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Passos N.194, Agosto 2017

DESTAQUE

“Se você não acha que Francisco seja a cura, você não entendeu qual é a doença”

por John Allen Jr. e Ines San Martin

Trechos da entrevista do vaticanista dos EUA, John Allen, com Pe. Julián Carrón para a Revista Crux, por ocasião do lançamento da tradução em inglês de A beleza desarmada

Ainda que muitos católicos, especialmente os mais conservadores, achem muitas vezes o Papa Francisco um pouco provocador para o sistema, o responsável do influente movimento eclesial de Comunhão e Libertação afirma que, se você não acha que o Papa seja a cura, então você não entendeu a natureza da doença que estamos enfrentando num mundo secularizado e pós-moderno.
Provavelmente melhor do que muitos outros, Pe. Julián Carrón, sucessor do carismático sacerdote italiano Luigi Giussani na condução de Comunhão e Libertação, cuja base natural está entre os católicos mais conservadores, entende que o Papa Francisco pode ser um choque para o sistema. Ainda assim é um firme defensor de Francisco. “Às vezes podemos não entender certos gestos do Papa, porque não entendemos totalmente as implicações do que ele define como uma mudança de época”, disse Carrón.
A seguir, propomos amplos trechos da entrevista realizada pelos jornalistas da Revista Crux com o Presidente da Fraternidade de CL por ocasião do lançamento de seu livro “A beleza desarmada” em língua inglesa.

O título A beleza desarmada é uma resposta explícita ao terrorismo e à violência de matriz religiosa?
É uma resposta explícita a uma forma diferente de ver a fé, a partir daquilo que a torna única. São Paulo uma vez definiu o que Deus realizou ao fazer-se homem como um “despojar-se” de sua divindade, de seu poder divino. Jesus apareceu na história despojado de qualquer forma de poder, unicamente com o esplendor de sua verdade que emanava da sua pessoa, da sua forma de agir, de olhar, de entrar em relação com os outros, sua misericórdia, sua capacidade de abraçar as pessoas e compartilhar sua vida, de compartilhar as feridas dos outros. Toda a força do seu amor por nós passou pela sua “humanidade desarmada”.

Um dos ensaios do livro foi escrito logo após o ataque ao Charlie Hebdo em Paris; nele o senhor afirma que o desafio é criar um espaço para “um encontro real entre propostas de significado, ainda que diferentes e múltiplas”. A que se refere?
Muitas pessoas estão à procura de um significado para sua vida, de uma razão para ir trabalhar, para criar uma família, para enfrentar a realidade, e muitas vezes não a encontram e tentam fugir de várias maneiras. A questão fundamental é esta: num momento em que o valor absoluto para nós, modernos, é a liberdade, a única possibilidade de não voltarmos a cair na força para limitar a liberdade dos outros é que exista um espaço onde as pessoas possam encontrar-se livremente, para compartilhar o significado da vida, daquilo que cada um acha que significa viver plenamente. Se isto não acontece, então o vazio que permanece acaba por gerar conflitos. As pessoas não podem viver sem um significado, e se o vazio permanecer acabaremos por gerar pessoas que, mais cedo ou mais tarde, sofrerão a tentação da violência... em casa, no trabalho, e de algum modo acabarão no terrorismo. O problema é como responder à falta de significado que muitas vezes vemos na sociedade hoje. Só podemos sair disso numa sociedade livre, num espaço livre, no qual as pessoas possam encontrar-se e confrontar-se a respeito das formas com que cada um escolhe viver, e sobre como é possível fazer escolhas diferentes.

O senhor diz que estamos experimentando uma “profunda crise do humano”. Acredita que o Papa Francisco tenha também a mesma percepção, e como lhe parece que ele está tentando responder a isso?
Ele tem plena consciência de que a primeira questão diz respeito à natureza da crise, porque ela é muitas vezes reduzida simplesmente a uma crise econômica, ou a um problema de valores, enquanto é muito mais profunda. Diz respeito ao que nos torna homens, como a passividade que vemos em muitos jovens, que parecem não ter motivações nem sequer para sair de casa…

É o que Giussani chamava de “o efeito Chernobyl”, não é? É como se uma espécie de radiação tivesse esvaziado as pessoas de significado.
Exato, este esvaziamento da humanidade que deixa as pessoas incapazes de sentir um verdadeiro interesse por alguma coisa. É um problema que tem sua raiz na indiferença, na apatia. Muitas vezes, tentamos responder a isso com regras, com procedimentos, para tentar ao menos limitar a violência que muitas vezes nasce desta indiferença. Mas tudo isto responde às consequências, não vai à raiz do problema. Enquanto não respondermos às necessidades reais das pessoas, revelando a sua capacidade de encontrar um significado que torne a vida vivível, não responderemos inevitavelmente à real natureza da crise, cujas raízes estão nesta redução do que significa ser homem. E este é o motivo por que estou otimista, porque estou convencido de que o cristianismo pode oferecer sua maior contribuição precisamente nesta situação. Cristo começou tudo encontrando pessoas que, olhando para ele, se surpreenderam dizendo: “Nunca vimos coisa igual”, e o seguiram. Não havia alternativa à sua presença, e aquele encontro deu início à maior revolução da história. A única questão é se somos conscientes da incrível graça que recebemos como cristãos.

Na sua opinião, como o Papa Francisco leva adiante esta ideia da fé como uma experiência que se enraíza num encontro?
Ele é capaz de apresentá-la da forma mais simples, através dos gestos que faz, da sua atenção às pessoas, da forma como fala com todos. (...) É difícil ajudar as pessoas a compreender todas as dimensões de fenômenos como a imigração, por exemplo, mas quando ele foi a Lampedusa tornou tudo visível num instante, era impossível não entender o que estava dizendo. Ele nos fez sentir o desejo de entender de onde vinha tudo isto. O mesmo acontece quando se aproxima de alguém que tem problemas no trabalho, ou que precisa de perdão. É como Jesus, que se deparava com todas as feridas do seu tempo e respondia a essas feridas.

E, no entanto, parece que alguns não entendem o Papa, ou talvez não concordem com ele. Citou Lampedusa... o Presidente da Câmara, que era famoso em todo o mundo por sua ação de acolhimento aos refugiados, acabou de ser derrotado nas eleições, ficando em terceiro.
As mudanças que estamos atravessando são tão radicais, tão sem precedentes, que entendo por que tantas pessoas não compreendem ainda o que está acontecendo, ou os gestos do Papa Francisco. Mas, se não compreendermos estes gestos agora, vamos compreendê-los no dia em que virmos as consequências que estão produzindo. Se começarmos a levar a sério o problema da imigração, o problema da pobreza, as dificuldades de tantas pessoas feridas, sozinhas, necessitadas de misericórdia, isso conduzirá a um determinado clima social e então veremos as consequências de uma forma que nem sequer imaginamos. Por exemplo, quando o Papa usa o termo “muros”, está se referindo a situações que teriam sido inimagináveis apenas dez ou quinze anos atrás. Quero dizer, um muro no coração da Europa mais de vinte anos depois da queda do muro de Berlim? Nossa capacidade de entender [o Papa] depende da nossa capacidade de compreender a natureza do desafio que temos à frente. Às vezes não entendemos certos gestos do Papa porque não entendemos a fundo as implicações do que ele define como uma “mudança de época”. É como pensar num tumor como um simples caso de gripe, e assim a ideia de tratá-lo com quimioterapia poderia parecer drástica demais. Mas, uma vez que tivermos entendido a natureza da doença, percebemos que não vamos conseguir vencê-la com aspirina.

O senhor não gosta dos rótulos políticos, mas sabe bem que Comunhão e Libertação goza de uma grande reputação na Igreja, especialmente entre os católicos mais “conservadores”. Alguns destes estão hoje preocupados em relação ao Papa Francisco, acham que ele está, de alguma maneira, “reduzindo” as coisas, deixando de lado ou minimizando a doutrina tradicional. O que diria a eles para tranquilizá-los?
A primeira coisa que eu diria é que devemos começar pelo reconhecimento da natureza real do desafio que temos pela frente. Não podemos compreender plenamente a ação do Papa Francisco se não compreendermos a natureza do que está acontecendo, desta “mudança de época”. Se o nosso diagnóstico não levar isto em conta, não poderemos entender a importância de certos gestos deste Papa. Se, pelo contrário, começarmos a entender a profundidade da crise, alargaremos os nossos horizontes e começaremos a ver certos gestos como uma resposta profética a esta nova situação. (...) O que é necessário para mudar uma sociedade como aquela em que vivemos? O método usado por Jesus com Zaqueu. [Com o Papa Francisco] temos de nos lembrar do modo com que muitas pessoas de bem, sinceramente religiosas, reagiram a Jesus. Para elas, a forma como Jesus agia era uma espécie de escândalo, no sentido mais forte do termo, um obstáculo para crer.

Está dizendo que os fiéis católicos que criticam o Papa Francisco, por exemplo em relação à Amoris Laetitia, não entenderam o que está em jogo na cultura de hoje?
Acho que sim. Acredito que o que falta hoje é uma compreensão profunda do desafio que temos de enfrentar no plano humano. Às vezes os críticos queriam que o Papa repetisse certas frases, certos conceitos, mas eles são vazios para muitas pessoas, e o são há muito tempo. Ou querem ter regras para seguir, como se isso pudesse curar as pessoas, ou pudesse levar alguém a “verificar” a fé na própria experiência. O mesmo problema que temos todos, inclusive nós, que muitas vezes não somos capazes de transmitir a confiança no futuro aos nossos colegas de trabalho, aos nossos amigos. Só se formos corajosos para reconhecer a situação, sem sentirmos sempre a necessidade de nos defender, é que talvez aprendamos alguma coisa.

É óbvio que o que preocupa algumas pessoas é o fato de que Jesus, quando foi ao encontro de Zaqueu, tinha o objetivo de fazer com que ele mudasse o seu coração. Hoje, para alguns, parece que o Papa, e com ele certos padres e bispos, se empenham num “encontro” sem a mesma expectativa de que seja para uma conversão dos erros.
A conversão não depende do gesto, depende de nós. Quando vamos ao encontro de um ladrão, levamos a nós mesmos a esse encontro. Jesus não teve problemas em ir à casa de Zaqueu, sem precisar explicar-lhe toda a sua teologia ou as regras morais. Foi porque a verdade se encarnava na sua pessoa. O problema que se põe é: que pessoa encontra quem nos encontra? Se o que encontram em nós é simplesmente um manual de coisas para fazer, já as conhecem e não são capazes de pô-las em prática. Mas, se se encontrarem diante de uma pessoa que lhes oferece amor, começarão a desejar ir atrás daquela pessoa e ser como ela, que foi o que aconteceu com Jesus.

Concretamente, muitíssimas pessoas, inspirando-se no Papa Francisco, afirmam hoje que a Igreja deve acompanhar o mundo LGBT, por exemplo, ou os fiéis divorciados recasados civilmente, e nós o fazemos regularmente. Mas o que os críticos dizem é: tudo isto não deveria evoluir até o ponto de dizer que a conduta deles deve mudar?
Vou responder com um exemplo. Achamos muitas vezes que a alternativa é não dizer nada ou ser ambíguo. Eu conheci um grupo de casais, famílias, que reunia entre 18 e 20 famílias; nenhum desses casais era casado, por diversas razões, às vezes até compreensíveis. Algumas famílias pertencentes a Comunhão e Libertação começaram a passar um tempo com eles, sem lhes dizer nada a respeito da sua situação “irregular”. Com o passar do tempo, todos se casaram! Encontraram-se na frente de pessoas que viviam a vida de família de uma forma que não podia deixá-los indiferentes. No fim, casaram-se todos, não porque alguém lhes explicou as regras ou a doutrina cristã sobre o casamento, mas porque não queriam perder aquilo que viam na casa daquelas outras famílias. No cristianismo, a verdade se fez carne. A única maneira que temos para compreender a fundo esta verdade feita carne é encontrando e olhando para uma testemunha. (...) É inútil perguntar aos outros se eles são tudo o que deveriam ser. A verdadeira questão é: nós somos testemunhas convictas da fé? Ainda acreditamos na beleza desarmada da fé? Uma pessoa apaixonada sabe o que fazer, e uma pessoa apaixona-se encontrando alguém. Isto é o que faz da experiência de Jesus uma “revolução copernicana” para a humanidade.

Recentemente, Rod Dreher defendeu que nós, cristãos, deveríamos abandonar as guerras culturais no Ocidente porque já as perdemos, e o máximo que podemos esperar é a “opção beneditina”, ou seja, a conservação de pequenas ilhas de fé num contexto de uma cultura hostil e decadente. O senhor parece defender que deveríamos deixar para trás as guerras culturais, sem renunciar àquelas posições, mas por um motivo diferente.
Sim, com certeza. Sempre me impressionou a contraposição entre tentar transformar o cristianismo numa religião civil e tentar transformá-lo em algo exclusivo do foro privado. Para mim, é como tentar corrigir o desígnio de Deus. Pergunto-me, quem jamais apostaria que Deus começaria a comunicar-Se ao mundo com o chamado de Abraão? Era a forma de proceder mais inverosímil e desconcertante que se poderia imaginar. A escolha não pode reduzir-se a uma opção entre as guerras entre culturas e um cristianismo esvaziado de conteúdo, porque nenhuma destas duas hipóteses tem a ver com Abraão e a história da salvação. Abraão foi escolhido por Deus para começar a introduzir na história uma nova forma de viver, que com o tempo pudesse gerar uma realidade visível em condições de tornar a vida digna, plena. (...) Quando Ele enviou seu filho ao mundo, despojado de seu poder divino para se fazer homem, fez a mesma coisa. Como disse São Paulo, ele veio para nos dar a capacidade de viver a vida de um modo novo. É isto o que gera uma cultura. A pergunta para nós é se a situação em que estamos hoje nos oferece a oportunidade de reencontrar a origem do desígnio de Deus.

O senhor parece bastante otimista sobre o fato de isso ser possível.
Com certeza. Meu otimismo se baseia na natureza da experiência cristã. Não depende da minha capacidade de leitura da realidade, do meu diagnóstico da situação sociológica. O problema é que, para sermos capazes de recomeçar deste ponto de partida absolutamente original, temos de voltar às origens da fé em si, ao que Jesus disse e fez. Se há um motivo de pessimismo, está no fato de que muitas vezes reduzimos o cristianismo ou a uma série de valores, a uma ética, ou simplesmente a um discurso filosófico. Isto não é atraente, não tem o poder de fascinar ninguém. As pessoas não sentem a força de atração do cristianismo. Mas, justamente porque a situação que estamos vivendo hoje é tão dramática, de qualquer ponto de vista, paradoxalmente é mais fácil propor a novidade do cristianismo.

Portanto, a sua estratégia para a evangelização no início do século XXI é viver a fé de uma maneira em que essa “experiência de confirmação” possa verificar-se, e depois, gradualmente, introduzir os outros a esta forma de vida?
Quando um cristão vive a fé com este tipo de alegria, com esta plenitude, é evidente que quando vai para o trabalho, ou quando está com os amigos, ou quando está no aeroporto, os outros vão ver essa novidade nele. Se você chega ao trabalho às 8 da manhã, e no seu local de trabalho encontra um colega que está cantando, que o abraça e divide com você suas fraquezas e dificuldades, você acaba por perguntar: “O que faz você chegar ao trabalho cantando às 8 da manhã?”. Isso comunica o cristianismo muito mais do que muitas outras coisas, mais do que todas as motivações éticas, porque, quando uma pessoa vê uma coisa deste gênero, acaba naturalmente por perguntar: “De onde vem essa alegria? De onde vem essa plenitude de vida?”. Pode não pensar imediatamente que a origem dessa felicidade se chama Jesus Cristo, que se chama fé. Mas, quando começa a perceber que essa maneira surpreendente de viver no mundo real, tão feliz, tão alegre, tem sua raiz na fé, então se torna interessante. O cristianismo, em resumo, se comunica vivendo-o. T. S. Eliot uma vez perguntou: “Onde está a vida que perdemos vivendo?”. Para nós é o contrário; nós ganhamos a vida vivendo na fé. Se não for assim, não seremos interessantes para ninguém, nem mesmo para nós.

O Papa Francisco fala muito de criar uma “cultura do encontro”, e o conceito de encontro também era fundamental para Giussani. Olhando para a Igreja hoje, quais são os exemplos de uma “cultura do encontro” que mais o impressionam?
Sempre fico impressionado com exemplos de criação de espaços para o encontro entre pessoas totalmente diferentes entre si. Por exemplo, aqui em Milão nós [Comunhão e Libertação] mantemos um reforço escolar, um centro, no qual grupos de professores – alguns membros do Movimento, outros não – oferecem seu tempo livre para ajudar jovens que têm problemas na escola. Entre os jovens há italianos, imigrantes, fiéis de várias religiões, na maioria católicos ou muçulmanos e lá se assiste um espaço de encontro. Provêm de situações muito diferentes, e encontram ali um lugar onde a sua humanidade renasce. Uma vez, um rapaz veio com uma barra de ferro na mochila; em circunstâncias diferentes teria sido tratado como um terrorista. Mas estando com aquelas pessoas, libertou-se de toda a sua agressividade, e acabou por se tornar um dos responsáveis daquela iniciativa. Este é o poder do encontro.

Conhece também exemplos fora do Movimento?
Bem, obviamente não conheço o mundo todo, mas posso dar alguns exemplos. Às vezes frequento paróquias de Roma e Milão, e é possível ver como esse espírito de encontro está vivo nelas. Conheço um sacerdote aqui em Milão que tem uma relação com alguns detentos. Tem uma capacidade impressionante de se envolver com eles, de uma forma que os ajuda a reconstruir suas vidas. Depois, há a experiência da APAC no Brasil, aquela rede de prisões sem guardas e sem armas, cuja taxa de reincidência, que nas prisões normais gira em torno dos 80%, cai para 15%. Pode-se achar que é uma ilusão, que na verdade só estão encorajando a criminalidade. Muito pelo contrário, é um exemplo do que acontece quando há um encontro real. Tudo o que vai contra a verdadeira humanidade, cedo ou tarde desaparece. Por exemplo, havia um detento que tinha fugido de um determinado número de prisões, e que por acaso foi parar numa dessas APACs, e nunca mais tentou fugir. Quando lhe perguntaram: “Por que você não tentou fugir?” o detento respondeu: “Porque do amor ninguém foge”. Às vezes o nosso problema é que já não acreditamos em certas coisas. De fato, pensamos que qualquer outra solução, ainda que violenta, é mais eficaz do que o poder do amor.

Um conceito chave de Giussani, que o senhor repete em todo o livro, é que a fé é um “acontecimento”. Pode explicar o que significa isso, e por que é tão importante?
A fé ser um acontecimento significa que a vida de uma pessoa muda quando ela encontra um fato, como aconteceu a João e André quando encontraram Jesus. Não se pode evitar a realidade de um fato que ocorreu, não se pode eliminá-lo. Pensemos em São Paulo, que era um perseguidor dos cristãos, tentava eliminá-los; o encontro com Cristo vivo revolucionou seu modo de pensar. (...) A forma do “acontecimento” cristão é esse encontro, não de forma virtual ou apenas como uma proposta que qualquer um faz. Não, é um encontro tão forte, que você não quer perdê-lo pelo resto da vida.

Num dado momento, o senhor escreve que o objetivo da comunidade (...) é o de gerar “adultos na fé”. O que quer dizer?
Quero dizer pessoas que fiquem regeneradas pela participação na comunidade cristã, no sentido de que adquiram uma nova capacidade de enfrentar o real, uma nova capacidade de ser livres de uma maneira diferente de antes. E uma nova capacidade de transmitir um sentimento de maravilhamento ao outros. Se o cristianismo não for capaz de gerar um novo tipo de pessoas, então ficará separado das suas vidas. Não há nada de mais decisivo, no momento presente, do que a capacidade de gerar adultos na fé, adultos que vivam com liberdade entre os outros e possam testemunhar a fé, não só quando vão à igreja ou participam de qualquer “outra” atividade diferente da vida cotidiana, mas no concreto do seu trabalho e da sua vida. São necessárias pessoas que possam levar a novidade da fé ao coração do mundo, que suscitem a pergunta: “Onde será que foram buscar essa novidade, esse frescor? O que está por trás?”. A capacidade de responder a esta pergunta vai conduzir naturalmente as pessoas a algo maior e melhor. Este é um testemunho real da fé... (...) Não devemos reduzir as coisas para que elas sejam entendidas. Às vezes achamos que, se uma pessoa não tem fé, devemos reduzir as coisas para que as entenda. Mas o contrário é que é verdade – quanto mais um gesto é gratuito, como perdoar alguém por uma ofensa em vez de lhe responder do mesmo modo, tanto mais surpreenderá radicalmente aquela pessoa. Não é que tenhamos de reduzir, para evitar o escândalo... ninguém nunca se escandalizou por ser perdoado.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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