Uma escola. Uma amizade. Uma casa de acolhida. Depois da carta de Vicky e a provocação da Jornada de Início de Ano, escolhemos três histórias para olharmos juntos. Histórias que ajudam qualquer pessoa a “entrar no real”
Depois de um ano voltamos a visitar a obra In-Presa, em Carate Brianza (Itália), para ver como é possível crescer quando o desafio que carregamos chega a tocar a todos, um por um
Enquanto atravessava os corredores da In-Presa num dia de sol pálido de outono, pensava na carta de Vicky, citada por padre Julián Carrón no final da Jornada de Início de Ano da Lombardia. “Onde está o poder da morte? Está na ausência de esperança e na falta de amor. (...) Você tem um valor e o seu valor é grande”. Aqui, nesse belo complexo de Carate concretizou-se a intuição de Emilia Vargani. Emilia não está mais aqui. Faleceu em um acidente de carro no Paraguai, no dia 29 de outubro de 2000. Um ano antes, em 18 de janeiro de 1999, dera vida a esta obra que cresceu forte com a marca que deixou. Tocou-me um artigo de Giampaolo Cerri que relata: “Para Emilia, a questão central não era que se fizesse assistencialismo, mas que se educasse, ajudasse cada um a encontrar as razões profundas da própria vida no confronto cotidiano com a realidade”. Shen, estudante colegial que vem à In-Presa duas vezes por semana para ajudar nos trabalhos, é testemunha disso. Um dia, perguntou as horas e o professor lhe mostrou o relógio que estava na parede. Shen confessou: “Não sei ver as horas, mas gostaria de aprender”. Bem, lhe ensinaram e seu primeiro comentário foi: “Agora posso dar informações aos meus amigos”.
A In-presa fica em uma praça de Carate Brianza. Ao lado, há um supermercado. Antes, aqui existia uma fábrica de tecidos, a Formenti, que dava trabalho a 1 100 pessoas. Quando ela fechou, um assessor de visão quis que a área fosse destinada também para atividades sociais.
Bomba relógio
Dali, Jacopo Vignali, o presidente, dirige tudo. Jacopo formou-se em Direito e continuou a obra iniciada por Emilia. Assistente Social em Carate, Emilia Vergani colocou-se a pergunta: “para onde vão os jovens que não têm vontade de estudar depois do colegial?”. Resposta: poderiam trabalhar se encontrassem pessoas que lhes provocassem. Então, seus professores serão empresários. E, na sua idéia (realizada), a In-Presa faria companhia a uns e a outros. Estamos numa região de pequenas e médias empresas: os primeiros com os quais a In-Presa manteve contato foram um funileiro e um artesão de madeira. Esta foi a primeira inclusão trabalhista. E não foi fácil.
Jacopo chegou em 2000. Era amigo de Giovanni, filho de Emilia. Uma noite, foi jantar em sua casa, em Caratê, e nunca mais se separou deles. O primeiro problema que precisou enfrentar foram as reformas da educação. Cada Ministro lança uma medida. Assim, a In-Presa viu-se diante do “ano a mais” depois do Ensino Fundamental de Berlinger, e decidiu continuar por conta própria. Nasce a primeira turma. Eram 17 alunos e a assistência social definia o grupo como “uma bomba relógio”. A professora, presa na cadeira com fita adesiva, está diretamente na linha de explosão. Por sorte, na In-Presa não se assustaram.
Entre público e privado
Agora são 250 jovens e 40 funcionários. Ao lado de Jacopo Vignali está Stefano Giorgi, o diretor. Os dois se completam bem. Jacopo é o que Gianni Brera definiria como “um irmão gordo”, firme, enquanto Stefano é mais magro e elétrico. Além disso, o primeiro torce para o Juventus e o segundo para o Inter, a mistura perfeita. A estrutura é realmente bonita, moderna, espaçosa e foi inaugurada no final de 2002. Contaram-me sobre o leilão de vinhos onde tudo começou. Pensavam que chegariam com sucesso a 50 mil Euros, mas conseguiram 181 mil. A atividade é sustentada com dinheiro público, mas a estrutura foi paga com recursos privados. Amigos, empresários, pessoas que intuíram aquilo que os jovens disseram a Emilia Vergani quando lhes foi pedido para escrever uma carta à fundadora. Ricardo escreveu: “Cara Emilia, você não me conhece, mas sei que lá de cima olha por todos nós. Lembro-me do primeiro dia em que entrei nesta escola, não conhecia os colegas, o tutor, mas me acolheram e me senti querido desde o início. Então, nasceu em mim uma curiosidade, uma vontade de saber mais sobre o que você fez e como criou esta escola”. Giovanna: “Escolhi a escola por acaso, mas tive sorte. Quando falo com meus amigos de outras escolas, sempre fico sem palavras. Muitos de seus professores não se interessam por eles, não têm o tutor que os ajude em todas as situações. Aqui, é muito diferente”.
Famílias difíceis
Até a focaccia que preparam na cozinha é muito parecida com a que se faz na Ligúria, da qual posso tranqüilamente me definir como um defensor. Talvez, chegou aqui por meio do professor Giuseppe Villa, que se casou com uma moça de Sant’Olcese, pequena cidade ao norte de Genova, famosa por seus salames. Quem me oferece uma é Ricardo, que queria ser mecânico: “Mas esta escola é mais adequada para mim. Trabalho como cozinheiro”. Ricardo é estudante em um dos dois cursos trienais de auxiliar de cozinha. Vamos resumir o arquipélago In-Presa. 1) Formação: dois cursos trienais de auxiliar de cozinha. 2) Alternância escola-trabalho: nove turmas de auxiliar de eletrônica, cozinheiro e mecânico. 3) Inserção no mercado de trabalho. 4) Projeto ensino médio, laboratórios: de acordo com a escola, preparação para o exame de jovens com 2 ou 3 de reprovação nas costas. 5) Agregação: um dia de esporte, dois de convivência.
Porque não se trata de simples jovens. Franca Scanziani, coordenadora pedagógica, diz: “Com esses jovens, não se pode improvisar. No segundo ano do curso de eletrônica um rapaz estava estranho. Uma hora antes assistira a um filme e disse ao professor: “Não me diz respeito”. O professor respondeu que a indiferença é uma coisa ruim. Ele estava se remoendo. Então eu sugeri a ele: “Quando vejo alguém tocado por alguma coisa, este fato toca também a mim. Por que não pergunta ao professor porque estava tão interessado?”. Alguns minutos depois, o vi no corredor procurando pelo professor. Aqui os rapazes desejam fazer um curso profissionalizante, mas muitos trazem consigo situações familiares bem difíceis”.
Acompanhados um a um
Evelina Cattaneo é a responsável pelas entrevistas. Duas por dia, quarenta por mês, entre jovens, pais, assistentes sociais e empresários. Exemplo do dia: um jovem que não quer trabalhar como carpinteiro. “Eu o convenço a tentar. Ele queria trabalhar em um supermercado, mas mandaram-no embora porque ele faltava”. Pausa no bar e falamos sobre o tutor com Lorena Gobbi. Vignali já tinha me explicado: “Emilia queria que cada jovem fosse acompanhado individualmente. Aqui, não há uma abordagem burocrática, mas educativa”. Lorena diz: “Acolhemos e fazemos um acompanhamento, sobretudo no início do percurso. Trabalhamos com os professores. O controle disciplinar não é um fim em si mesmo, mas serve para dar ordem aos seus dias e às suas vidas. Nós os acompanhamos nos estágios, somos nós que incentivamos os empresários. Por exemplo: há uma moça do segundo ano de auxiliar de cozinha que é muito lenta. Nós a levamos a uma empresa e tentamos ver se existe algum espaço e, ali, a colocamos”. Ao mesmo tempo, entramos no refeitório onde os jovens dão prova de suas qualidades culinárias e onde Guenda Cioni, que se ocupa das finanças, quer dizer, de maneira clara, de aumentar os lucros, me fala que seu filho Giacomo não queria estudar e, no entanto, vai tirar o diploma de auxiliar de cozinha porque sentiu-se levado a sério. O próximo desafio que enfrentarão é o da sobrevivência. Uma nova lei quer eliminar o subsídio para a escola. Todos os projetos de alternância escola-trabalho correm perigo: serão 120 jovens na rua além do problema dos financiamentos. Por isso, muitos jovens, como Michele e Alessio, que encontro trabalhando em um quadro elétrico, fizeram um manifesto na sede da Região da Lombardia. “Somos contra essa lei que extingue os cursos experimentais. Gostaríamos que soubessem que defendemos a sua permanência”. Aqui, há alguém que os defende. Aqui, são levados a sério, valorizados. Não há anonimato. Os rostos têm um nome, cada nome é uma história. “Esses jovens merecem mais. É preciso fazê-los experimentar mais a beleza da vida”, escrevia Emilia. Isso eu vi e sobre isso falei. Só tenho um ressentimento: não ter experimentado mais a beleza (e também a bondade) da focaccia.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón