. Marcello adverte: “Não, não vai bem assim. Agora cantemos Ojos de cielo. Procurem sempre quem tem olhos assim, cheios d’Ele”.
UMA COMPANHIA PARA A VIDA. Às 11h50 a gritaria. Nenhum alarme falso. O Papa Francisco chegou. Começa o Hino, repetido mais vezes e todos gritam o seu nome. Levantam-se os cachecóis. Os mais distantes sobem nas cadeiras. Ao longo do corredor as mãos se alongam para tocá-lo, ao menos de leve. Parece o reviver da cena do Evangelho, da multidão de pessoas que queriam ao menos tocar no manto de Jesus. As vozes se acalmam quando Pe. Marcello saúda o Papa: “Santo Padre, estamos felicíssimos de poder encontrá-lo, vê-lo e escutá-lo. Na sua frente estão meninos do segundo ciclo do ensino fundamental, junto com os adultos que os acompanham em um caminho cujo objetivo é simplesmente reconhecer que a vida é bela porque Jesus nos quer bem. Estamos aqui porque a Sua Pessoa nos mostra continuamente a letícia que experimenta quem segue Cristo. Nós queremos seguir o senhor, estamos ansiosos por ver o senhor responder às perguntas que três meninos lhe dirigirão”.
A primeira que chega ao microfone é Marta, aluna do último ano. Em breve haverá o salto para o ensino médio. “Por que devo mudar tudo? Por que me causa tanto medo crescer?”.
“A vida é continuamente um ‘Bom dia’ e ‘Até mais’”, começa o Papa. “Aquilo que você está dizendo, é um desafio, é o desafio da vida”. Acerca do medo Francisco dialoga com a Marta. “Devemos aprender a olhar a vida olhando horizontes. E essa é a escolha que você deve fazer. Sempre para frente. E isto é encontrar pessoas novas, encontrar novas situações”. O medo cede o lugar ao desafio.
Giulia quer saber “o que podemos fazer, nós jovens, para mudar o mundo que nos rodeia?”. Francisco chama todos os meninos para responder. Partindo da vida deles faz o exemplo do amigo antipático. Abre e fecha a palma da mão para dizer como alguém pode estar diante da realidade: aberto ou fechado. Os meninos o acompanham levantando os braços e abrindo por sua vez as mãos. «O mundo se muda abrindo o coração, escutando os outros, acolhendo os outros. Mudar o mundo com as pequenas coisas de cada dia. E o que Jesus nos ensinou? Rezem por todos». E lança a proposta: «Em grupo, por uns 30 minutos, falem sobre isso. Se me fizerem isto, o que devo fazer?».
A última pergunta é a mais dramática, atinge diretamente o coração de cada um. Grande e pequeno. Tanio, búlgaro, depois de cinco anos de orfanato é adotado por uma família italiana. Depois de um ano, morre a mãe. Depois, também os avós. “Os Cavaleiros são um dom porque estão perto de mim. Porém, como se faz para acreditar que o Senhor te ama, quando ele faz você perder pessoas, ou faz acontecer coisas que você nunca gostaria que acontecessem?”.
Até o Papa não pode explicar o sofrimento. “Somente olho o Crucifixo. Se Deus permitiu que o Seu Filho sofresse assim por nós, alguma coisa ali deve ter um sentido”. Por trás do sofrimento tem sempre o amor de Deus. “Farão você sentir o amor de Deus somente aqueles que o sustentam, que o acompanham e o ajudam a crescer. A Nossa Senhora podemos recorrer, confiando a Ela toda a nossa dor. Ela entende, como todas as mães”.
Em pé, todos rezam a oração de consagração dos Cavaleiros. Depois da bênção, o Papa se dirige ainda diretamente aos meninos. Pergunta como deve ser um coração generoso para ir em frente. Quer a resposta com um gesto. O que fizeram antes. Cinco mil palmas bem abertas se levantam para o alto. Não basta ainda. Francisco pergunta se tudo se pode explicar na vida. O coro diz “não”; para ele não é bastante forte. Repete a pergunta. Desta vez a sala Paulo VI retumba. Antes de descer as escadas, se aproxima dos meninos da banda. Estes lhe presenteiam sua camisa. “Gostaria de ouvi-los mais”, diz. Correndo, pegam nos instrumentos para tocar I cieli. E enquanto vai embora, Francisco levanta o polegar. Não se esquece de ninguém.
Depois, abraça um a um os Cavaleiros com deficiência sentados na primeira fila, enquanto os braços dos meninos na segunda fileira se alongam para tocá-lo. É a vez de abraçar os meninos que fizeram as perguntas. Para cada um uma frase, quase fixando o que disseram. A Marta: “Lembre-se de crescer”; a Giulia: “É possível mudar o mundo”; a Tanio: “Não tenha raiva de Jesus” e o benze na testa.
Para encerrar a Audiência, o Papa saúda Pe. Marcello, Pe. Julián Carrón (Presidente da Fraternidade de CL), Glória, Lúcio e Franca, os primeiros que deram vida junto com Pe. Giorgio Pontiggia a esta aventura, nascida no âmbito do Movimento Comunhão e Libertação para oferecer um caminho aos meninos que encontravam, filhos ou alunos. E Francisco se volta novamente aos meninos: os dois nigerianos do testemunho e 54 Cavaleiros representando os outros cinco mil. Um abraço, um beijo, um olhar, até um selfie, para fixar aquele momento. Quase todos entregam um envelope, uma folha. Dentro estão seus pedidos, suas perguntas, suas vidas.
Às 13 horas os portões da sala Paulo VI são fechados. Os meninos fazem um lanche ali na Praça São Pedro, debaixo das colunas de Bernini. À tarde alguns grupos voltam para casa, outros, ao contrário, permanecem mais um dia em Roma para realizarem a Promessa. Durante e missa são chamados por nome e respondem: “Eis-me aqui”, afirmando o desejo de seguir Jesus. No trem para Milão, Mattia, estudante do penúltimo ano, diz aos colegas de viagem: “Hoje no palco estavam três pessoas: Pe. Marcello, o Papa e Jesus”. O cristianismo é uma coisa simples, uma companhia de amigos.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón