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Passos N.195, Setembro 2017

RUBRICAS

Cartas

DOAR-SE COM ALEGRIA
Quero contar uma experiência muito diferente que vivi. Sou do grupo de Fraternidade da Mônica, que é educadora e nesse ano ficou responsável pela organização das férias nacionais dos colegiais que seriam em Campos do Jordão. E ela nos disse que topou assumir isso porque estava contando com a ajuda da Fraternidade. Quando a ouvi não tive dúvida em dizer: “Pode contar comigo”. Penso que são esses amigos-irmãos que Deus me deu para me ajudar a caminhar na vida, então planejei minhas férias e da minha família tendo como centro a data deste encontro. Por isso não consegui ir às férias dos adultos, o que também me gerou uma dor. Mas na primeira reunião para planejar os trabalhos percebi o tamanho da responsabilidade que tínhamos assumido. Na hora me gerou um grande medo, mas minha primeira atitude foi dizer que me sentia muito inadequada para aquela função, então pedi para rezarmos pedindo ajuda a Nossa Senhora. E a partir dali pensei: “Dou tudo de mim e o resto Ele constrói”. E foi exatamente assim. Tiveram muitas mudanças, algumas pessoas que iriam não foram, outras que não iriam decidiram ir, e assim fomos abertos à novidade do que Deus queria construir. Foram dias de trabalho muito intenso, mas também de uma paz enorme. No final do dia, um cansaço extremo, mas um coração feliz, e nem as condições precárias que sabíamos que iríamos ter, tiravam nossa alegria. Ao contrário, era uma felicidade que não tinha explicação, ou melhor, tinha: só Ele podia gerar aquilo. Uma experiência muito positiva foi ter alguém a quem seguir. Cada um tinha uma ideia de como fazer o arroz ou a salada, mas perguntar para a Marcinha o que ela achava melhor, gerava entre nós uma unidade inexplicável. E deu uma grande vontade de ser assim no meu trabalho, não ficar desesperada com os horários, com o cardápio, etc. E foi possível também ver o milagre daqueles dias, uma explosão de felicidade de jovens entre 14 e 18 anos agradecendo a nós todo o tempo pela boa comida. Era demais! Jovens que depois se dispunham a lavar pratos e mais pratos, e voltavam mais tarde para terminar de lavar as panelas! Como explicar aquela explosão de felicidade entre nós da cozinha e entre aqueles jovens? E tem outro detalhe que fiquei maravilhada. Eu não sou professora, sou mãe de quatro filhos e sempre tive muita admiração pelos educadores e sempre quis ser professora, e Deus achou um jeito para eu ficar próxima deles, que não foi dando aulas e sim cozinhando. Nossa Senhora dá um jeito de responder aos nossos desejos mais profundos! Obrigada a todos pelos sorrisos, pelo muito obrigada e pelo coração preenchido. Dom Giussani deu a vida para que pudéssemos encontrar Cristo e hoje não é diferente, precisamos de pessoas que doem seu tempo para os jovens encontrarem um sentido na vida e reconhecerem que Cristo é essa resposta plena ao coração de todos.
Rose, São Paulo (SP)

LIBERDADE, UMA LINHA MUITO TÊNUE

É como uma linha muito tênue, quase impercebível, mas extremamente forte, quase inquebrável: a linha que se usa para pescar os peixes-espada. Assim é a liberdade que nasce da fé. Algo que parece ser frágil, mas, na verdade, é muito forte. Foi o exemplo que nos colocou Julián de la Morena, no domingo à noite, em São Salvador, descrevendo, também, a nossa forma de estarmos juntos naquele momento. Ali, na casa de Charlie e Brenda, éramos quatorze amigos que tínhamos nos reunido para receber o Carras e Julián, que vinham da Costa Rica. Um encontro muito rápido, um jantar, mas com enorme significado. No dia anterior, partimos, em um grupo de amigos, de Honduras, para chegar a esse encontro. Não era uma decisão fácil, porque justamente nesse mesmo domingo era o dia das mães. Mas entendíamos que ir significava um amor muito grande àquilo que deixávamos e que, naquela viagem, por assim dizer, se lançava toda a vida. Sim, isso foi a primeira coisa que percebemos ao chegar e ao ver os amigos salvadorenhos; e ao passar esse um dia e meio com eles. Mas depois, percebemos mais conscientemente, quando estivemos com Carras e Julián. Na forma como nos vimos abraçados e queridos. O gesto de gratuidade deles, preferindo estar em São Salvador por apenas umas horas para nos ver ao invés de ter um merecido descanso depois dos dias intensos que tiveram na Costa Rica. No jantar, uma amiga contou a sua experiência de conversão e fala do desejo, sobre qual deve ser a espera justa diante do desejo, e porque ele não se apaga. E Julián lhe respondeu que justamente disso se fala nos Exercícios da Fraternidade deste ano e que esteja com essa pergunta diante daquelas palavras. E cita uma frase de São Bernardo: “Não se busca a Deus com os pés, mas com o desejo. A felicidade de tê-Lo encontrado não apaga o desejo, o ascende”. E voltamos felizes, porque, naquela noite, essa linha tão tênue ficou mais forte.
José R. Parmo, Tegucigalpa (Honduras)

AQUELES DOMINGOS CANTANDO NA PARÓQUIA

Há alguns anos dei a minha disponibilidade para cantar nas missas dominicais da minha paróquia. Havia um rodízio de pessoas que tocavam o violão ao meu lado e a cada semana chegava uma mensagem com os cantos a executar. Muitas vezes eu precisei aprender do zero e às vezes ficava sozinho porque o violonista faltava na última hora. Nestes casos, algumas vezes entoei os cantos da tradição que aprendi no Movimento e que estavam no livrinho da paróquia. Aconteceu algumas vezes que pessoas me agradeceram dizendo que eram cantos muito bonitos ou que fazia muito tempo que não os escutavam. Até o pároco me disse que quando era eu que cantava as pessoas participavam mais. Agora eu me casei e mudei de paróquia, mas anos depois ainda tem gente que se lembra de mim. Quando meus pais, que continuam frequentando a paróquia, vendem a Passos, me contam que muitos que param para comprar a revista são aqueles que se lembram de quando eu cantava, e quando eles dizem que são meus pais o diálogo muda. Fico surpreso quando me contam isso porque eu não tinha nenhum projeto e não fiz nenhum discurso sobre o canto, nem busquei mudar nada da modalidade com a qual eles cantavam. Apenas busquei simplesmente ser eu mesmo levando a educação que recebi. Isso me enche de gratidão porque percebo que é esta a contribuição do Movimento: gerar um sujeito novo, que não se impõe como uma forma, mas através de um encontro em coisas simples como compartilhar o canto.
Carlo, Padova (Itália)

COMO ALIMENTAR A TANTA GENTE?

Na primeira vez que eu participei de uma assembleia de CL escutei este juízo: “Essa situação tão difícil ou nos torna mais humanos ou nos torna mais desgraçados”. Naquele momento a situação não estava tão complicada como agora, quando conseguir alimentos se tornou uma atividade cansativa e desgastante, pelo fato de não ter mais produtos nas prateleiras, e a inflação é tão monstruosa que um salário mínimo não chega nem mesmo a cobrir um quarto do custo de uma cesta básica. Qualquer família venezuelana pensa: “Existe um bem tão grande que me faça dividir com outros a minha tão escassa comida?”. “Nossa natureza nos faz interessar-se pelos outros, o interesse pelo outro é a única coisa de concreta”, diz Giussani em O sentido da caritativa. Vir à paróquia e dividir essa sopa solidária me faz escolher ser mais humano: percebo que a necessidade tem um rosto concreto, e que esse rosto é o meu, me encontrar com o outro que tem a disponibilidade de me dar a sua amizade, sem se importar com a minha aparência ou com as diferenças que possam existir entre nós, porque lhe interessa me dar a sua amizade, me dar a sua atenção. Isso faz com que eu me sinta preferido porque me fala dele, me conta o que faz, divide comigo a sua doença e a sua necessidade. Porque ir à caritativa não é só ir dar comida a eles, mas sim me encontrar com um rosto concreto que me faz descobrir que sou mendigo e necessitado d’Ele. “Nós vamos à caritativa para satisfazer essa exigência”. Atualmente, atendemos entre 600 e 700 pessoas. É cansativo arrumar mesas, cadeiras, colocar toalhas, servir, retirar, lavar, desocupar a sala com os assistidos para receber a outros, dentre outras diversas atividades às quais dedicamos umas seis ou sete horas do nosso tempo livre, aos domingos. No entanto, é Cristo que vemos nos rostos dos que chegam e tentamos fazer com que eles se sintam tão preferidos quanto Ele nos faz sentir. Uma vez mais se repete o milagre da multiplicação dos alimentos: o arroz e as cenouras são suficientes, inclusive para os do nosso grupo e, em outros casos, para levar comida aos carcerários da região. A essa sopa solidária se uniram pessoas que não são do Movimento, se oferecendo para cozinhar, ajudar e servir. Minha namorada, após participar de uma caritativa, começou a frequentar a Escola de Comunidade. Nas filas antes da comida, nós, os universitários, tratamos de oferecer café, água e um pouco de conversa agradável. Descobri que é necessário nos envolver para conhecer e se interessar pelo outro, e isso vale tanto para os que vêm comer quanto para os voluntários. Para mim foi indispensável o apoio de Jennymar; eu descobri em Johan algo que eu desejo para mim, porque esse rapaz é tão humilde que qualquer serviço que lhe seja pedido, ele o faz feliz. Outro amigo, Gustavo, veio um domingo à caritativa e afirmou que voltou a se sentir parte de CL porque ir ao encontro do outro lhe fez sentir-se realizado no mais profundo do seu ser. Essa caritativa se tornou tão atraente que a maioria dos jovens participa. No domingo passado, minha avó tinha acabado de falecer, há dois dias, e eu me perguntava se iria ou não participar. Sendo o responsável pelos Universitários, entendia que deveria ir, mas foi recordando o que disse Giussani que me dei conta de que a emoção ou o cansaço não controlam a minha vida: “O ajudar a outros inicialmente pode estar desprovido de qualquer entusiasmo, mas como seres humanos é vital para o nosso fim último”. Minha vida está nas mãos de Deus e isso eu descubro a cada domingo: através do encontro com o outro se satisfaz a minha necessidade d’Ele. Fomos tão preferidos que através de nós Ele satisfaz algumas das necessidades do outro.
Carlos Javier, El Tocuyo (Venezuela)

CASAMENTO. E UMA FILHA QUE VAI PARA LONGE

Há alguns meses minha filha Chiara se casou, o que a levou na Inglaterra. Eles se casaram numa paróquia, no norte de Roma, onde há cinco anos não se celebravam casamentos. O pároco estava admirado: seis padres concelebrando, a igreja lotada, amigos e parentes, mas também muita gente do bairro. “É difícil ver dois jovens de fé, que belo testemunho!”. Assim, até me libertei da minha ansiedade, ao perceber confusamente que a palavra certa a dizer era “obrigada”: pelos dois, pela coragem de uma escolha definitiva, e pela grandeza do Movimento, essa história que nos alcançou. Agradeço a Chiara e Gianluca por terem testemunhado isso, em primeiro lugar a mim, aos amigos deles e a outros amigos, como o pastor anglicano e sua esposa, com quem Chiara ficou hospedada durante seis meses, e a veem como uma filha. O ecumenismo sem discurso! O que nos deixa seguros de que são acompanhados, e que podemos chorar de comoção, não de tristeza? Sem Ti, meu Deus, eu seria uma criatura finita. Contigo, meu Deus, mesmo quando a vida é dura, somos gratos: pela graça da fé que passou também para eles, pela força de confiarem um no outro, porque em cada gesto, em cada canção está clara a pertença que nos gerou.
Monica, Roma (Itália)

NO TRABALHO, UM NOVO HUMANISMO

Neste momento em que estamos vivendo, há uma apatia generalizada dos servidores públicos, uma desmotivação por toda a corrupção vista de perto e de longe, e cada vez mais fica-se distante do centro da questão que, ao meu ver, é o porquê eu trabalho, para quem e como posso servir mais ao reino de Deus lá dentro. Também sou servidora e essa postura não me corresponde e tento lutar contra isso. Assim, ler a matéria da Passos de julho: “Contra a corrupção precisamos de um novo humanismo”, para mim foi revolucionário! O que mais me impulsionou foi ver que, por mais que houvesse um desejo bom de ser diferente dos meus colegas, eu não estava agindo como propõe o Papa naqueles trechos. A minha postura era distanciar-me daquelas pessoas que não olhavam para o trabalho como uma vocação e buscar a firmeza nos meus pequenos sinais da companhia de Cristo ali (Livro das Horas, terço, imagem de Nossa Senhora...) e cada vez mais, fechando a possibilidade de relacionamento com eles. O novo humanismo falado pelo Papa, ao contrário, é juntar “cristãos e não cristãos” para combater isso, e para tanto, é preciso “educação e cultura misericordiosa” por meio das próprias possibilidades, talentos e criatividade. Entendi que primeiro é necessário olhar continuamente para essas pessoas com misericórdia, seguido por um desafio de buscar formas de chegar até eles e trazê-los junto nesse caminho. Não consegui isso ainda, mas cada dia é uma nova possibilidade que o Senhor me concede. Ouvir e ler essas palavras trouxe-me aquele respiro de esperança que eu já não sabia onde encontrar.
Marília, Brasília (DF)

NO BAR, O INÍCIO DE UM DIÁLOGO

Faz dois anos que frequento a lanchonete próxima à concessionária onde eu trabalho. Sempre tomo ali o café e às vezes compro um sanduíche na hora do almoço. Hoje quando eu entrei a atendente, que é também a proprietária – uma mulher de 50 anos com uma filha de 14 – me olha surpresa e me pergunta por que eu sorrio. Digo que um padre tinha ido abençoar a concessionária e eu estava feliz porque a sua presença tinha trazido uma positividade para o meu dia. Eu nunca tinha conversado sequer cinco minutos com ela, e a conversa sempre foi sobre algum fato da televisão, mas naquele momento nasceu um diálogo intenso. Ela não entendia porque eu era amigo de um padre e muito menos porque eu era cristão. Então começou a atacar a Igreja e seus patrimônios, os discursos, as regras morais e assim por diante. Eu tenho um irmão padre, então sou muito sensível a estes argumentos, mas diante das suas colocações eu estava tranquilo e livre. Ao invés de me irritar, como faço muitas vezes, eu respondia e tentava colocar na conversa a razão mais do que o sentimento. A certa altura vejo que já tinham se passado mais de 15 minutos e eu precisava terminar o diálogo, e entendia que até ali tinha sido cada um com a sua opinião. Agradeci por aquela conversa, paguei e ia saindo, mas ela não me deixou ir embora. A partir daquele momento a conversa realmente mudou. Eu comecei a falar das questões mais importantes da minha vida, de como tem Alguém que me ama mais do que eu sou capaz de amar, e que, apesar dos meus limites, me ama. Falo muito, acrescentando fatos que aconteceram recentemente e ela continua a me olhar espantada, sem falar. Depois, chegou um cliente e eu a cumprimentei e saí: “Até amanhã”. Ela me agradeceu e sorriu. Por causa deste encontro posso dizer: como é bonito viver assim!
Giovanni, Arezzo (Itália)

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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