Na última edição de Passos publicamos as palavras de Papa Francisco no discurso na Praça do Povo, em Cesena, no ano passado. O texto, de título “A política, dimensão essencial da convivência civil”, oferece um ponto de vista sobre a política que consideramos crucial e por isso foi proposto a todos como hipótese de trabalho e diálogo. Na assembleia mensal de Escola de Comunidade com padre Julián Carrón, realizada em Milão, em fevereiro, surgiram diversos exemplos sobre o que este trabalho tem ajudado no entendimento do “bem comum”. A seguir, trechos deste encontro, além de uma entrevista com Valdeci Antônio Ferreira, que dirige o trabalho das APACs, um modelo de justiça restaurativa, outro exemplo de serviço ao bem comum.
Nunca tinha levado a sério o trabalho sobre as eleições como neste ano. Comecei a estudar todos os textos que foram sugeridos para me aprofundar. A coisa mais bonita, em absoluto, foi ver tantas pessoas em minha volta que começaram a fazer um trabalho sério, partindo da própria experiência. Alguns partiram do relacionamento com os filhos, outros, das exigências do próprio trabalho, em uma comparação contínua. Em suma: esta sua proposta gerou um alvoroço sobre uma coisa, uma ocasião que muitos de nós – eu em primeiro lugar – sempre desejaram que passasse o mais rápido possível, não vendo a hora de tudo acabar. O movimento pessoal que essa provocação suscitou é o espetáculo da geração de um eu novo, desejoso de ser protagonista agora. Todo esse alvoroço gerou, a partir do trabalho de Escola de Comunidade, o desejo de nos encontrarmos para discutir sobre as eleições, não como iniciativa “habitual” do responsável, mas realmente como exigência pessoal de verificar esse caminho particular de cada um, para tomar consciência de como estamos em caminho dentro deste lugar que acompanha a história e nossa história pessoal, que se chama “Igreja”. Estou comovida e grata por esse passo totalmente inesperado.
Carrón: No envolvimento com as eleições podemos verificar se quem encontrou algo na vida continua buscando ou parou de buscar, e, nesse caso, como acontece com muitos, a desconfiança vence. É justamente diante dessa desconfiança que devemos verificar a nossa fé. Como nos lembrou o Cardeal Bassetti: “Como bispos, nos unimos antes de mais nada ao apelo do Chefe de Estado para superarmos qualquer motivo de desconfiança e de desafeição [a Igreja convida a não se deixar levar por essa primeira reação, como acontece] para irmos às urnas com um senso de responsabilidade para com a comunidade nacional”. Como realidade social e histórica, a Igreja convida a buscar “alcançar uma real colaboração a serviço do bem comum”, diz, ainda, o Cardeal Bassetti. A primeira contribuição que a Igreja nos dá, mesmo que desejemos com todo o coração – como dizia nossa amiga – que as eleições passem o mais rápido possível, é nos colocar em movimento. Sem um lugar que eduque a esse movimento, sem fazer um caminho, a pessoa pode se contentar com o que tem e, então, prevalece a desconfiança.
Uma pergunta que permanece e que está me colocando em movimento diz respeito à passagem sobre o “bem comum” do qual o Papa falou em Cesena: o que tem a ver o bem comum com o meu estar na escola, na família, com fazer compras ou pegar um resfriado? São duas palavras que inicialmente me correspondiam, mas que depois foram se tornando cada vez mais abstratas, enquanto sentia uma maior familiaridade com a palavra “subsidiariedade”, da qual mais facilmente reconheço os traços na minha experiência e que, para mim, conota melhor a dinâmica da caridade. Sim, porque o termo “bem comum” me parece ambíguo. Bem no fundo, o que desejo é a experiência humana de Jesus, do modo como sempre é repetida nas palavras da missa: “Ofereceu livremente a si mesmo”. Esta é a posição que queria para mim. Nada menos que isso. E este ímpeto de caridade que nasce no coração não é meu, faz com que eu me mova em direção a quem encontro, e o movimento de bem que experimento é por quem está diante de mim, em primeiro lugar. Não consigo entender o bem comum como valor universal capaz de gerar uma dinâmica de caridade, parece-me esconder alguns riscos.
Carrón: Esse ímpeto de caridade que faz você se mover em direção ao outro, esse movimento de bem que experimenta, o que é, senão o bem comum? Você se move por um bem que compartilha com o outro. Você sente em si um ímpeto em direção ao outro e nessa experiência descobre como o seu ímpeto se torna um bem também para o outro. Então, o termo “bem comum” começa a deixar de ser abstrato e torna-se algo concreto, para você e para o outro.
Eu dou aulas de literatura em um colégio, e quando li os panfletos de CL e da CdO sobre as eleições, cada afirmação contida ali me parecia distante da minha experiência, mas uma pergunta continuou ressoando dentro de mim: como posso não ficar olhando da varanda? Como ajustar as contas com uma realidade importante como as eleições? O fato de não ter uma indicação de voto do Movimento, me obrigou a prestar atenção ao que estava acontecendo ao meu redor. Um dia, veio ao nosso grupo de Fraternidade um jovem da nossa cidade que participa da Associação de Moradores e vive a política como algo muito importante. Contou como sempre teve em mente o bem das pessoas partindo das necessidades que via, a ponto de ajudar a retirar a neve quando havia necessidade ou fazer inspeção em todas as ruas do bairro para preparar um relatório sobre os postes com lâmpadas queimadas. Também contou como, em um congresso diocesano no qual havia um grupo de trabalho sobre política, conheceu pessoas de outros Partidos, mas que entendiam a política do mesmo modo que ele, ou seja, como um serviço. Assim, a partir disso, constituiu-se um grupo de pessoas empenhadas em política que se encontram mensalmente para não trabalharem sozinhas. Ouvindo tudo isso, pensei que eu também olho para as coisas desse modo na minha escola, como professora. Eu e outros professores nos encontramos periodicamente para jantar e discutir as necessidades que vemos na escola, para falar sobre o relacionamento com os jovens, com os colegas, com o diretor, para compartilhamos as coisas que nos acontecem, para nos compararmos partindo de um interesse e uma necessidade comuns. O grupo era pequeno, mas o número de participantes foi crescendo progressivamente porque a minha necessidade, na verdade, é a necessidade de todos. Esse é o meu modo de agir “politicamente” – no sentido etimológico – no lugar onde estou. Isso também me deu clareza em relação ao voto porque quero apoiar aqueles jovens que tratam a vida a partir dos mesmos pressupostos e necessidades que me movem. Este trabalho pessoal me levou a uma consciência cada vez maior da minha presença na realidade.
Carrón: Este é o resultado do trabalho que somos convidados a fazer: diante de algo que inicialmente sentia como distante da experiência, você experimentou o contragolpe e não conseguiu ficar olhando da sacada, como diz o Papa. Tudo o que você contou nasce justamente do pertencer a um lugar que a coloca em movimento na escola, diante das necessidades dos estudantes, assim como moveu aquele amigo político a procurar outros que compartilhassem do mesmo interesse pela política como serviço. Não é fechar-se no individualismo, porque há alguns “eus” que logo começam a gerar lugares, grupos onde esse movimento continua a acontecer e, aos poucos, começam a crescer.
A partir do convite do Papa a trabalharmos todos juntos pelo bem comum do nosso País, nasceu em mim a urgência de dizer a todos sobre a novidade de olhar que a minha experiência de fé me deu nestes anos, e por isso escrevi uma carta a um jornal. Leio algumas passagens: “Já há algum tempo está se afirmando a ideia de que o único meio através do qual nós, cidadãos, podemos realmente contribuir com a construção do bem comum, é delegar a responsabilidade política aos nossos representantes eleitos, como se neste nível as outras expressões da nossa pessoa, como o trabalho, a família, o tempo livre, etc, fossem colocados à prova, completamente não incidentes e irrelevantes. Trata-se, porém, de um juízo completamente parcial. Será que pensamos realmente que nossa única contribuição de cidadãos para o bem comum se reduza em colocar uma cruz numa cédula a cada cinco anos? Com isso, naturalmente não quero dizer que o momento do voto não seja importante para mim, mas que representa apenas uma pequena parcela da contribuição bem mais ampla que posso dar como homem para o bem comum do meu País. Penso de fato que, como minha contribuição para a história do povo ao qual pertenço, bem mais importante e decisivas são a intensidade e a paixão com as quais procuro sempre viver o meu trabalho, minhas amizades, meu empenho social, meu tempo livre, minha família e tudo o que o bom Deus me dá para viver junto com meus irmãos homens”. Para fazer isso, não foi necessário nenhum esforço, simplesmente fui atrás dos desejos que nasceram no meu coração diante das próximas eleições, por causa da experiência de fé à qual tenho a graça de participar.
Carrón: A experiência de fé não só não bloqueia a busca, mas a exalta. Essa é a primeira contribuição que a Igreja dá à nossa vida: nos oferece a possibilidade de pertencer a um lugar que constantemente faz com que todos nós, cada um de nós, nos interessemos por coisas que antes considerávamos abstratas em relação ao bem de todos.
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