A partir de um encontro não previsto, a possibilidade de realizar férias juntos, reunindo brasileiros, argentinos e uruguaios. Uma descoberta a cada dia, entre sol e chuva, aproveitando cada momento para aprofundar a própria história
Para nos aproximarmos ao que aconteceu entre os dias 15 e 20 de janeiro passado, na Vila Fátima, a acolhedora casa de retiros construída pelos Jesuítas no Morro das Pedras, Florianópolis, escutamos os relatos daqueles que responderam aderindo à proposta.
“Em um encontro nasceu a amizade com Alda, de Florianópolis. Foi a faísca que acendeu a iniciativa e começamos a explorar a possibilidade de concretizar o desejo de muitos de compartilhar férias com as famílias e com amigos na praia”, conta-nos o argentino Walter, de Santa Fé. Poucos meses depois, cento e vinte pessoas de idades muito variadas (quase a metade crianças e jovens universitários) e de diferentes lugares (Santa Fé, Rosário, Resistência, San Jorge, Lehman, Esperanza, Córdoba, Buenos Aires e até Montevidéu) seguem pelas estradas brasileiras rumo a Florianópolis, cada um vivendo sua aventura pessoal, transformada no saboroso conteúdo dos primeiros diálogos com os amigos, durante a calorosa recepção preparada por Cristina e Alicia para aqueles que iam chegando.
O passeio de reconhecimento do lugar contornando a lagoa próxima, por uma trilha pantanosa, em razão das chuvas recentes, indicou o “tom” da proposta e do desejo de protagonismo. “É algo que não teria feito sozinha”, afirma Laura. E isto se fazia evidente olhando Olga, a avó que caminhava acompanhada de seu neto Valentino, como se durante toda a vida tivesse sido exploradora de trilhas. Os rostos satisfeitos ao regresso da pequena caminhada mostraram que arriscar na realidade com outras pessoas se torna possível e permite avançar além dos próprios limites. O Padre Giorgio, que acompanhava as férias, alertou para que estivéssemos atentos ao nosso olhar, o qual pode realçar os obstáculos, ou então ultrapassá-los reconhecendo outra coisa, uma Presença que nos chama a ir mais além, através do que acontece.
Isto se pôde verificar quando um grande grupo de adultos e crianças em alegre caravana afrontou a bela e exigente caminhada que nasce na tranquila praia de Matadeiros, atravessando um morro por trilhas e pedras. O esforço foi premiado pela beleza da praia de Lagoinha do Leste, uma paisagem reservada só para quem se arrisca a chegar, passando por trilhas naturais. Francisco, um dos “caminhantes” ficou bastante surpreso: “Dou-me conta do que quer dizer abraçados por uma história particular: todos puderam chegar até aqui, como o Senhor cuidou de nós! Dei-me conta de que Ele está conosco”. O retorno de bote foi quase uma experiência de “resgate”, o descobrimento de outros caminhos possíveis, além dos visíveis ou imaginados.
Jogos e filmes. A chuva foi uma presença importante durante a estadia, e atrasou o encontro com a praia e o mar. É provável que haja também engrandecido o desejo. Porque quando foi possível, um time formado por crianças, jovens e adultos de todas as idades, ganhou a areia e se transformou em quatro povos que seguiam cada qual o seu rei: Saul, Davi, Salomão, Nabucodonosor. Foram tomando forma na areia os castelos de cada rei, escutaram-se salmos que cada povo entoava e o relato de histórias particulares, que formavam parte de uma mesma grande história particular. Era impossível não reconhecer nelas a história desse povo que se reunia na areia, fazendo memória e se encontrando movidos por esse “jogo”. Alicia, comovida pelo que ocorreu durante a manhã, comentava: “Voltou a acontecer! Ele esteve aqui!”.
Outro fato marcante foi a troca de vivências e experiências nas longas rodadas de mate nos pátios que, no âmbito destas férias, eram mais uma ocasião para “dar-se conta da presença d’Ele”, como destacou Walter na assembleia final.
O filme romeno “O Concerto”, com seus personagens caricatos realçando traços profundamente humanos, colocou-nos perante o drama cotidiano da relação entre a liberdade pessoal e o poder no caminho de ser e expressar o próprio eu, em contextos que impulsionam a violência da submissão. O concerto para violino de Tchaikovsky acabou servindo de pano de fundo de uma dramática busca da harmonia, que se apresenta finalmente como um dom esperado, para a sede que moveu cada busca pessoal nas histórias particulares dos personagens.
Uma ocasião muito significativa foi assistir a um vídeo de Dom Giussani, que nos aproximou com a força e a claridade de uma verdadeira “testemunha”, o “sim” que deu Pedro a uma pergunta que atravessou e atravessa ao longo da história todas as traições, infidelidades e impotências humanas. Uma pergunta que coloca o homem – todo homem –, ante a exigência de sua resposta pessoal, que reside no fundo de seu coração necessitado: “Pedro, tu me amas?”. E este “encontro” foi precedido pela leitura de fragmentos do livro sobre a vida de Dom Giussani (Alberto Savorana, Luigi Giussani. A sua vida. Ed. Tenacitas, Lisboa 2017), apresentando a modalidade cheia de maravilhamento, estima e espera com que ele entrava em relação com representantes significativos da cultura de sua época – contemporâneos ou não –, reconhecendo em suas experiências a sintonia com o mistério da vida e da busca humana. Eduardo Sánchez leu testemunhos da relação que estabeleceu Giussani com Giacomo Leopardi, Pier Paolo Pasolini e Charles Péguy, que lhe fez reconhecer neles uma humanidade tão desperta que podia se vislumbrar a vibração do humano como espera de Cristo. Por sua vez, Alejandro Bonet mostrou como a experiência do verdadeiro permitiu se reconhecerem próximos a Dom Giussani e o carisma que com ele nasce, e aqueles que são considerados representantes de uma expressão madura da fé no século XX: o agora Santo João Paulo II, o teólogo Hans Von Balthasar e o então teólogo, e logo Papa, Joseph Ratzinger. A amizade com cada um deles forma parte de momentos especialmente significativos na história particular de Luigi Giussani.
Depois de um momento que colocou todos frente às raízes vivas da experiência que seguimos, o vídeo do encontro do Papa Francisco com os sacerdotes, religiosas, consagrados e seminaristas em sua recente visita ao Chile, mostrou com a força “do que está acontecendo agora” que hoje a história continua para cada um de nós. E que, como Pedro, “não estamos aqui porque sejamos melhores, mas sim pela consciência de sermos homens e mulheres perdoados, e essa é a fonte de nossa alegria”.
Uma promessa de vida. Esta mensagem penetrou na experiência dos presentes com a força de uma promessa para a vida de cada um, o que foi notado na assembleia final. Monica retomou algumas das palavras de Francisco quando ele afirmou que quando Cristo morreu, os apóstolos podiam ficar remoendo a desolação ou olhar para frente. “Muitas vezes sonhamos e ficamos chorando pelo ocorrido, e nos esquecemos que a terra prometida está adiante, que a promessa é de ontem, porém é para o amanhã. E que somos convidados a ver a realidade como ela é”.
Também Eduardo se referiu ao encontro do Papa Francisco no Chile, afirmando: “Fiquei desarmado”. E continuou explicando: “Isso, educativamente, se produziu aqui nas férias. Às vezes, depois de tantos anos de Movimento, têm-se os ‘planos pastorais’ elaborados, mas é verdade que é outro quem tem de lhe tirar a fotografia, a selfie não serve. Parte da história são os amigos, aqueles mais próximos ou não. Contudo, recordei que lá longe, alguém me disse: isto é o que Cristo lhe dá, esta companhia. O Papa ontem gerou em mim grande comoção, porque me dei conta de que sou perdoado. O que mais corresponde ao meu coração é quando parto da minha ferida e me dou conta de que sou abraçado. Como nos disse Francisco, a consciência das feridas nos salva da auto-referencialidade, ou de nos crermos superiores”.
No momento da Assembleia final, como sinal dessa ordem misteriosa das coisas que nos leva para além de nossas fronteiras, as férias tinham se transformado em um encontro internacional. Não só porque éramos um grupo de argentinos reunidos no Brasil, não apenas pela presença de nossos amigos uruguaios, mas também porque nos acompanhavam os amigos de Florianópolis: Alda, Rogério, André e seus amigos. Também nos acompanhou Isabel, espanhola residente em São Paulo, que há alguns anos visita regularmente os amigos de Florianópolis, e pôde atuar como tradutora no testemunho que nos ofereceu Bracco, o responsável do Movimento no Brasil.
“Estamos chamados a nos adentrar nessa ordem misteriosa das coisas, para aproveitar a vida”, expressou Walter, introduzindo a assembleia final. O testemunho de Bracco nos ofereceu um fundamento importante para reconhecer a modalidade deste “entrar” na vida seguindo outro, que temos que redescobrir uma e outra vez. “O início da minha história particular foi sentir-me olhado, amado. A minha história é como um rio que sobe, baixa, se esconde, volta. Mas sempre há Alguém que me encontra de novo, me abraça, e volta a ocorrer para mim a experiência de ser amado. E é a misericórdia e o perdão que encontro neste abraço, o perdão do meu mal e meus pecados concretos, o que me faz desejar responder”. E acrescentou: “A história particular hoje é um lugar, um caminho, no qual é possível seguir. O que significa este ‘seguir’ de que nos fala Carrón? Ajuda-nos a imagem de uma vela que busca o vento. Nós não somos o vento, mas temos a vela, e depende de nós se pegamos o vento ou vamos ficar parados. Porque seguir não é algo automático, depende de mim, depende de eu buscar o vento. Buscar, não parar, seguir. Quem é que eu busco? A palavra de quem eu busco? Como a vela que procura o vento”.
Poderíamos afirmar que o mais importante que nos aconteceu nestas férias é, como disse Walter, que “nos demos conta da presença d’Ele”, como se fez evidente no olhar de Alejandro que, ajudando com a organização destes dias, indicava por sua comoção, que se dava conta da presença de Jesus. É a isso que somos chamados.
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