Um Estado que sustente o bem dos homens. É a isso que a política deve aspirar. O sociólogo Francisco Borba, responsável executivo do Núcleo Fé e Cultura da Arquidiocese de São Paulo, faz algumas considerações sobre esse tema
Não basta um partido chegar ao poder para que a sociedade mude. Essa foi uma das ilusões recentes mais danosas à vida pública no Brasil. Pouco adianta um partido considerado transformador chegar ao poder se não existe um tecido popular, um conjunto de forças sociais, que lhe deêm sustentação e indiquem um rumo para sua atuação.
Por isso, a Doutrina Social da Igreja costuma valorizar tanto os “corpos intermediários”, referindo-se a todas as instituições sociais que se situam entre a pessoa e o Estado, tais como família, escola, organizações não-governamentais e outras associações, sindicatos e partidos. Numa sociedade democrática, é a ação integrada de todos esses agentes que permite a transformação da sociedade.
Como a sociedade é pluralista, e os interesses dos grupos sociais são diversos e muitas vezes contraditórios, é o elemento cultural que permite que essa ação integrada aconteça em relação aos princípios e objetivos que são identificados como construtores do bem-comum. A concepção que temos de nós mesmos, do que é belo, bom e justo para nós e para aqueles aos quais amamos, nos leva a fazer opções que muitas vezes sacrificam nossos interesses imediatos, ou nos tiram de uma posição de acomodação e conforto individual, para lutarmos pelo bem-comum.
Uma cultura política construtora do bem-comum se baseia nas exigências mais profundas que se encontram no coração de cada ser humano. São essas exigências que nos tiram do individualismo e do imobilismo e nos levam à construção de uma sociedade solidária. Essas exigências são naturais, mas não espontâneas – quando as descobrimos, percebemos que correspondem profundamente ao nosso desejo, mas essa descoberta não acontece de forma espontânea como a percepção da fome ou do sono.
As exigências de nosso coração se tornam evidentes dentro de um caminho educativo que nos torna conscientes delas mesmas. Dentro desse caminho, descobrimo-nos chamados a ser protagonistas e construtores de uma realidade solidária na sociedade. Por isso, os mecanismos de dominação, nas democracias modernas, passam justamente por anular a percepção dessas exigências, em cada pessoa.
A cultura moderna procura silenciar essas exigências e esse desejo de nosso coração substituindo-os por necessidades fragmentadas, que são reais, mas facilmente manipuláveis. Assim, por exemplo, o desejo incondicional de amor que existe em cada um é substituído pela necessidade de não ficar sozinho ou de obter prazer no envolvimento com um outro; a exigência de justiça e de reconhecimento de uma dignidade universal a todos é substituída pela necessidade de segurança individual e da dignidade que vem do êxito profissional.
A família é o espaço privilegiado onde a pessoa descobre que sua realização pessoal não acontece de modo autônomo e individualista, mas sim no amor, na doação ao outro e na solidariedade. Por isso, a Igreja sempre insistiu que fortalecer a família é fortalecer a solidariedade e defender o bem-comum. Por isso, também a cultura moderna se coloca contra a liberdade ao valorizar uma autonomia que não reconhece a existência do outro e enfraquece os vínculos familiares.
Portanto, em relação a essas posições, pode-se falar de uma prepotência imposta à realidade, antes de tudo, humana, “perseguida pela redução sistemática dos desejos, das exigências e dos valores”, retomando uma expressão usada por Dom Giussani em um encontro sobre política em Assago, na Itália, em 1987.
Se o ataque em curso tem a ver com a própria concepção de pessoa, a resposta não pode estar senão naquele nível e partir, também no plano político e econômico (como disse ainda Dom Giussani), da aposta na “irredutibilidade da consciência às instituições”, da “cultura da responsabilidade” que “deve manter viva aquela posição original do homem da qual brotam desejos e valores” e que, por isso, não pode deixar de partir do senso religioso, “este elemento dinâmico, este fator fundamental que se exprime no homem por meio de perguntas, anseios, solicitações pessoais e sociais”. Daqui pode nascer uma base sólida de sociedade porque o senso religioso é “a raiz da qual brotam os valores. Um valor, em última instância, consiste na perspectiva da relação entre algo contingente e a totalidade, o absoluto” e permite olhar a realidade de maneira adequada, enfrentando as necessidades nas quais se encarnam os desejos, imaginando e criando estruturas operativas capilares e oportunas que chamamos de “obras” (“formas de vida nova para o homem”, como disse João Paulo II no Meeting de Rímini de 1982), em que se tem presente que o objetivo de toda realidade social, inclusive de uma empresa, é a felicidade de quem trabalha nela e o bem estar coletivo de toda a sociedade.
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