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Passos N.96, Agosto 2008

DESTAQUE - Meeting Rimini 2008

Ou protagonista ou ninguém

Por Davide Perillo

Marco Bersanelli é astrofísico, leciona na Universidade de Milão, colabora com o CNR (Conselho Nacional de Pesquisas da Itália) e com a Agência Espacial Européia, e trabalha ao lado do Nobel americano George Smoot. Coloquemo-nos em sua pele e o imaginemos em ação, enquanto está observando o universo: o que quer dizer ser “protagonista” para um pontinho chamado “eu” diante da imensidão do infinito?

O que o senhor pensou quando se deparou pela primeira vez com a expressão de Dom Giussani “ou protagonista ou nada?”
É mesmo uma expressão “giussaniana”, revela toda a veneração pela liberdade de cada pessoa, a urgência da defesa do eu típica de dom Giussani. Quando ouvi essa frase, fiquei imaginando o modo como ele a terá pronunciado, a chama em seus olhos e a ternura do seu gesto. Dom Giussani viveu como grande protagonista e comunicou uma experiência humana e cristã que deu a possibilidade, a muitas pessoas, de se tornarem protagonistas da própria vida. Não no sentido que se costuma dar a esse termo, baseado na imagem do astro de cinema iluminado pelos refletores do sucesso, ou do homem instalado no poder, mas no sentido de pessoas livres e contentes, decididas, desejosas de construir... É uma frase que, de cara, pode parecer um tanto exagerada, categórica, mas se nos detivermos um segundo sobre ela, entenderemos que é simplesmente verdadeira. Se a gente não vive até o fim o momento presente, de que vale o tempo?

Por que, na sua opinião, ela foi escolhida como título do Meeting? Enfim, de onde nasce a urgência histórica de abordar esse tema como fio condutor de um evento desse tipo?
O terceiro milênio começou sob o signo dos riscos globais, o terrorismo, a crise energética, o aquecimento global... Mas há um risco global do qual não se fala mas que talvez seja ainda mais insidioso: o risco de esvaziamento da pessoa, de desaparecimento do eu. É cada vez mais raro encontrar pessoas que percebem o sentido da própria irredutibilidade, da unicidade de cada existência humana. No século passado, as ditaduras procuravam sufocar a pessoa com o isolamento e a violência física, ao passo que hoje, paradoxalmente, isso é favorecido por um excesso de informação e de possibilidades de escolha. O povo é inundado por solicitações de todo tipo, por ritmos crescentes, e é exigido de nós cada vez mais velocidade nas respostas. Não existe mais um lugar ou um momento onde seja impossível trabalhar; por isso, a gente tem que trabalhar cada vez mais. Como disse Bento XVI, o homem, hoje, é ameaçado por um desequilíbrio entre as possibilidades que tem e a fraqueza de julgamento do coração. Não tenho muita intimidade com a internet e o telefone celular... Costumo dizer que num mar infinito de possibilidades, todas equivalentes, somos aparentemente mais livres, mas à falta de um apelo que diga respeito à humanidade de cada um, a pessoa fica, na realidade, cada vez mais confusa, humilhada, não percebe a direção ou o objetivo. Ao ponto de, para sentir que existe, crê que precisa se sacrificar por algum fiapo de poder ou de fama, que alguns afortunados têm de sobra.

Quanto à aspiração a ser “protagonista”, pelo menos verbalmente todos estão de acordo. Sobre o significado disso, porém, não há consenso. Em geral, o termo é tomado como sinônimo de fama, poder, sucesso. Ou, no máximo, como o famoso “quinze minutos de celebridade”. Aqui, ao invés, me parece que está em jogo um desejo muito mais radical... Quem é o protagonista de que se fala em Rímini?
Protagonista é o homem livre, consciente de si mesmo na relação com o real. Significa surpreender na própria experiência algo de irredutível, uma expectativa, uma capacidade de infinito que elimina qualquer redução sociológica ou pseudocientífica, e que nos leva a rejeitar qualquer esquema que pretenda enquadrar a pessoa. Mas essa consciência de si não é fruto de um raciocínio inteligente ou de um esforço moral, e sim despertada por algo que acontece fora de nós, por um encontro. O que faz a pessoa encontrar-se a si própria é o amor, uma presença extraordinária na própria vida, que afirma total e gratuitamente o seu ser. O cristianismo é esse convite inesperado que muda a nossa vida, é o encontro com alguém que nos olha e nos diz “até os cabelos da tua cabeça estão contados”. Isso me faz dizer “eu” com uma ternura e uma dignidade que de outro modo seria inconcebível. Alguém que se sente olhado assim torna-se um sujeito infatigável, um protagonista de positividade, tenderá a construir pedaços de mundo melhor nas circunstâncias da vida, pequenas ou grandes, quase que sem querer. Porque, como disse uma vez dom Giussani, as forças que mudam a história são as mesmas que mudam o coração do homem.

Mas qual a relação entre o ser protagonista e o ser, de qualquer modo, reconhecido pelos outros?
Na verdade, o protagonista – de um modo ou de outro – é alguém que pode ser reconhecido por um poder que exerce sobre os outros, ou por sua vida expressar “algo mais” de humanidade, por ser irresistível, positivo. Isso vale para qualquer nível, na política, na academia, no poder eclesiástico, mesmo entre nós. Podemos ser reconhecidos enquanto detentores de um poder ou enquanto testemunhas de uma humanidade invejável. Mas só uma dessas duas modalidades é fonte de verdadeira satisfação.

Causa impressão também a outra alternativa da frase, esse “nada”. O que significa, na sua opinião?
Nós vemos isso muito bem em nossa sociedade: onde se perdeu a liberdade, onde se negou o Mistério que torna único e irrepetível o rosto de um homem, o valor da pessoa tende a cair a zero. Aliás, se o homem não é relação com o infinito, o que resta dele? Nada: é um pedra que rola, um punhado de matéria movido pelas forças da natureza... O que somos nós no universo? Se há uma coisa que a ciência moderna nos faz ver com clareza e dramaticidade é o abismo da vastidão do universo, a potência das suas forças, a imensidão do espaço e do tempo, no seio dos quais o ser humano é um instante risível, um ponto invisível. Há algo em cada pessoa que domina o confronto com o universo? Gente como Pascal ou Leopardi ou Dostoiévski compreendeu muito bem que todo homem tem uma grandeza incomensurável, “de outra ordem”, que supera qualquer medida finita, e é precisamente a sua irredutível e direta relação com o Mistério criador. Tire isso, e já não há como racionalmente nos defendermos da mercantilização dos corpos e das almas.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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