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Passos N.88, Novembro 2007

EXPERIÊNCIA - Brasil / Entrevista

Recomeça-se de Aparecida

por Renato Farina

Com a visita do Papa, um país inteiro voltou a se dar conta de Cristo. Eis as conseqüências disso segundo João Carlos Petrini e Filippo Santoro


“A visita de Bento XVI ao Brasil e, sobretudo, a Nossa Senhora da Conceição Aparecida, em maio último, foi um evento que colocou diante do povo e dos Bispos algumas coisas decisivas. Elas estão no título que o Papa escolheu para esse encontro e para a Assembléia Geral dos Bispos latino-americanos: ‘Discípulos e missionários de Jesus Cristo’. Tudo nasce de uma atração. Cristo atrai as pessoas e os povos com a sua beleza e humanidade excepcionais e a Aparecida é a Virgem, ícone da Igreja, que acolhe, e é mãe, lugar da experiência do amor”.

Quem nos diz isso é Dom João Carlos Petrini, Bispo Auxiliar de Salvador. Ao seu lado, confirmando suas palavras, está o Bispo de Petrópolis, Dom Filippo Santoro. Este diálogo aconteceu em agosto passado durante a Assembléia Internacional de Responsáveis de Comunhão e Libertação, em La Thuile.



Como era a situação antes da chegada do Papa? Como o Papa conduziu o discurso? Entre nós se diz: a Igreja Católica colocou de lado a Teologia da Libertação que subordinava a fé ao marxismo, mas é assolada pelas seitas.

Petrini: O maior jornal brasileiro, a Folha de São Paulo, fez uma pesquisa, que saiu logo depois da visita do Papa. Os que se declaram católicos somam 74% dos 180 milhões de brasileiros. Entre 1991 e 2001 esse índice tinha caído de 83% para 73%: parecia um processo irreversível. Ora, até os jornais que olham a Igreja com desconfiança admitem: algo aconteceu, confirmando o que as últimas pesquisas relatam. A Igreja voltou a falar de Jesus Cristo. O Papa Ratzinger fez isso e suscita a isso. Esta é a grande novidade.

Santoro: O Papa veio ao Brasil e nos disse: “A Igreja cresce por atração”. Leio o seu discurso: “A Igreja sente-se discípula e missionária deste Amor: missionária apenas enquanto discípula, quer dizer, capaz de se deixar sempre atrair com renovado estupor por Deus, que nos amou e nos ama primeiramente (cf. 1Jo 4, 10). A Igreja não faz proselitismo. Ela se desenvolve mais que tudo por “atração”: como Cristo “arrasta todos a si” com a força do seu amor, que culminou no sacrifício da cruz, da mesma forma a Igreja cumpre a sua missão”. E foi belíssimo porque isso, depois, foi repetido dez vezes por dia durante a V Conferência dos Bispos, que aconteceu de 13 a 30 de maio. O Papa deu o “lá”: “A Igreja cresce por atração”. Isso começa a vencer. Por um lado, há o moralismo um pouco rançoso que vem das gerações passadas. Mas por outro, é possível, agora, falar do fascínio de Jesus Cristo, da atração por uma vida cristã que é cheia de beleza, de significado, que responde às exigências do coração de cada homem.

Petrini: Esta impostação, antes, era vista como restrita a alguns grupos. Quem falava do fascínio de Jesus Cristo? Só alguns Movimentos. Talvez apenas um. Agora, isso começa a se tornar uma temática de toda a Igreja.



Na Itália nós conhecemos Nossa Senhora Aparecida, principalmente pela música Romaria uma canção onde um homem pede para ser olhado por Nossa Senhora.

Santoro: A visita do Papa foi um reacontecer desse olhar. Ele o tinha, e ele o mostrou vivo, hoje, como o ponto de partida da nossa presença no mundo. Todos os cinco dias de encontro com Bento XVI foram, em seu conjunto, uma experiência de paternidade vivida. O Santo Padre, até então, tinha sido apresentado como um rígido defensor da ortodoxia, fechado, doutrinário, severo. Todos os encontros, ao contrário, mostraram a amabilidade do Sucessor de São Pedro, a facilidade de encontro, a simplicidade do diálogo, particularmente no encontro com os jovens, especialmente com aqueles da comunidade de tóxico-dependentes “Fazenda Esperança”, em Guaratinguetá. Todos viram este Papa que abraça as crianças, conforta os drogados, está junto com o povo, quebra o serviço de ordem para se encontrar com os ex-tóxico-dependentes. Todos esses momentos também deram ao grande público a imagem de uma cordialidade, de uma bondade, de alguém que vem abraçar as pessoas. É claro que também aconteceram os discursos doutrinários precisos, sobretudo no encontro do Papa com todos os Bispos do Brasil na catedral de São Paulo. Quer dizer, encontros que definiram pontos precisos de referência. Mas isso não era uma outra coisa em relação à “atração de Cristo”.



Quais são os perigos que o Papa apontou na vida da comunidade cristã hoje? Qual foi a sua proposta de valorização daquilo que está presente agora?

Petrini: O Papa não apontou a questão das novas denominações religiosas (não se deve usar “seitas”, é depreciativo) como a mais importante. A questão grave é o secularismo, o afastamento da presença do Mistério na vida cotidiana. Esse é o ponto que deve ser atacado. Não só nas pastorais das paróquias e de muitas dioceses no Brasil, mas talvez em todos os lugares, há, de um lado, uma vertente que ainda insiste sobre o empenho social ocultando a dimensão do relacionamento com o Mistério, separando-o da dimensão profundamente religiosa. E há uma outra vertente que insiste sobre o relacionamento com o Mistério e sobre a experiência da fé como fato puramente emocional. A grandeza do Papa foi conseguir fazer vibrar o coração, suscitar comoção pela facilidade de relacionamento e de abraço dentro de uma extraordinária clareza de juízo.

Santoro: O ponto fundamental foi a experiência de Aparecida do Norte, a intuição do Papa em reunir os Bispos ali, na presença da Mãe de Deus, sinal do Mistério próximo, perto dos mais pobres e, ainda, a Conferência dos Bispos que se realizou “abraçada” por trinta mil pobres na sexta-feira, oitenta mil peregrinos no sábado e cento e dez mil no domingo... Todos os Bispos viram que ainda existe um povo cristão cheio de fé. Um povo cristão que abraça os Bispos. Nada que se possa comparar com a dita Igreja popular, baseada na ideologia, para quem, segundo a Teologia da Libertação o pobre é o sujeito que transforma a história. A Conferência de Aparecida disse, seguindo Bento, que o sujeito que transforma a história é o homem de Fé. Que pode ser pobre ou rico - a grande maioria é pobre -, porém, é a experiência da Fé. A beleza da Fé. A síntese de Aparecida, em duas frases é: a alegria de ser discípulos e a alegria de anunciá-lo a todos.



“Vocês crêem no Deus Amor: esta é a vossa força que vence o mundo, a alegria que nada nem ninguém pode tirar a paz que Cristo conquistou para vocês com a sua Cruz! Esta é a fé que fez da América Latina o ‘Continente da Esperança’. Não é uma ideologia política, nem um movimento social, nem tampouco um sistema econômico; é a fé no Deus Amor, encarnado, morto e ressuscitado em Jesus Cristo, o autêntico fundamento desta esperança”.
Bento XVI, da Homilia na Esplanada do Santuário de Aparecida,
13 de maio de 2007

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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