Passos N.90, Fevereiro 2008

EDITORIAL

Aquela desconhecida realidade conhecida

Trechos da entrevista de padre Stefano Alberto a Ubaldo Casotto, publicada no jornal italiano Il Foglio em 15 de dezembro de 2007. Nós os sugerimos como introdução à leitura da encíclica Spe salvi, que segue como brinde nesta edição.

O Papa nos convida, nos desafia a perguntarmo-nos o que realmente desejamos. “Então, o que queremos na realidade?… O que é, na verdade, a vida?” (n.11) são perguntas que evocam aquela do Evangelho de João (1, 38) dirigida por Jesus aos dois primeiros que o seguiram: “O que procurais?”. O Papa recoloca o homem diante dessa pergunta que traduz a imensidão do seu desejo, porque, cita Santo Agostinho, “não sabemos realmente o que queremos…”. Ao mesmo, tempo Bento XVI pede ao pensamento contemporâneo que preste contas pela redução que operou, do vínculo cego que eliminou a exigência de infinito do homem, exaltando o seu desejo individual, mas na verdade colocando uma grande suspeita sobre ele, pois não lhe oferece horizonte nem perspectiva, não lhe dá profundidade, busca resolver tudo no breve instante. Enquanto que, parafraseando Cesare Pavese em A tarefa de viver, “aquilo que o homem busca nos prazeres é um infinito e ninguém nunca renunciaria à esperança de alcançar esta infinitude”. (...)

“Deus expande o nosso desejo”, diz citando ainda Santo Agostinho. No fundo, a esperança cristã não é nada a mais do que a esperança do desejo humano, mas no seu conteúdo carrega um mundo diferente (não um outro mundo), a certeza da presença de Cristo. Assim, o desejo humano levado a sério na sua raiz profunda, no seu potente dinamismo grita o infinito: “Algo que não conhecemos e para o qual nos sentimos impelidos”, diz o Papa. A um certo ponto Bento XVI usa uma definição esplêndida, que demonstra o quanto ele é livre e corajoso: “Desconhecida realidade conhecida”. (...)
A fé que se torna esperança “atrai o futuro para dentro do presente”. É a reafirmação da possibilidade de experiência cristã e, junto a isso, a denúncia da redução da fé e da esperança a vontade subjetiva. A esperança olha o futuro a partir de uma certeza presente. A esperança cristã é uma posse certa, esta certeza é Cristo, reconhecido como presente agora. (...)

O Papa liberta Cristo da constrição de moralista ou de profeta escatológico, a qual muitos exegetas gostariam de enquadrá-lo, reduzindo-o, em última análise a um personagem “estranho”, estranho às verdadeiras perguntas do homem. Pelo contrário, Ele é uma presença dramática, que nos pede contas do nosso verdadeiro desejo, que nos introduz ao fundamento da realidade. E o faz com perguntas radicais: “O que procurais? De que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, se depois perde a si mesmo? O que dará o homem em troca de si?”. Cristo, caminho, verdade, vida, é o amante do destino do homem que leva a sério o seu desejo de felicidade mesmo através e além da morte. Diante desta reafirmação da positividade do desejo do homem, a dúvida – a qual muitos intelectuais aclamam como exclusiva condição metodológica de descoberta e de conhecimento – aparece como o congelamento do próprio desejo. Ao invés, diz Bento XVI, cada desejo é profecia de infinito, como havia intuído Giacomo Leopardi no hino À sua mulher, cuja beleza o re-enviava à raiz última, à Beleza sem a qual nenhuma outra beleza existe. Leopardi grita, “amante desconhecido” da Beleza pressentida (e por isso é profeta de Cristo, como sempre nos indicou sugestivamente Dom Giussani): “Se das idéias eternas / A única és tu, a que de sensível forma / Despreze do eterno seio estar vestida …”. O drama consiste em levar a sério até o fundo a sugestão desta forma sensível.