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Passos N.198, Dezembro 2017

RUBRICAS

Cartas

O MEU “INÍCIO”, GRAÇAS A UM MENINO DE QUATRO ANOS
Caro Julián, este ano tive a sorte de começar a trabalhar como professora de apoio de um menino de quatro anos que tem uma deficiência de fala e relacional. Depois de um mês de trabalho, às vezes me pegava olhando para ele pensando nas dificuldades que enfrentaria na vida e me perguntando por que aquele fardo tinha sido dado a ele sem que entendesse o sentido. Meu olhar estava fechado na minha ideia de como as coisas deveriam ser. Recentemente, numa quinta-feira, fiquei na escola até às 12h por causa de um imprevisto. Depois, fui para casa e comecei a ler o texto da Jornada de Início de Ano: “Como gostaríamos de ser constantemente surpreendidos por um acontecimento que faz tudo tornar-se novo! Então descobriremos de forma cada vez mais completa que se algo canta é porque Tu o fazes cantar, se vibra é porque Tu o fazes vibrar, porque Tu estás em tudo, porque Tu vives em mim”. Lendo isso, pensei que era impossível que as coisas fossem continuamente novas e fechei a questão sem dar a ela muita importância. Voltei para a escola e, quando cheguei, o menino com quem trabalho veio ao meu encontro gritando: “A Alice chegou!”, correndo para me abraçar. Ele faz isso todos os dias, mas naquela quinta-feira eu tinha ficado fora pouquíssimo tempo (apenas uma hora e meia) e não esperava aquela reação novamente. Comecei a olhar para ele com ternura e comoção, perguntando-me: “Como você, com apenas quatro anos, pode gostar tanto de mim e me ver sempre como se fosse ‘nova’?”. Naquele dia foi-me dada a possibilidade de descobrir que nada é impossível e que também sobre aquele menino há um projeto maior, mesmo que seja apenas ajudar os outros a ver as coisas com o seu entusiasmo. A partir do seu olhar, recomecei a olhar de modo diferente para ele e para mim. E as coisas readquiriram o gosto do início.
Alice

O FASCÍNIO DO CRISTIANISMO
Na noite dos 300 anos de Nossa Senhora Aparecida, o meu pai Gianni foi para o céu, depois de uma doença muito grave que ele viveu sempre com muita fé e paixão pela vida até os últimos dias. A missa de corpo presente foi paradoxalmente um momento de alegria pelos cantos, os testemunhos de alguns amigos, a homilia, assim como ele tinha me pedido: “eu quero que seja um momento de festa”. Poucos dias depois a minha mãe recebeu um e-mail que nos surpreendeu muito. Um amigo dos meus pais que trabalha no mundo das finanças entre Lugano e Milão, filantropo e ateu a ponto de ele e a mulher falarem da disposição para morrer numa clínica na Suíça praticando eutanásia, escreveu palavras que não teríamos podido imaginar antes. “Como sabe, não sou um homem de Igreja, não gosto de ir a missas de corpo presente, e até casamentos evito porque normalmente os padres falam coisas que para mim são, na melhor das hipóteses, puras fantasias… Para a de Gianni desejei ir e devo dizer que a cerimônia foi muito sóbria e o padre que fez a homilia foi de verdade muito bom. Eu não estou longe de alcançar Gianni, considerando a minha idade e os dados estatísticos, e pensava nisso durante a missa e refleti que quando eu estiver na situação dele me encantaria ter alguma pessoa que pudesse falar de mim as coisas que foram faladas dele”. Ler estas palavras foi para mim e minha família a possibilidade de nos dar conta do que significa a beleza e o fascínio do cristianismo, que ainda pode conquistar os corações de todos os homens de uma forma surpreendente quando é vivido em plenitude, até nos momentos mais extremos.
Silvia, São Paulo (SP)

EU ME PERGUNTO O QUE É ESSA UNIDADE ENTRE NÓS
Caro Julián, voltei para casa depois de três dias de convivência com você e alguns jovens, e estou cheia de gratidão e comoção pela fidelidade e preferência que Cristo continua a ter para comigo... Quando abri a porta de casa, encontrei-a limpa, em cada canto, como nunca tinha visto antes... Que bonito! Que bonito que meu marido, com um gesto simples, que para a maioria pode parecer banal, tenha tido tanta ternura para consigo e com sua família a ponto de limpar a casa desse modo, sozinho (com que amor e gratuidade deve ter feito isso por pelo menos duas ou três horas) e que unidade vivo com ele: enquanto estamos em dois lugares diferentes, enfrentando e vivendo circunstâncias diferentes, na verdade podemos viver com a mesma tensão em direção ao destino. O mesmo destino. Ele não me censurou por eu ter estado fora e, hoje, está com as nossas filhas. Vou esperá-lo em casa para agradecê-lo novamente. Eu me pergunto o que é esta unidade e comunhão entre mim e ele. Noto isso mesmo nos pequenos gestos de ternura e – que estranho – se veem mais quando não estamos no mesmo lugar! Talvez seja muito tolo ficar surpresa com esse acontecimento e pelo fato de que misteriosamente tem a ver com as coisas que aconteceram nestes dias. O que é a estranha familiaridade que aconteceu entre nós, que passamos o ano sem nos ver, e até com aqueles que nunca tínhamos visto antes? Tudo o que levei das minhas experiências, de toda a minha vida e das questões relativas a isso (muitas, graças a Deus) foi olhado e julgado. Tudo, e até mais; e tudo permanece misteriosamente ao mesmo tempo aberto e não solucionado. Que libertação e que alívio que na realidade haja tudo de que precisamos para viver. Estou curiosa e desejosa de conhecer Cristo cada vez mais e de continuar seguindo os rostos de vocês, amigos, que, antes de mais nada como filhos (não como órfãos, mas como filhos) continuam seguindo Cristo nos traços inconfundíveis e carnais, em primeiro lugar do Papa (da Igreja), e do carisma de Giussani que nos foi dado. Podemos ser realmente amigos e nos ajudarmos a viver. Que bela descoberta! Pois bem, agora descobri também por que vale a pena, por essa história e por essa amizade cristã, deixar o marido e os filhos (mesmo que apenas por dois dias, mas, na verdade, em outros momentos também acontece, durante o ano, precisarmos nos organizar em relação às meninas), ou melhor, para descobrir que nem mesmo os dons maiores da vida são tudo, e que há Alguém que vem antes deles. Assim, não perco o melhor e, esta noite, posso olhar para as minhas crianças sem me sentir culpada (sim, porque minha filha, de três anos e meio, me recebeu na sexta-feira à noite chorando, e disse: “Mamãe, quero ficar sempre com você”, e eu respondi: “Que bonito, obrigada por me dizer isso, é verdade”, e a abracei), mas com a consciência de quem sou verdadeiramente e que se algo é importante para mim, se é um ganho para mim, só pode ser também para eles. Nunca se habituar ao excepcional!
Carta assinada

O PAPEL DO CRISTÃO
Há vários anos, a instituição bancária na qual trabalho há 35 anos está fazendo uma série de reestruturações, com aquisições, venda de setores da empresa e grandes cortes de pessoal, o que gera fortes tensões e nervosismo no ambiente de trabalho. Nos últimos tempos, a unidade operativa da qual sou responsável, sofreu um corte de 50 por cento e como permaneceram os mesmos encargos de trabalho, a situação tem piorado constantemente. Parecia que tudo aquilo que eu tinha tentado construir nos relacionamentos com os colegas e os clientes, estivesse desmoronando. Assim, numa sexta-feira à tarde, me pareceu correto entrar em contato com o responsável do departamento pessoal jogando sobre ele um monte de palavras e dizendo-lhe que estavam loucos se prosseguissem com esta política e que se em breve a situação não mudasse, eu me recusaria a prosseguir na minha função. Foi uma cena, os colegas aplaudiram e eu saí satisfeito. No domingo, com meu grupo de Fraternidade, fomos encontrar os monges da Cascinazza e depois fizemos um encontro com padre Marco sobre o papel que o cristão tem no cotidiano, e eu sentia que me queimava algo por dentro. Não estava mais satisfeito pelo modo com o qual eu tinha vivido as circunstâncias do trabalho, e na segunda decidi escrever um e-mail ao responsável do departamento pessoal contando sobre mim, da experiência de vida e de fé que estou vivendo que me ensinou a viver o trabalho não como uma maldição, mas como ocasião de encontro e de confronto. Para minha grande surpresa, depois de dez minutos chega a sua resposta na qual me agradece, pois era a primeira vez que recebia um e-mail com aqueles conteúdos, que era algo que ele compartilhava, e me pedia para nos encontrarmos para preparar uma proposta de um novo modelo de trabalho para propor à direção. É mesmo verdade que se temos um coração escancarado àquilo que acontece, nos tornamos capazes de desafiar o formalismo e aprendemos a confiar tudo a Cristo em cada circunstância.
Luigi

COMO UM SEDENTO

Querido Carrón, escrevo esta carta, depois de vários dias de escuridão e confusão, por um desejo profundo de entender o convite que o Mistério nos faz nestas circunstâncias dramáticas. Vivo na cidade de Puebla, onde temos vivido o percurso do assassinato de Mara Fernanda, uma estudante da universidade em que estudei e trabalhei, e onde trabalham alguns amigos da nossa comunidade, inclusive o meu esposo. A violência é o pano de fundo da vida no México, algumas vezes se atenua o grau a ponto de quase não se percebê-la, enquanto outras – como no caso de Mara – ensurdece; não obstante, é algo que sempre está presente. Eu me deparei com uma variedade de posturas. Como olhar um acontecimento tão monstruoso entre tanta confusão? Com que critério julgar um fato tão desumano? Então, me pus a ler o seu livro, A beleza desarmada, como um sedento no deserto, exausto pelo açoite do sol e o peso da areia. “Mulher, ao meu pensar se deparou qual um raio divino a tua beleza”: nesta frase tão querida para o nosso Movimento, do poeta Leopardi, que Giussani nos ajudou a entender e você a fez nossa de novo, a minha alma começou a se recuperar, porque, em um contexto como o que vivemos cotidianamente, entre o ódio e o cinismo, é imprescindível se perguntar: quem é o homem? O que é o homem para a mulher e a mulher para o homem? O que fazemos para que nenhum dos dois se torne objeto da violência, como se pôde ver nesta última semana? O diálogo se dificulta quando fazemos um juízo parcial sobre a realidade e tentamos exauri-la nisto. Limitar o problema a um assunto de gênero é reduzir o drama da violência que diariamente nos perturba. O desafio que nós, como cristãos, temos à frente é enorme, pois o problema da violência não é um problema que só ocorre no meu país. Nós, cristãos, somos herdeiros de uma forma completamente revolucionária de afrontar a vida, de um Acontecimento que dá lugar a uma cultura diferente, cuja origem está em redescobrir a nossa humanidade através do olhar de Cristo. A evidência incontestável de que “o homem não é lobo do homem” consiste naquilo que Giussani nos ensinou e que você nos reafirma com a paciência infinita de um pai: a realidade é positiva. Não lhe escrevo repetindo uma fórmula. Esse juízo tem sido para mim uma das provocações mais desafiantes. “Quando tudo se desmorona, há algo que permanece: a realidade”, como ocasião para nos lançarmos de novo.
Monica, Puebla (México)

“EU ERA PIOR DO QUE AGORA, NO ENTANTO...”
Caro Julián, esta manhã vivi o trabalho de modo reduzido. No fim do dia sentia uma dor no coração. Fiquei ali, abatido, pensando no que poderia ou deveria ter feito para evitar isso, mas não conseguia pensar em nada. Fui à Escola de Comunidade me perguntando como estar diante desse desapontamento sem sucumbir a um moralismo. Comecei a escutar as colocações das pessoas e comecei a comparar o que diziam com o que tinha me acontecido. De repente, pensei em algo de que não me lembrava há bastante tempo: antes de conhecer o Movimento, eu era muito pior do que agora, no entanto, Cristo me fez conhecê-Lo. Apesar da minha miséria, Ele me atraiu para Si com todo o Seu fascínio. Portanto, o importante não é o que eu deveria ou não ter feito, e, agora, sinto-me grato porque esse incômodo faz com que eu perceba que não desejo mais viver a vida de modo banal. Lembrar-me disso fez-me sentir novamente um maravilhamento e me deu a coragem para voltar a buscar aquele fascínio um instante depois da Escola de Comunidade, quando já começava a me distrair.
Lorenzo

ONDE ELES VIRAM O “PARA SEMPRE”?

Há alguns dias, três jovens da comunidade terapêutica masculina do Centro Imprevisto terminaram seu tratamento. Durante o encontro de despedida, rodeados por todos os seus colegas de caminhada, Matteo disse: “O que levo comigo é o motivo pelo qual estou aqui, que, em primeiro lugar, não é a droga, é muito mais: o que encontrei aqui foi a minha pessoa. Eu sei disso, e entendo, porque houve um tempo em que eu era nada e de ninguém. Agora, porém, tenho o que nunca tive”. André, o segundo rapaz, afirmou: “Agora tenho uma grande esperança, carrego uma positividade imensa, encontrei algo tão belo que me faz dizer que tudo, realmente tudo, até o mal, será sempre belo. E entendo que o ponto mais importante não é o belo, mas o sempre. A palavra chave, aqui, é para sempre”. Enrico, o último, acrescentou: “Aprendi um modo, um método, sei o que pedir e a quem pedir e o que mais me tocou da experiência que vivi foi olhar a força dos que trabalham aqui. Não havia dia em que eu não me perguntasse sobre a energia, sobre a força que tinham. De onde ela vem, de onde a pegam? Quando estou pleno dessa pergunta, percebo que sinto uma grande felicidade”. É realmente verdade – dizia a mim mesmo enquanto os ouvia falar – que os jovens “não são vasos a serem preenchidos, mas fogos a serem acesos...”, como diz Plutarco. Para que a pergunta da vida possa arder, para que a vida seja vida e possa explodir é preciso um fogo, a irrupção de uma novidade ardente, inflamada. Mas, sobretudo, me pergunto, maravilhado e comovido enquanto continuo olhando para os meus meninos, onde eles viram essa força da qual falaram, onde viram esse “para sempre” em nós, educadores, tão pobres e pequenos como somos? O que quer dizer ser pleno de uma pergunta e ser feliz? Como esses jovens podem pensar e dizer essas coisas? É como se fascinar estando à beira de um abismo, diante de um grande mistério... É Deus que toma a palavra em meio às imperfeições de nossa pobre e pequena humanidade.
Silvio Cattarina, Pesaro (Itália)

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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