O tema do Congresso é: “Jesus é o Senhor. Educar para a fé, o seguimento e o testemunho”; trata-se de um tema que diz respeito a todos nós, porém, o verbo “educar”, inserido no tema do Congresso, subentende uma especial atenção às crianças, aos adolescentes e aos jovens, enquanto põe em evidência aquela tarefa que é própria, sobretudo da família. (...) Desde o início, os discípulos reconheceram em Jesus ressuscitado aquele que é nosso irmão em humanidade, mas é também um só com Deus; Aquele que, com a sua vinda ao mundo e em toda a sua vida, na sua morte e ressurreição nos trouxe Deus, tornou Deus presente no mundo de maneira nova e única: Aquele que dá significado e esperança à nossa vida. Com efeito, nele encontramos o verdadeiro rosto de Deus, aquilo de que realmente temos necessidade para viver.
Educar para a fé, o seguimento e o testemunho quer dizer ajudar os nossos irmãos, ou melhor, nos ajudarmos uns aos outros a entrar num relacionamento vivo com Cristo e com o Pai. É esta, desde o início, a tarefa fundamental da Igreja, como comunidade dos fiéis, dos discípulos e dos amigos de Jesus. A Igreja, corpo de Cristo e templo do Espírito Santo, é aquela companhia confiável em que somos gerados e educados para nos tornarmos, em Cristo, filhos e herdeiros de Deus. Nela recebemos aquele Espírito, “pelo qual chamamos: Abbá, Pai!” (Rm 8, 15). Ouvimos agora, na homilia de Santo Agostinho, que Deus não está distante, tendo-se tornado “caminho”, e o próprio “caminho” veio até nós. Ele diz: “Levanta-te, indolente, e começa a caminhar!”. Começar a caminhar quer dizer empreender o “caminho”, que é o próprio Cristo, em companhia dos fiéis; significa caminhar, ajudando-nos uns aos outros a tornarmo-nos realmente amigos de Jesus Cristo e filhos de Deus.
A experiência cotidiana nos diz que hoje em dia educar para a fé não é uma tarefa fácil. Na realidade, hoje cada obra de educação parece tornar-se cada vez mais árdua e precária. Por este motivo, fala-se de uma grande “emergência educativa”, da dificuldade crescente que se encontra ao transmitir às novas gerações os valores-base da existência e de um reto comportamento, dificuldade esta que interpela tanto a escola como a família, e também todos os outros organismos que se propõem finalidades educativas. Podemos acrescentar que se trata de uma emergência inevitável: numa sociedade e numa cultura que muitas vezes fazem do relativismo o seu próprio credo – o relativismo tornou-se uma espécie de dogma –, numa sociedade semelhante vem a faltar a luz da verdade, aliás, considera-se perigoso falar de verdade, considera-se “autoritário” fazê-lo, e assim termina-se por duvidar da bondade da vida – ser homem é um bem? viver é um bem? – e da validade dos relacionamentos e dos compromissos que constituem a vida. Então, como seria possível propor aos mais jovens e transmitir de geração em geração algo de válido e de certo, das regras de vida, um significado autêntico e finalidades convincentes para a existência humana, quer como pessoas quer como comunidade? Por isso, a educação tende amplamente a reduzir-se à transmissão de determinadas habilidades, ou capacidades de fazer, enquanto se procura anular o desejo de felicidade das novas gerações, cumulando-as de objetos de consumo e de gratificações efêmeras. Assim, tanto os pais como os professores são facilmente tentados a abdicar das tarefas educativas que lhes são próprias, e a não compreender mais nem sequer o seu papel, ou melhor, a missão que lhes foi confiada.
Mas precisamente deste modo, não oferecemos aos jovens, às novas gerações, aquilo que temos o dever de lhes comunicar. Nós somos devedores no que se lhes refere, também dos verdadeiros valores que dão fundamento à vida.
Mas, esta situação evidentemente não satisfaz, não pode satisfazer, porque deixa de lado a finalidade essencial da educação, que é a formação da pessoa, para a tornar capaz de viver plenamente e de oferecer a sua própria contribuição para o bem da comunidade. Por isso aumenta, em muitos lugares, a exigência de uma educação autêntica e a redescoberta da necessidade de educadores que sejam autenticamente tais. Pedem-no os pais, preocupados e muitas vezes angustiados pelo futuro dos seus próprios filhos; pedem-no numerosos professores, que vivem a triste experiência da degradação das suas escolas; pede-o a sociedade no seu conjunto, tanto na Itália como em muitas outras nações, porque vê que são postos em dúvida pela crise da educação os próprios alicerces da convivência. Num contexto semelhante, o compromisso da Igreja na educação para a fé, o seguimento e o testemunho do Senhor Jesus adquire, hoje mais do que nunca, também o valor de uma contribuição em vista de fazer com que a sociedade em que vivemos consiga sair da crise educativa que está a afligi-la, pondo assim um limite à desconfiança e àquele estranho “ódio de si”, que parece ter-se tornado uma característica da nossa civilização.
Porém, tudo isto não diminui as dificuldades que encontramos ao levarmos as crianças, os adolescentes e os jovens a encontrar-se com Jesus Cristo e a estabelecer com Ele um relacionamento duradouro e profundo. E é precisamente nisto que consiste o desafio determinante para o futuro da fé, da Igreja e do Cristianismo e, portanto, constitui uma prioridade essencial do nosso trabalho pastoral: aproximar de Cristo e do Pai a nova geração, que vive num mundo em grande parte afastado de Deus. Queridos irmãos, temos o dever de estar sempre conscientes de que uma obra semelhante não pode ser realizada com as nossas forças, mas somente mediante o poder do Espírito. São necessárias a luz e a graça que provêm de Deus e agem no íntimo dos corações e das consciências. Conseqüentemente, para a educação e a formação cristãs são decisivas antes de tudo a oração e a nossa amizade pessoal com Jesus: somente quem conhece e ama Jesus Cristo pode introduzir os irmãos num relacionamento vital com Ele. E, precisamente impelido por esta necessidade, pensei: seria útil escrever um livro que ajudasse a conhecer Jesus. Nunca podemos esquecer as palavras de Jesus: “Chamei-vos amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai, vo-lo dei a conhecer. Não fostes vós que me escolhestes, fui Eu que vos escolhi e vos nomeei para irdes e dardes fruto e o vosso fruto permaneça” (Jo 15, 15-16). Desta maneira, as nossas comunidades poderão trabalhar fecundamente e educar para a fé e o seguimento de Cristo, sendo elas mesmas autênticas “escolas” de oração, onde se vive o primado de Deus.
Além disso a educação, e especialmente a educação cristã, ou seja, a educação que plasma a própria vida em conformidade com o modelo de Deus que é amor (cf. 1 Jo 4, 8.16), tem necessidade daquela proximidade que é própria do amor. Sobretudo hoje, quando o isolamento e a solidão constituem uma condição difundida, à qual o ruído e o conformismo de grupo não põem um remédio real, torna-se decisivo o acompanhamento pessoal, que oferece a quem cresce a certeza de que é amado, compreendido e ouvido. De modo concreto, este acompanhamento deve levar-nos a experimentar pessoalmente o fato de que a nossa fé não é algo que pertence ao passado, mas que pode ser vivida hoje e que, vivendo-a, encontramos realmente o nosso bem.
Assim, os adolescentes e os jovens podem ser ajudados a libertar-se de preconceitos difundidos e podem dar-se conta de que o estilo de vida cristão é realizável e racional, aliás, de forma absoluta, é o mais racional. Toda a comunidade cristã, nas suas numerosas articulações e componentes, é interpelada pela grande tarefa de conduzir as novas gerações ao encontro com Cristo: portanto, neste terreno devem expressar-se e manifestar-se com particular evidência a nossa comunhão com o Senhor e entre nós, a nossa disponibilidade e prontidão a trabalhar em conjunto, a “criar uma rede”, a realizar com a alma aberta e sincera todas as sinergias úteis, a começar pela contribuição preciosa de quem consagra a sua própria vida à adoração de Deus e à intercessão em prol dos seus irmãos.
Contudo é totalmente evidente que na educação e na formação da fé uma missão própria e fundamental, bem como uma responsabilidade primária, competem à família. Efetivamente, os pais são aqueles com quem a criança que se prepara para a vida faz a primeira e decisiva experiência do amor, de um amor que na realidade não é apenas humano, mas constitui também um reflexo do amor de Deus por ele. Por este motivo, entre a família cristã, pequena “igreja doméstica”, e a maior família da Igreja deve desenvolver-se uma colaboração mais estreita, em primeiro lugar em relação à educação dos filhos. (...) Por exemplo, as tentativas de envolver em maior medida os pais e os padrinhos antes e depois do Batismo, para os ajudar a compreender e a cumprir a sua missão de educadores da fé, já deram resultados consideráveis e merecem ser prosseguidos e tornar-se um patrimônio conjunto de cada uma das paróquias. O mesmo vale para a participação das famílias na catequese e para todo o itinerário de iniciação cristã das crianças e dos adolescentes.
Sem dúvida, são numerosas as famílias sem preparo para tal tarefa, e não faltam aquelas que parecem desinteressadas, se não mesmo contrárias à educação cristã dos seus próprios filhos: aqui, fazem-se sentir também as conseqüências da crise de numerosos matrimônios. Porém, é raro que se encontrem pais totalmente indiferentes em relação à formação humana e moral dos filhos e, portanto, não disponíveis a fazer-se ajudar numa obra educativa que eles sentem que é cada vez mais difícil. Conseqüentemente, abre-se um espaço de compromisso e de serviço para as nossas paróquias, oratórios, comunidades jovens e, sobretudo, para as próprias famílias cristãs, chamadas a fazer-se próximas das outras famílias para as apoiar e assistir na educação dos filhos, ajudando-as desta maneira a encontrar de novo o sentido e a finalidade da vida de casal. Agora, passemos a outros temas da educação para a fé.
Na medida em que os jovens crescem, aumenta neles naturalmente o desejo de autonomia pessoal, que facilmente se torna, sobretudo na adolescência, uma tomada de distância crítica da própria família. Então, revela-se particularmente importante aquela proximidade que pode ser assegurada pelo sacerdote, pela religiosa, pelo catequista ou por outros educadores capazes de tornar concreto para os jovens o rosto amigo da Igreja e o amor de Cristo. Para gerar efeitos positivos que perdurem no tempo, a nossa proximidade deve estar consciente de que o relacionamento educativo é um encontro de liberdade e que a própria educação cristã é formação para a liberdade autêntica. Com efeito, não há uma proposta educativa que não estimule uma decisão, por mais respeitosa e amorosa que seja, e precisamente a proposta cristã interpela até ao fundo a liberdade, chamando-a à fé e à conversão. Como pude afirmar durante o Congresso eclesial de Verona, “uma educação verdadeira tem necessidade de despertar a coragem das decisões definitivas, que hoje são consideradas um vínculo que mortifica a nossa liberdade, mas na realidade são indispensáveis para crescer e alcançar algo de grande na vida, em particular para fazer amadurecer o amor em toda a sua beleza: portanto, para dar consistência e significado à própria liberdade” (Discurso, 19 de outubro de 2006). Quando sentem que são respeitados e considerados com seriedade na sua liberdade, os adolescentes e os jovens, apesar da sua inconstância e fragilidade, não são de modo algum indisponíveis a deixar-se interpelar por propostas exigentes: aliás, sentem-se atraídos e muitas vezes fascinados por elas. E querem mostrar também a sua generosidade na dedicação aos grandes valores, que são perenes e constituem o fundamento da vida.
O educador genuíno leva igualmente a sério a curiosidade intelectual que já existe nas crianças e, com o transcorrer dos anos, adquire formas mais conscientes. Interpelado e muitas vezes confundido pela multiplicidade de informações e pelo contraste das idéias e das interpretações que lhe são incessantemente propostas, o jovem de hoje conserva todavia dentro de si uma grande necessidade de verdade: portanto, permanece aberto a Jesus Cristo. A nossa tarefa consiste em procurar responder à exigência da verdade, colocando, sem temor, a proposta da fé em confronto com a razão do nosso tempo. Assim, havemos de ajudar os jovens a ampliar os horizontes da sua inteligência, abrindo-se ao mistério de Deus, em Quem se encontra o sentido e a orientação da existência, e ultrapassando os condicionamentos de uma racionalidade que confia exclusivamente naquilo que pode constituir objeto de experiência e de cálculo. Portanto, é muito importante desenvolver aquela que já no ano passado pudemos definir como a “pastoral da inteligência”.
O trabalho educativo passa pela liberdade, mas tem também necessidade de autoridade. Por isso, especialmente quando se trata de educar para a fé, são essenciais a figura da testemunha e o papel do testemunho. A testemunha de Cristo não transmite simplesmente informações, mas compromete-se de maneira pessoal na verdade que propõe e, pela sua própria vida, torna-se um ponto de referência confiável. Todavia, não se inspira em si mesma, mas em Alguém que é infinitamente maior do que ela, em Quem confiou e de Quem experimentou a bondade fidedigna.
Portanto, o educador autenticamente cristão é uma testemunha que encontra o seu próprio modelo em Jesus Cristo, a Testemunha do Pai que nada dizia por si mesma, mas falava como o Pai lhe tinha ensinado (cf. Jo 8, 28). Estimados irmãos, este relacionamento com Cristo e com o Pai constitui, para cada um de nós, a condição fundamental para nos tornarmos eficazes educadores da fé.
O nosso Congresso fala, muito justamente, de educação não somente para a fé e o seguimento, mas também para o testemunho de Cristo Senhor. Portanto, o testemunho concreto que se deve dar de Cristo não diz respeito unicamente aos sacerdotes, às religiosas e aos leigos que, no seio das comunidades, desempenham a função de formadores, mas também aos próprios adolescentes e jovens, bem como a todos aqueles que são educados na fé. Desta forma, a consciência de ser chamado a tornar-se testemunha de Cristo não é algo que se acrescenta num segundo momento, uma conseqüência de certo modo externa à formação cristã, mas, ao contrário, constitui uma dimensão intrínseca e essencial da educação para a fé e o seguimento, assim como a Igreja é missionária por sua. Assim, desde os rudimentos da formação das crianças até chegar, seguindo um caminho progressivo, à formação permanente dos cristãos adultos, é necessário que ganhem raízes na alma dos fiéis a vontade e a convicção de ser participantes da vocação missionária da Igreja, em todas as situações e circunstâncias da sua própria vida. Se a fé realmente se transforma na alegria por ter encontrado a verdade e o amor, é inevitável que se sinta o desejo de a transmitir, de a comunicar aos outros. (...)
Na educação para a fé, uma tarefa muito importante é confiada à escola católica. Com efeito, ela cumpre a missão que lhe é própria fundamentando-se num programa educativo que ponha no centro o Evangelho e o conserve como ponto de referência decisivo para a formação da pessoa e para toda a proposta cultural. Desta forma, numa convencida sinergia com as famílias e com a comunidade eclesial, a escola católica procura promover aquela unidade entre a fé, a cultura e a vida, que constitui a finalidade fundamental da educação cristã. Também as escolas públicas, segundo diversas formas e modos, podem ser ajudadas na sua tarefa educativa pela presença de professores crentes – em primeiro lugar, mas não exclusivamente, os docentes de religião católica – e de alunos formados cristãmente, assim como pela colaboração de numerosas famílias e pela própria comunidade cristã. Com efeito, a sadia laicidade da escola, bem como das demais instituições do Estado, não implica um fechamento à Transcendência, nem uma falsa neutralidade em relação àqueles valores morais que se encontram na base de uma autêntica formação da pessoa. Uma aproximação análoga é, naturalmente, válida também para a Universidade e é verdadeiramente de bom auspício que em Roma a pastoral universitária tenha podido desenvolver-se em todos os Ateneus, tanto entre os professores como entre os estudantes, e que esteja em ato uma profunda colaboração entre as instituições acadêmicas civis e pontifícias.
Hoje em dia, mais do que no passado, a educação e a formação da pessoa são influenciadas por aquelas mensagens e por aquele clima difundido, que são transmitidos pelos principais instrumentos de comunicação e que se inspiram numa mentalidade e numa cultura caracterizadas pelo relativismo, pelo consumismo e por uma falsa e destruidora exaltação, ou melhor, profanação, do corpo e da sexualidade. Por isso, exatamente em virtude daquele grande “sim” que, como crentes em Cristo, dizemos ao homem amado por Deus, sem dúvida não podemos desinteressar-nos da orientação global da sociedade à qual pertencemos, das tendências que a animam e das influências positivas ou negativas que ela exerce sobre a formação das novas gerações. A própria presença da comunidade dos fiéis, o seu compromisso educativo e cultural, e a mensagem da fé, de confiança e de amor de que é portadora constituem na realidade um serviço inestimável em benefício do bem comum e, especialmente, dos adolescentes e dos jovens que estão a formar-se e a preparar-se para a vida.
E há um último ponto para o qual ainda desejo chamar a vossa atenção: ele é sumamente importante para a missão da Igreja e exige o nosso compromisso e, antes de tudo, a nossa oração. Refiro-me às vocações a seguir mais de perto o Senhor Jesus no sacerdócio ministerial e na vida consagrada. (...) De maneira sempre delicada e respeitosa, mas também clara e corajosa, temos o dever de dirigir um convite peculiar ao seguimento de Jesus, aos jovens e às jovens que parecem mais atraídos e fascinados pela amizade com Ele. Nesta perspectiva, a Diocese destinará alguns novos sacerdotes especificamente ao cuidado das vocações, mas sabemos muito bem que neste campo são decisivas a oração e a qualidade integral do nosso testemunho cristão, o exemplo de vida dos presbíteros e das almas consagradas, a generosidade das pessoas chamadas e das famílias de onde elas provêm.
Amados irmãos, confio-vos estas reflexões como contribuição para o diálogo destas tardes e para o trabalho do próximo ano pastoral. O Senhor nos conceda sempre a alegria de acreditar nele, de crescer na sua amizade, de O seguir ao longo do caminho da vida e de lhe dar testemunho em todas as situações, de tal maneira que possamos legar às pessoas que vierem depois de nós a imensa riqueza e beleza da fé em Jesus Cristo. O meu carinho e a minha Bênção vos acompanhem no vosso trabalho.
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