Dos lugares mais distantes, as crônicas de um fato que continua a acontecer. O encontro com o cristianismo, na Coreia, como na Venezuela. Seguindo os “sopros” de uma história muito concreta
JAPÃO e COREIA DO SUL
Em uma sociedade que “apaga o humano”, a vida dos amigos de Tóquio, Hiroshima e Seul. Fiéis a um coração que não se cala...
“Esta semente minúscula do Movimento é sempre um testemunho para mim. E a fidelidade deles me leva às lagrimas”, escreve Mauro Biondi logo depois de voltar do Japão e da Coreia do Sul. Mora na Irlanda, mas é amigo das comunidades de CL no Oriente há muitos anos, uma ligação que nasceu graças às suas frequentes viagens de trabalho. Nas últimas semanas esteve em Tóquio, Hiroshima e Seul para viver com eles o Dia de Início de Ano.
Na comunidade de Hiroshima, são 18 pessoas: padre Arnaldo e padre Alberto, missionários do PIME, e todos os outros são japoneses. A maioria encontrou CL na paróquia; alguns, de outras formas, como Yoko. Ela é musicista. Na universidade, conheceu Sako, Memor Domini que foi uma das primeiras do Movimento a chegar no Japão. Um dia, há dois anos, estavam conversando e Yoko começou a chorar: “Eu não me sinto feliz nem mesmo quando toco”, disse: “Para que estou tocando? Para o que estou vivendo?”. A resposta de Sako foi convidá-la para a Escola de Comunidade.
O grito do coração nos coloca em movimento mesmo quando tudo parece fechado e achatado como acontece nas sociedades como a japonesa, que “apagam o humano”, diz Mauro: “São gaiolas douradas. A pessoa está em um mecanismo perfeito que deixa a vida linear da idade escolar à aposentadoria. Mas o coração é o coração. Transborda como a lava de um vulcão”. Pensa no que aconteceu com um amigo de Tóquio, cidade com 30 milhões de habitantes: uma noite, no metrô, onde nada destoa da precisão da chegada dos trens, vê um senhor bêbado. É óbvio como vai terminar: na última viagem o segurança o colocará na rua. Porém, ele o leva consigo e o acompanha até um albergue onde possa passar a noite. Mauro diz ao amigo: “Você foi providencial!”. E ele responde: “Não. Aquele homem foi providencial para mim, conectou-me com o Mistério”. “Em um mundo tão competitivo quanto o asiático”, continua Mauro, “a Escola de Comunidade ajuda a não sermos reféns das circunstâncias”. O texto trabalhado em todas as cidades foi o do evento do Dia de Início de Ano ("No início não foi assim!"): “Vimos, antes de mais nada, que é possível olhar tudo de frente”. O medo após da morte repentina do próprio chefe, a monotonia do trabalho, a incerteza total em relação ao futuro, a sensação de impotência diante dos moradores de rua que visita na caritativa.
O vazio e o Batismo. Para Marco, um italiano que mora em Tóquio e que abriu as portas da sua casa para receber o encontro, a meditação de Julián Carrón pareceu “escrita para mim”. E fala da novidade que foi a mudança para o Japão por causa do trabalho, de colocar tudo em jogo deixando os esquemas de uma vida “feita de belos hábitos”, da unidade que cresceu com Elena, sua esposa, e do desejo de que o fogo que se acendeu não se apague. Elena compartilha o pedido que mais a domina: “De manhã, acordo e faço o sinal da cruz, quase por hábito. E o meu dia começa”. As horas estão todas tomadas, muitos compromissos marcados, pegar as crianças na escola, depois as tarefas da casa, jantar, e cama. “Chega a noite, e mais um dia passou. Como a minha vida pode ser útil para a construção do Reino de Deus?”. Mariko, de Hiroshima, fala da preocupação com o marido, porque ele não tem fé. "Às vezes, é como se carregasse algo pesado que não consegue me dizer: vê-lo assim dói, e eu não sei o que fazer para que seu coração seja pleno. Uma amiga da comunidade propôs que todos os dias rezássemos uma Ave Maria por ele".
Na cultura japonesa expor a própria vida diante dos outros é a coisa menos provável. “As relações são muito formais”, conta Sako: “Outra característica é a extrema timidez e por isso é muito difícil que uma pessoa fale de si. Quando Mauro e os amigos de Taiwan vêm nos visitar, o que encontro é justamente o humano. Mauro nos ofereceu uma proximidade e falou de si”. O grande vazio que se vive nos relacionamentos leva muitas pessoas a se aproximarem da Igreja e, algumas vezes, a pedirem o Batismo, para pertencer a algo. “Mas o relacionamento com a realidade é sentimental”, continua Sako, “e, ao primeiro problema, se deixa tudo. Basta uma briga: se acontece com uma amiga, você não a vê mais. Não há outro caminho, não existe o perdão. Na Escola de Comunidade, nós nos ajudamos nisso: a amizade não é fruto de um esforço nosso, mas pedimos a disponibilidade de acolher o outro. Podemos não parar no incômodo que provoca em nós porque o Senhor nos dá isso para a nossa santidade, portanto, para a nossa felicidade. Essa é a educação de Dom Giussani”.
Mauro fica impressionado pelo modo como esses amigos vivem a necessidade do carisma, como esperam durante todo o mês para assistir a Escola de Comunidade de Milão. “O trabalho que fazem sobre o vídeo é para olharem para o ponto de unidade com a origem do Movimento”. A Assembleia com Carrón acontece na quarta à noite. Na quinta, Márcia, nipo-brasileira, também dos Memores Domini, tira um dia de folga para traduzir a gravação. Na sexta-feira, se encontram para assistir ao vídeo em italiano: a cada colocação, Márcia para o vídeo e faz uma síntese. Mas ouvem por inteiro o diálogo entre Carrón e cada pessoa que se coloca, mesmo sendo incompreensível para eles. “Todos nós queremos assistir para ver o que acontece ali. Todas as vezes, observo meus amigos prestando atenção, em silêncio, sem entender uma palavra, e me vem em mente o que Giussani dizia dos discípulos com Jesus: ‘Olhavam-no falar’”, diz Sako.
Na Coreia do Sul a semente do Movimento chegou sete anos atrás graças a uma família italiana: hoje, Francesco Berardi e a mulher, Antonietta, vivem na Malásia, mas o sinal que deixaram em Seul continua na amizade da pequena comunidade, que, no dia 19 de novembro, se encontrou com Mauro. É o único lugar do mundo em que o cristianismo floresceu graças a uma evangelização feita por leigos, por pessoas comuns, de modo espontâneo. E, também por isso, não há nenhuma estrutura para manter o pequeno grupo de amigos unidos, a não ser a fidelidade à história que os uniu, e à intuição que tiveram.
Hojiin e o furto. Há Maria e o marido que se converteu há dois anos e, no Batismo, recebeu o nome de Peter; e também Kyoung Su, que se tornou Alfred; há, ainda, James e outras 12 pessoas que compartilharam a preocupação com as tensões políticas e com a Coreia do Norte, a pressão sobre o trabalho em um mundo onde a felicidade coincide com a riqueza, e a necessidade de um lugar onde poder fazer as perguntas mais verdadeiras. Além deles, Mauro encontrou Hojiin, 23 anos. Um dia, durante um período de estudo na Holanda, foi assaltada. Ficou tão abatida que entrou numa igreja – há muito tempo não entrava em uma – e, ali, conheceu os padres de CL. Nunca mais os deixou. Agora que voltou à Coreia, quer continuar a experiência iniciada. “Conversamos com uma familiaridade impossível de se imaginar, embora não nos conhecêssemos”, diz Mauro, que, ao voltar da viagem, sabe que não levou algo a eles, mas recebeu. “Pude ver que Deus os escolhe, como escolheu Abraão, para se fazer conhecer. E ver o grande desejo que têm de permanecer na história que encontraram. Com o coração já esperando pelo próximo encontro...”.
VIETNÃ e TAILÂNDIA
Um almoço em Ho Chi Minh e dois amigos correndo o mundo desde os 26 anos... “Tinha me esquecido de que sou amado agora”
“É uma pequenez e uma mesquinhez pensar que o valor da vida esteja só no que a vida pode dar a mim”. Esta frase de padre Carrón no Dia de Início de Ano é um terremoto. Talvez ainda mais quando a vida pode oferecer tanto.
O Vietnã é um país em crescimento, é uma oportunidade contínua. Giovanni Zangani tem 35 anos, há quatro vive e trabalha em Ho Chi Minh. No início de novembro encontrou-se com alguns amigos: Stefano, Liz e Paolo, que, como ele, moram no Vietnã. Dois amigos da Tailândia e dois da Itália. “Foi verdadeiramente um novo início para mim. Percebi o risco de atenuar as perguntas mais profundas e de fazer coincidir o valor da vida e dos relacionamentos com aquilo que lhe oferecem. Você pode pensar com “generosidade” na sua família, nos amigos mais próximos...”. Mas o conceito de base para um expatriado é “estou aqui para fazer fortuna”. “Você se esquece de que é amado agora”, diz Giovanni: “Você se esquece de que é amado independentemente do resultado dos seus esforços. O encontro daquele dia e o desejo de Paolo e Iris de virem da Tailândia para nos encontrar, fez com que eu percebesse esse Amor gratuito”.
Paolo Tognini trabalha com exploração de petróleo: corre o mundo com sua esposa desde os 26 anos. Inglaterra, Líbia, Malásia, Vietnã e (há três anos) Bangkok. Conheceram Giovanni e Stefano quando moravam em Ho Chi Minh, mas continuam se fazendo companhia, se encontrando, “como e quando possível, para que todos possamos sentir fisicamente a presença do Movimento”.
Paolo lembra que nos primeiros anos no exterior, ele e Iris mantinham um laço com a Fraternidade da Itália sem considerar a possibilidade de viver uma amizade no lugar onde estavam. “Estávamos paralisados”. Mas, com o tempo, mudaram: “Se aprendemos algo, além de nunca fazer planos – ri –, foi viver os relacionamentos que se apresentavam a nós, sem esperar que ‘aconteça algo’. Até porque não acontece se você não mantiver a porta aberta”. E nunca, nem mesmo na Líbia, faltou uma amizade, ou pessoas com quem fazer um caminho, um lugar para fazer Escola de Comunidade: “Sempre ‘aparecia’ alguma coisa nos lugares onde estávamos. E não porque éramos nós. Mas porque precisávamos daquilo”.
A oração. Seu trabalho é encontrar novas jazidas: “A tentação de possuir, de ter o controle, é grande, mas o resultado nunca é previsível, muito menos o relacionamento com as pessoas que trabalham comigo e a tentativa de motivá-las, de não se medir pelos resultados”. A utilidade da vida como dependência de Deus foi, para ele, a provocação maior do Dia de Início de Ano: “Ajudamo-nos nisso: pedir como ponto de partida a presença viva de Jesus. Não o nosso ‘fazer’. Por isso é importante a oração, termos uma contínua postura de oração”.
Nas condições em que vivem, como expatriados, há tudo para se sentirem bem. “Para parar de buscar o ‘cêntuplo’”, acrescenta Paolo sem meios termos: “É fácil contentar-se. Mas chega a realidade e sobretudo esta amizade perguntando-nos qual o significado do que temos e do que fazemos”. Ele deve muito a essa vida correndo pelo mundo, mesmo sendo difícil, porque “cedo ou tarde você se cansa de bater o ponto. E precisa ser arrancado da rotina”.
Mas, no fundo, há um fato mais forte do que todas as considerações: tinha 14 anos quando encontrou Gioventù Studentesca; hoje, tem 58. Quando pensa nisso só tem a agradecer: “É evidente que o que me atraiu no início ainda está aqui”.
VENEZUELA
Uma peregrinação com todos, depois de dois anos sem se verem. “A necessidade foi a maior das crises”
Na Venezuela, o Movimento está presente em três cidades: Caracas, El Tocuyo (a seis horas da capital) e Mérida (a doze). Antes de o País se precipitar na crise, as comunidades costumavam se reunir pelo menos duas vezes por ano. Desde 2015 deixaram de fazê-lo: o custo do transporte e hospedagem tornaram-se inacessíveis e não havia segurança. “Mas a nossa necessidade foi mais forte do que essas condições”. Padre Leonardo Marius, responsável de CL, conta que decidiram fazer o Dia de Início de Ano nos dias 4 e 5 de novembro: 130 pessoas das 3 cidades encontraram-se em Barquisimeto depois de dois anos sem se ver.
Viajaram na sexta-feira, sacrificando o pouco dinheiro que tinham e um dia de trabalho, porque viajar à noite é muito perigoso por causa dos assaltos de gangues armadas. “Durante o dia também não é seguro, sobretudo se você leva comida: fazem você parar e roubam tudo”. Mas arriscaram, para irem juntos à Divina Pastora, a Virgem mais querida pelo povo venezuelano, para se colocarem em suas mãos, agradecer e fazer dois dias de convivência, assistindo o vídeo do Dia de Início de Ano e trabalhando sobre a proposta de Carrón.
“Quanto mais o tempo passava, mais o desejo de nos encontrarmos aumentava”, diz Ernesto, de Caracas: “Estamos redescobrindo o valor dos gestos do Movimento. Não podemos mais fazê-los de modo automático. A crise nos tornou conscientes disso”. Dos trinta milhões de venezuelanos, 70% vivem na pobreza; destes, a maior parte passa fome. As pessoas morrem em casa e também nos hospitais, por falta de remédios. A situação política está estagnada, surda às mobilizações populares dos últimos meses – quando milhões de pessoas saíram às ruas – que caíram no vazio. “O sentimento mais generalizado é o de derrota”, continua padre Leonardo, “de ter sido apenas uma perda de tempo”. Em um clima tão duro, observa comovido a esperança de seus amigos. Dentro da dificuldade da vida, que todos têm – das famílias com filhos aos jovens universitários –, vence o desejo de que a crise eduque seus corações. “Nestes dias que passamos juntos lembramos que podemos expor todas as nossas necessidades sem vergonha. Ninguém seria capaz disso. Mas em uma ‘realidade viva’ acontece um juízo novo sobre a vida, que rompe nossos bloqueios”. No domingo, depois da missa, voltaram “cheios de gratidão”. Por que tão gratos? Quando voltou para casa, em El Tocuyo, Nohemy disse: “‘Por causa do Deus da história’, como dizia o texto do Dia de Início de Ano. Na situação em que estamos vivendo, no meio de tudo isso... agradeço a este Deus porque me permite fazer um caminho e dar-me conta de como Cristo acontece na minha vida: através de rostos concretos, uma ajuda, um abraço, um sorriso, uma palavra. Sei que não estou sozinha, que Cristo é uma presença que existe”. A comunidade de El Tocuyo talvez seja a que passa por maiores dificuldades; fica em uma cidadezinha rural do Norte, aos pés dos Andes. No entanto, eles fazem caritativa: uma vez por mês, preparam almoço para 1.300 pessoas mais necessitadas que eles. Quando vai encontrá-los, padre Leonardo fica impressionado: “A pobreza deles é tão livre, tão cheia de esperança!”.
Ficou um pouco com eles depois do Dia de Início de Ano e cinco pessoas pediram para se inscrever na Fraternidade. “Este é um presente de Nossa Senhora. Vi naqueles adultos um desejo muito vivo de pertencer a uma história concreta... Cristo é tudo na vida deles. Mas, exatamente porque é tudo, precisam ainda mais de um lugar. Disseram-me: “Cristo tem um significado para nós graças ao carisma”. Em uma realidade tão difícil, há homens e mulheres que, ao invés de se desesperar ou apenas sobreviver, levam a sério que a própria vida e a dos outros são esperança para todo o mundo”.
Credits /
© Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón