Vai para os conteúdos

Passos N.104, Maio 2009

UNIVERSIDADE - SIMPÓSIO NO BRASIL

O coração? Igual para todos em todo o mundo

por Francisco Borba e Isabella S. Alberto

Professores universitários de diversos países e instituições reuniram-se em Belo Horizonte para discutir a “experiência elementar”. Dois dias intensos, de descoberta e maravilhamento por aquela intuição de Dom Giussani que contribui para o desenvolvimento de vários campos de conhecimento

“O centro e o todo” foi o título do Simpósio realizado em Belo Horizonte nos dias 18 e 19 de março na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Organizado pelo professor Miguel Mahfoud, docente de Psicologia na mesma instituição, o encontro teve como tema a “experiência elementar”, aquele ímpeto original definido por Dom Luigi Giussani como “motor de cada ação humana”. “Faz alguns anos que eu analiso esta temática no contexto da minha disciplina, e confrontando-me com outros estudiosos, nos demos conta de que as exigências de que fala Dom Giussani, além de serem comuns a todos os homens, são a base de numerosas disciplinas”, explica Miguel.
No auditório, jovens e adultos de diversas áreas de formação, por dois dias participaram atentos das conferências e mesas-redondas que compuseram o evento. Ali se alternaram especialistas de vários âmbitos, vindos de diversas partes do mundo (ver programa no quadro anexo).

A MATURIDADE DE UMA CAMINHADA. Já faz muitos anos que dois jovens psicólogos – ele brasileiro, ela italiana – começaram a aprofundar juntos o significado, para seu trabalho profissional, do conceito de “experiência elementar”, que estudavam nas Escolas de Comunidade (reuniões de catequese permanente do Movimento Comunhão e Libertação). Hoje, são os professores Miguel Mahfoud, organizador do evento, e Marina Massimi, da Universidade de São Paulo, campus Ribeirão Preto, que fez parte da sua Comissão Científica. Esse dado pessoal não é secundário na apresentação de um Simpósio como foi “O centro e o todo”, pois, quando se fala em experiência elementar, a vida das pessoas, com toda a sua riqueza, não é algo que se coloca à parte da reflexão, mas faz parte do tecido mesmo da produção intelectual. Assim, a primeira riqueza a ser percebida, nesse Simpósio, é que a vida cristã - levada a sério em sua profunda exigência de compreensão do que nos aconteceu - gera categorias e reflexões capazes de produzir cultura e conhecimento mesmo nos âmbitos mais rigorosos do mundo acadêmico.
Assim, o professor Miguel e a equipe organizadora do evento reuniram um time de especialistas interdisciplinar e internacional, que foi capaz de mostrar como a experiência elementar pode nos ajudar a compreender melhor todos os aspectos da realidade. Neste Simpósio não faltaram a fundamentação filosófica, dado pelos professores Carmine Di Martino e Costantino Sposito, da Itália, entre outros; o encontro entre culturas, abordado pelos professores John Zucchi, do Canadá, e Shodo Habukawa, monge budista japonês e professor da Universidade de Monte Koya; as questões bioéticas, vistas pelo professor Dalton Ramos, docente de Bioética na USP e membro da Pontifícia Academia para a Vida; as implicações sociais, analisadas por Dom Petrini, da UCSAL, e por José Eduardo e Marco Aurélio, que trabalham nas periferias pobres de Salvador e Belo Horizonte; e a relação com as ciências exatas, abordada pela professora Guiomar Ruiz, da Espanha. Esses e muitos outros mostraram que a experiência elementar é uma chave de leitura fundamental para todas as dimensões do conhecimento humano.

A FORÇA DA EXPERIÊNCIA ELEMENTAR. As pessoas não precisam ser cristãs nem católicas para compreender e usar o conceito de “experiência elementar” em suas reflexões. A experiência elementar é aquele desejo de realização, felicidade, beleza, justiça, que está na base de todo agir humano, como dizem os textos de Dom Giussani. Poderemos constatar que, em função dos caminhos e descaminhos das culturas em todos os tempos e lugares, essa experiência se apresenta de formas diversas e, à primeira vista, até conflitantes – mas, sempre que procuramos estar realmente com o outro, superar as aparências e fazer um encontro verdadeiramente humano, descobrimos que, por trás das aparências, encontramos sempre esse mesmo desejo de realização. Maria Teresa Ferla, médica psiquiatra italiana, falando de sua profissão, afirmou durante o Simpósio que “tudo muda quando um homem coloca-se ao lado de outro homem que sofre, que está ali com toda a sua experiência elementar. Se não nos envolvermos com a pessoa que temos diante de nós nunca mudaremos nada”.
Por isso, numa sociedade que fala em tolerância e diálogo, mas se vê cada vez mais incapacitada de viver encontros humanos reais, a experiência elementar se torna um conceito exemplar para iluminar todas as dimensões da existência. Resgata o que é mais íntimo de cada um de nós, ao mesmo tempo que dá a nossa intimidade um respiro universal – pois nos ajuda a reconhecer o que temos em comum com o outro. Foi isso que o educador Marco Aurélio apresentou ao falar de seu trabalho como professor de música para crianças: “O conceito de experiência elementar nos ajuda a olhar o outro com uma abertura imensa. Procuro ser um adulto que introduz um olhar positivo sobre a realidade, mostrando a beleza, porque o que os nossos olhos captam nos dão força”.
Partir da experiência elementar supera todos os moralismos – pois permite uma ética que nasce não de imposições externas, mas do desejo mais profundo de nosso coração – e todos os relativismos, uma vez que cria um ponto de partida que nasce da nossa experiência para aprofundarmo-nos no caminho que leva à verdade. Emanuele Colombo, pesquisador italiano contou de seus estudos sobre os Jesuítas e a Companhia de Jesus, exemplificando como eles apresentavam a própria cultura sem negar a do outro, como fez o missionário Mateus Ricci, na China. Usando uma bonita expressão, Emanuele identificou a experiência elementar como “o sensor do homem”.

A BELEZA DE UM POVO. Mas, para quem participou, foi forte a experiência do encontro dessa reflexão acadêmica de alto nível com a experiência de um povo que se encontrava e celebrava junto a alegria e a beleza do conhecimento. O segredo de um evento bem sucedido vai além da qualidade dos expositores e de suas exposições. Ele depende dos encontros que acontecem nas refeições, nos corredores, do sorriso e das manifestações de alegria que são trocadas nos momentos extra-oficiais. Não se trata de detalhes secundários, emotivos ou formais: é que a verdade só se manifesta realmente quando mostra a beleza do real e a sua adequação ao coração da pessoa – e aí, não há como não ficar alegre e comovido.
Por isso, os cerca de duzentos participantes não se cansavam de se alegrar e de elogiar a tudo e a todos, desde o palestrante mais ilustre até a pessoa que exercia o trabalho mais simples na equipe organizadora. Não era o debate de um tema abstrato, mas um povo que refletia e celebrava junto a sua vida.
E, estando em Minas Gerais, não há alegria que não se celebre ao som da música e das tradições mineiras. Daí o show de Chico Lobo, o violeiro que conhece tudo de música mineira, mas que também é o amigo que compartilhava a alegria junto com todos os demais, e um concerto de música colonial brasileira e latino-americana.

RESUMO DA PROGRAMAÇÃO

Quem falou o quê...

• Carmine Di Martino. Università di Milano, Itália: A base antropológica.

• John Zucchi, McGill University, Canadá: As origens cristãs do multiculturalismo.

• Shodo Habukawa, Koyasan University, Japão: Da educação à experiência mística: budismo e cristianismo.

• Giorgio Vittadini, Università di Milano (Bicocca), Itália: Subsidiariedasde – antropologia positiva e organização social.

• Costantino Esposito, Università di Bari, Itália: Para uma história do conceito moderno de experiência em Kant.

• Dalton Luiz de Paula Ramos, Universidade de São Paulo, Brasil: Bioética personalista e experiência elementar.

• Dom João Carlos Petrini, Universidade Católica de Salvador, Brasil: Experiência Elementar, ponto de encontro entre intencionalidade subjetiva e contexto sociocultural: as relações familiares entre liberdade individual e condicionamento social.

• Juliana Pasquarelli Perez, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil: Experiência elementar e literatura: esboço de uma teoria.

• Guiomar Ruiz, Universidad Politécnica de Madrid, Espanha: Do fascínio ao conhecimento científico.

• Marco Bersanelli, Università di Milano, Itália: Rumo às fontes do conhecimento científico.

• Marina Massimi, Universidade de São Paulo (Ribeirão Preto), Brasil: O conhecimento por introspecção e a redução da experiência nos inícios da psicologia moderna.

• Emanuele Colombo, Università di Milano, Itália: Universalidade de Deus e universalidade da razão nas missões jesuitas nos séculos XVI a XVIII.

• Giovanni Maddalena, Università di Molise, Itália: Um pensamento sintético, para além de Kant.

• Miguel Mahfoud, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil: Experiência elementar e núcleo da pessoa: contribuições de Luigi Giussani e Edith Stein.

• Rodrigo Coppe Caldeira, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Brasil: Vir desideriorum: a experiência da Vida como abertura ao significado do todo.

• Maria Teresa Ferla, Università di Milano (Bicocca), Itália: Qual é a liberdade nas psicoses?.

• José Eduardo Ferreira Santos, Universidade Federal da Bahia, Brasil: A beleza como forma de expressão e enfrentamento às situações de violência na juventude da periferia.

• Marco Aurélio Cardoso de Souza, Obras Educativas Pe. Giussani, Brasil: Música, educação e liberdade.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

Volta ao início da página