Entrevista com PIGI BERNAREGGI, que completa 50 anos de sacerdócio. Uma vida dedicada ao serviço da Igreja e dos homens, mantendo no coração o ardor do encontro com Dom Giussani, quando ainda era jovem estudante em Milão
Em dezembro, o padre Pierluigi Bernareggi, o padre Pigi, completa o Jubileu de 50 anos como sacerdote. Ele foi um dos primeiros estudantes a seguir o fascínio do encontro com Dom Giussani no Liceu Berchet, e afirma que isso ainda o move nos dias de hoje. Veio ainda jovem como missionário e ali se enraizou tornando-se pai de muitos, trabalhando com muito afinco junto com o povo do Bairro 1° de Maio, em Belo Horizonte. Aqui, algumas perguntas que ele nos respondeu na passagem desta importante data.
Qual é a primeira coisa que o senhor pensa dando-se conta que chegou a 50 anos de padre?
Primeiro, eu penso que tenho muito coisa a pedir perdão. Nestes anos todos, eu poderia ter sido um padre muito mais dentro da minha verdadeira vocação. Gastei muito tempo construindo igrejas materiais, só que agora as igrejas materiais estão vazias. Então a gente entende que se durante estes 50 anos eu tivesse preocupado exclusivamente com a igreja de pessoas, a coisa seria bem diferente. Para mim estes 50 anos de padre tem aquela satisfação de Deus me ter olhado durante estes 50 anos, mas pessoalmente entendo que preciso pedir muito perdão, seja à Igreja, seja ao povo do 1° de Maio. Mas Deus é bom Pai, Deus perdoa.
Recentemente o senhor foi protagonista num diálogo sobre o livro “A beleza desarmada”, em Belo Horizonte. O que mais o marcou nesse livro de Julián Carrón?
Eu achei muito bonita a atitude do Carrón, que neste livro mostra o seu progresso no conhecimento das orientações de Dom Giussani. Ele se coloca ali como um discípulo de Dom Giussani e mostra ao longo do livro todo o progresso que ele fez na meditação da sua relação com Dom Giussani, até chegar ao último capítulo, que na verdade é uma síntese do que ele sente a repeito da vida de Comunhão e Libertação no mundo, do qual ele é o responsável. É um livro bonito que nos mostra uma pessoa humilde, que vai se deixando educar, formando a sua própria visão de toda a espiritualidade, de toda a orientação do Movimento.
O senhor falou sobre algo que Pe. Carrón nos indica com muita ênfase, como algo a ser descoberto depois de tantos anos de caminhada na Igreja e no movimento: a contemporaneidade de Cristo. Pode nos contar de novo por que a experiência do tempo que passa e do instante foi e é tão importante na sua vida? O senhor citou esta poesia no encontro: “No meio de uma colmeia de abelhas ninguém é um “eu”, na manada de boi ninguém é um “eu”, no cardume de peixe ninguém é um “eu”, assim na humanidade hoje ninguém é um “eu”. Mas não! É neste instante que passa (e que já passou), é neste instante (que é um “piscar de olho”) que acontece o “eu”. Neste instante que é nada e é tudo eu sou Ele que se doa para eu existir”.
A contemporaneidade não nasce da Igreja, mas nasce do nosso relacionamento com Cristo. E através desse relacionamento, que é divino, e por ser divino permanece na história, a Igreja pode viver a contemporaneidade. Este trecho é uma reflexão que nasceu a partir de um encontro que fiz no Centro Cultural de Milão neste ano. No final do encontro uma pessoa me entregou três folhas com notas antigas da época em que eu participava dos encontros de GS com Dom Giussani. Lendo estas folhas me dei mais conta do valor do instante e quis citar a poesia.
Estamos em tempos de emergência educacional. Qual é a urgência que o senhor percebe na sociedade e dentro da Igreja?
Depois dessa cultura do relativismo, do individualismo relativista próprio do mundo moderno, que começou no século XIV até o início do século passado, o resultado final dessa triste aventura é a passividade, o ceticismo e o desânimo da juventude, que se sente alienada completamente da realidade, sobretudo agora com essa virtualidade toda das coisas. Então, a realidade é como se fosse uma coisa abstrata que está muito longe da gente. Ao passo que a verdadeira razão de nós termos uma inteligência, de nós termos uma sensibilidade, de nós termos uma consciência, é justamente o nexo com a realidade. A educação consiste numa introdução cada vez maior à realidade total, que é a definição típica de Dom Giussani, tirada de um alemão Jungmann. Uma vez que você é tirado fora da realidade por causa destas mídias que te alienam completamente, você se torna uma pessoa sem ânimo, sem coragem para enfrentar a vida. Assim, a emergência educacional de hoje é justamente a de ajudar as próximas gerações a amar a realidade, a viver a realidade, a servir a realidade, a apaixonar-se pela realidade, e não a permanecer sempre mais nesta visão cética e relativista. Isso realmente mata a vida e o coração das pessoas. Então, todos os esforços hoje de quem quer trabalhar bem com a educação é ajudar as novas gerações a amar a realidade, a empenhar-se com a realidade e viver em função de servir a realidade, porque eles vêm de uma tradição que diz que é preciso se tornar ricos, alienados, completamente fechados em si mesmos.
Observamos um desânimo e uma desorientação não apenas nos ambientes educacionais, mas também nas famílias, como se aqueles que têm a responsabilidade de educar estivessem descarregados afetivamente. Que indicações o senhor daria para que os educadores possam realizar um verdadeiro trabalho e caminho educativo?
Eles têm tem que pertencer a uma realidade humana que nos ajude a amar a realidade, que é a comunidade cristã, a Igreja, movimentos. Pessoas que se unem atraídas pela beleza e pela força da realidade, e não alienadas nos seus jogos eletrônicos. Esta é a grande função da educação hoje, primeiramente da Igreja. Porque a Igreja é animada interiormente pela presença viva da fonte do ser, que é Cristo. Os primeiros grandes educadores devemos ser nós. E, depois, ajudar o máximo àqueles que têm dom para serem bons educadores, a vislumbrar esta missão principal deles que é introdução à realidade total.
Na sociedade pluralista atual, frequentemente nos deparamos com posições antagônicas que revelam “a crise do humano” pela qual estamos passando. Muitas vezes a defesa de alguns valores, por mais justos que sejam, gera divisão. Como podemos comunicar a experiência cristã de modo a contribuir e dialogar com o outro?
O diálogo entre as culturas se torna viável na medida em que eu tenho certeza da minha posição. Se eu não tiver uma visão do sentido da vida, não posso dialogar com ninguém. Eu posso dialogar com os outros na medida em que eu trago dentro de mim um sentido bonito, profundo, válido, da vida. Isso me abre aos outros, me torna capaz de dialogar com todos. Na medida em que eu ando complexado, dividido, confuso, quando não até desiludido, não posso dialogar com ninguém. Aí vêm todos os problemas dos partidos políticos, que a Doutrina Social da Igreja altamente coloca em dúvida o valor deles. Isso ocorre porque são ideologias que as pessoas formam e combatem entre si independentemente da realidade. Então, é este ceticismo profundo que carregamos como herança de 500 anos de individualismo, de relativismo, essa forma doentia da consciência é que torna impossível ser educadores. E para podermos ser educadores devemos cuidar primeiramente da forma sadia e consciente de nós de captarmos o sentido da realidade. Isso os jovens percebem imediatamente. Quando a pessoa é superficial, vaga, de aparências sem substância nenhuma, os jovens são os de sensibilidade mais fresca, mais clara, sentem imediatamente. Só que eles mesmos não têm nada a opor para sair desta armadilha, de modo que precisamos de grandes figuras de educadores verdadeiros, conscientes do sentido e do valor da vida, para dialogar com a juventude, para ajudar a juventude a recuperar o gosto e o amor à realidade que eles estão perdendo.
Com respeito ao diálogo, que o Papa sempre está nos convidando, o que significa dialogar para você com relação a este momento do nosso país, da situação atual do Brasil? O que temos que olhar, o que temos que aprofundar para poder viver esta cultura do diálogo? Vai começar um ano eleitoral e o que significa o diálogo neste momento?
Significa nos interessarmos às posições de todos a partir de uma posição clara e bonita que nós tenhamos em nós. Diálogo supõe uma riqueza dos dois lados. Faltando em mim a riqueza do sentido da vida, eu não consigo dialogar com outra pessoa que tem um sentido da vida, assim como não consigo ajudar a ninguém que não tenha o sentido da vida a recuperar isso. De modo que a primeira emergência educacional não são os jovens, mas somos nós adultos que, apesar de tudo, devemos nos habilitar, nos educar ao valor da beleza da realidade para transmitir isso a eles. O diálogo é só isso. Dialoga-se em base àquilo que tenho certeza.
Recentemente o senhor participou de alguns encontros com o movimento, está sendo muito procurado. Como o senhor vê essa amizade que nunca acabou e agora parece mais viva ainda? Como o senhor vê a experiência do movimento de Comunhão e Libertação hoje?
Quando eu vim para o Brasil eu vim como Gioventù Studentesca, que era o movimento estudantil da Igreja de Milão colaborando com a Igreja de Belo Horizonte por falta de vocações. Na minha juventude eu estava escolhendo o caminho do sacerdócio e em vez de fazê-lo em Milão vim fazer aqui. Eu vim como GS, e bem depois, uns dez anos depois, após as bagunças de 1968, é que surgiu em Milão o Movimento Comunhão e Libertação, formado inclusive por algumas pessoas da nossa época que não se tinham perdido pela violência, pela ideologia que naquela época devastou a cabeça de todo mundo. As pessoas que sobreviveram a este tsunami de 1968 se reuniram de novo ao redor de Dom Giussani e ali foi criado primeiro o ciclo Charles Péguy e depois Comunhão e Libertação. Então, quando isso aconteceu eu já estava há muito tempo no Brasil. Por isso, não posso julgar CL, posso comunicar na vida de vocês aquilo que na minha época movimentou a minha pessoa e me movimenta até hoje, que é justamente esta ótica de seguir Dom Giussani. Eu me sinto muito bem junto com essa turma, e na medida em que posso dou uma força para lembrar os ensinamentos de Dom Giussani, a amizade com ele. Tem muitas coisas boas que podemos partilhar e, por outro lado, gosto de ver tudo aquilo que de bom estão criando por aí. Sou um admirador.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón