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Passos N.199, Fevereiro 2018

ATUALIDADE | EUA

Um ano de Trump

por Mattia Ferraresi

Da posse na Casa Branca até hoje, em meio a alianças e retrocessos, imigrantes, liberdade religiosa, muita confusão... E o dilema dos católicos, que continuam sendo os “sem-teto” na política norte-americana. Entre luzes e sombras, o balanço da obra de um dos presidentes mais impopulares de todos os tempos

Há mais de um ano, os católicos americanos começaram a enfrentar, no sigilo das urnas, o que o jurista de Harvard, Adrian Vermeule, define como “um trágico dilema”. No final, pouco mais da metade decidiu apoiar Donald Trump, e as análises mostram que ele se tornou Presidente graças ao apoio dos católicos em alguns Estados decisivos. O drama da escolha colocou no centro da cena de modo inevitável uma questão conhecida, porém normalmente escondida por trás das afiliações partidárias e da dialética entre democratas e republicanos que a sociedade americana tem interiorizado há gerações: “Os católicos são politicamente sem-teto nos Estados Unidos”, explica Vermeule. Na escolha entre Trump e Hillary Clinton ficou claro que nenhum dos dois grandes partidos é um porto seguro para os fiéis “sem-teto” que historicamente estão divididos quando se trata de escolher o Presidente. “Os democratas”, continua o professor de Direito, “são o partido da permissividade radical em relação ao aborto, os republicanos defendem o corte de impostos para os ricos e são hostis em relação aos imigrantes, especialmente os que vêm do México e da América do Sul”.
Um ano depois da posse de Trump na Casa Branca, o dilema não foi resolvido. Houve a nomeação de um juiz conservador e pró-vida para a Suprema Corte e uma mudança de rumo em relação à liberdade religiosa, além da saga do controle da imigração colocando em prática o princípio da “America First”. Agravou-se o inquietante confronto com a Coreia do Norte, houve muitas licenças e retrocessos, barricadas e desastrosas alianças de conveniência. Vimos a fragilidade de uma administração em constante fase de remodelação, colocada em cheque pela investigação que deve esclarecer a interferência da Rússia nas eleições americanas. Resultado: para os católicos, não desapareceu a sensação de ser sem-tetos na arena política.
A conduta confusa e a representação caótica feita pela mídia neste ano de governo, caracterizado pela sistemática violação de todas as convenções presidenciais, torna difícil uma avaliação equânime do trabalho de Trump até agora, mas o governo de um dos Presidentes mais impopulares de todos os tempos, num certo sentido, “laicizou” o cenário. De uma administração do gênero não se esperam modelos de virtude, mas com realismo é possível julgar seu trabalho ponto por ponto, medida por medida. Ser sem-teto tem suas vantagens.

Áreas a serem observadas. O intelectual Joseph Bottum, professor da Universidade de Madison, na Dakota do Sul, e diretor da revista First Things, nota a ironia que se esconde no estranho relacionamento entre os católicos e Trump: “É um dos Presidentes mais inquietantes e vulgares que já tivemos, no entanto, no seu governo os ensinamentos da doutrina social têm a possibilidade de avançar muito mais do que quando Barack Obama ou George W. Bush eram presidentes”. Vida e liberdade religiosa, segundo Bottum, são as duas áreas que devem ser observadas para encontrar sinais de esperança. “Quem se preocupa com a proteção da vida, especialmente nos seus estágios mais frágeis, tem boas razões para considerar de modo positivo alguns aspectos deste primeiro ano de governo. Não são questões secundárias ou que dizem respeito apenas aos católicos chamados conservadores: a dignidade da vida é o fundamento da justiça social. E infelizmente, nos últimos cinquenta anos nos Estados Unidos e no Ocidente houve mais crianças abortadas do que imigrantes refugiados. A nomeação do juiz Neil Gorsuch para a Suprema Corte reacendeu a esperança de poder anular a Roe vs. Wade (sentença judicial que, em 1973, legalizou o aborto em todo o território americano) e deixar a decisão sobre a interrupção da gravidez às autoridades de cada Estado”. Alinhada com a política tradicional republicana, a administração também reintroduziu a “Mexico City Policy”, regulamento que proíbe as organizações não governamentais de receberem recursos públicos para promover o aborto como método de planejamento familiar. A Conferência dos Bispos americana aplaudiu a decisão.

Senso comum. Sobre a liberdade religiosa, a questão mais controversa entre os Bispos e a Casa Branca durante o mandato de Obama, Trump anulou o decreto que impunha às instituições de inspiração religiosa – escolas, universidades, hospitais, etc – violarem a própria consciência oferecendo contraceptivos e remédios abortivos gratuitamente aos funcionários através dos planos de saúde oferecidos pelo Obamacare. Essa era uma questão crucial não apenas para os cristãos: a norma reduzia a liberdade da experiência religiosa a puro culto, impedindo a liberdade de expressão da fé na sociedade. Os Bispos falaram de um “retorno ao senso comum” depois de um “insólito desastre que nunca deveria ter acontecido e não deve mais se repetir”. Vermeule, que sempre criticou o Presidente, entrevê uma esperança oculta nas dobras de uma situação política incrivelmente fragmentada e obscura: “Um sinal positivo é que alguns políticos estão demonstrando a pretensão de adotar os pontos válidos da agenda de Trump”, sem necessariamente se transformarem em guardiões da sua administração.
O âmbito da política externa é mais complicado de decifrar para os observadores. O Presidente prometeu inaugurar uma era de desengajamento dos Estados Unidos no mundo, mas neste ano tratou as várias questões internacionais com critérios diferentes. Não renovou o acordo nuclear com o Irã e alimentou uma escalada de ameaças contra Pyongyang, exatamente enquanto o Papa Francisco pedia aos líderes coreanos para “se oporem à retórica do ódio”. Questionou todos os tratados de livre comércio. Estreitou as relações, já sólidas, com a Arábia Saudita, e recompensou uma parte de seu eleitorado com a decisão de reconhecer Jerusalém como capital de Israel, iniciando o processo de transferência da Embaixada. Esta foi outra manobra muito criticada no Vaticano e também por grande parte da comunidade internacional. Difícil identificar estratégias coerentes em uma Administração que prefere negociações bilaterais e olha com ceticismo, quando não com aberta hostilidade, os encontros multilaterais e as instituições internacionais.

Muros. A imigração, a política ambiental e fiscal são áreas igualmente problemáticas. É preciso, porém, olhar com clareza para evitar ater-se sobre distorções que abundam nesta era pós-veritativa. Bottum observa que “fora dos Estados Unidos, a questão da imigração aumentou excessivamente. Sou totalmente a favor de leis mais generosas e acolhedoras do que as atualmente em vigor nos Estados Unidos, mas é preciso dizer a verdade: esta administração não mudou radicalmente a política migratória vigente”.
No final das contas, o muro na fronteira com o México, símbolo Trumpaniano por excelência, não foi construído. O travel ban, que depois de três reformulações teve recentemente uma significativa – embora parcial – aprovação por parte da Suprema Corte, limita de modo temporário o ingresso de cidadãos de oito países (já fortemente limitados antes dessa iniciativa), tendo como base razões de segurança nacional. Em sua campanha eleitoral, Trump prometeu repatriar os cerca de dois a três milhões de clandestinos com ficha criminal (entre os cerca de onze milhões em todo o País), mas no primeiro ano de governo, a máquina da expulsão moveu-se muito mais lentamente do que o esperado. No governo de Trump, o ICE, agência federal que controla as fronteiras, repatriou mensalmente uma média de 17.500 imigrantes irregulares que cometeram delitos, contra 20 mil do ano anterior. Em 2012, os agentes expulsaram 34 mil por mês. Todavia, cresceu a prisão de clandestinos.

Casamento. Entre as decisões duramente criticadas pelos Bispos, no âmbito da imigração, está a drástica redução do número de refugiados que os Estados Unidos estão dispostos a acolher. Trump baixou para 50 mil o teto de ingressos anuais que Obama tinha fixado em 110 mil, e ameaça reduzir ainda mais esse número. A mudança de conduta em relação aos chamados dreamers, clandestinos que entraram nos Estados Unidos seguindo os pais quando eram menores de idade, categoria anistiada por Obama via decreto, também atraiu críticas de muitos, inclusive católicos.
O abandono do acordo de Paris sobre políticas para redução da emissão de gases desencadeou um terremoto político, e o último debate em que os Bispos se pronunciaram com vigor foi sobre a reforma tributária. O texto proposto pela Casa Branca, explicou a Conferência dos Bispos, “aumenta os impostos para os pobres e desonera os ricos, violando os princípios básicos de justiça”.
“É muito interessante notar que os Bispos, no modo de olhar para os problemas, não se deixaram condicionar pelo clima político: elogiaram Trump quando fez coisas boas do ponto de vista católico e o criticaram, até muito severamente, quando promoveu políticas incompatíveis com a doutrina social”, explica padre Thomas Reese, comentarista do National Catholic Reporter. “Essa liberdade, a meu ver, marca uma posição que contrasta com a de outros grupos, penso sobretudo nos evangélicos, que apoiam o Presidente a priori, mesmo quando diz exatamente o oposto do que diz o Evangelho”, continua o jesuíta americano, que cita o encontro de Trump com o Papa Francisco em maio passado como testemunha da possibilidade de um diálogo construtivo sobre alguns temas comuns, da liberdade religiosa à proteção dos cristãos do Oriente Médio: “Os meios de comunicação o descreviam como antipapa, como um personagem inadmissível, mas depois, quando se encontraram ficou claro que havia várias convergências sobre as quais dialogar. Essa é uma postura geral da Santa Sé, mas os meios de comunicação não a entendem: disseram que João Paulo II teve algum tipo de choque com Clinton, e escreveram a mesma coisa sobre Bento XVI em relação a Obama. Não houve dramas, mas muitos pontos de diálogo e pontos de desacordo reconhecidos com franqueza. De um modo geral, a Igreja sempre trabalhou melhor com os presidentes mais ‘distantes’”.
Há alguns meses, Reese tem se dedicado a uma análise dos textos dos comunicados dos Bispos Americanos sobre a imigração, encontrando uma série de expressões particularmente duras. Disseram-se “desencorajados”, “desiludidos”, “profundamente perturbados”, falaram do temor do “fanatismo”, de um clima de “intolerância”, de algumas decisões “alarmantes”, “devastadoras”, “danosas”. Essa mudança de tom marcou, segundo Reese, o “fim da lua de mel” com Trump em relação a alguns temas de interesse comum. Mas com uma nota reveladora: “Já que para os Bispos o casamento com Trump nunca aconteceu, será mais fácil sair silenciosamente do leito e desaparecer no meio da noite”.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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