Um jantar com oitenta jovens em volta da mesa. E um adulto que lhes ajuda a entrar na realidade levando em consideração uma beleza que se comunica por toda parte
Cena número um: Sant Moritz, último verão. Prados, vegetação, paisagem comum de cartão postal suíço. A diferença é que, entre os turistas que fazem seu passeio vespertino, aparecem de repente 500 rostos alegres. Vendem Passos e convidam para uma festa. Grupos de discussão, encontros. E o motor de tudo é um tipo magro com jaqueta jeans, que não recua nem mesmo quando se trata de convidar o prefeito para a festa. Cena número dois: uma pequena sala no centro de Milão. Vinte pessoas em volta de uma mesa. São bancários e estão fazendo Escola de Comunidade. E quem os acompanha é o mesmo sujeito com jaqueta jeans. Cena número três: o salão comprido e estreito de um oratório da periferia. Mesinhas enfileiradas e uma centena de pessoas jantando. Também aqui, rostos jovens. Carrinhos de bebê. Alegria. Mas basta ver para onde olham para entender que o ponto de referência é sempre ele, aquele com jaqueta jeans. Ou seja, Claudio Bottini, 54 anos, casado, três filhos, bancário. Pelo currículo, o clássico homem tranqüilo. Observando como vive seus dias, o oposto. Um terremoto permanente. Mais que isso: um homem vivo.
Basta olhá-lo e fica claro. Ou está nas ruas distribuindo panfletos ou no back office de sua agência, na missa ou em uma reunião sindical, num palco diante de dezenas de pessoas ou face a face com o último chegado, que sempre é acolhido de uma maneira inconfundível: um olhar direto nos olhos e um abraço. Chame-o como achar melhor, mas alguém que se joga na realidade desse modo não “faz” uma obra: é a própria. Tudo bem, uma obra estranha: sem escritórios, estruturas ou captação de recursos. Para usar a expressão de Dom Giussani que, nos últimos tempos, Julián Carrón tem retomado sempre: apenas “alguém que vive intensamente o real”.
A ânsia de amadurecer
Quer um exemplo? Se você for até Redecesio, no nordeste de Milão, e se infiltrar nas mesas dos jantares que se repetem mensalmente, expressão de uma amizade nascida há alguns anos da maneira mais simples com os dois primeiros jovens que encontraram “o Bot”, ficará fascinado. E uma companhia que se alarga aos poucos, “em buscas concêntricas”, explica Bottini. “No início, começamos a ler É possível viver assim? (L. Giussani, Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1998; nde). Depois nasceu a solicitação de um método, de uma constância de trabalho”. Um levou o outro, que levou outro... E esboçou-se este lugar povoado por uma humanidade diferente, freqüentado por pós-adolescentes e recém casados com idade por volta de 30 anos.
Falam de si. Falam do trabalho, dos filhos, dos problemas. “Compartilham a vida”, diz Bottini: “E eu também”. Assim, é possível ouvir pessoas como Emmanuele, 27 anos, que fala da sua “ânsia de amadurecer” e de projetos que esbarram nos limites: “Queria ser fotógrafo, mas me vi no caminhão de meu tio que trabalhava com ferro velho. Fiquei desiludido, e com a auto-estima baixa. Só que vivi tudo isso estando aqui dentro. Abraçado. A gente sabe que aqui existem rostos amigos e um prato de comida para cada um. E se você comete um erro, pode recomeçar”. Encontro Giuseppe, mesma idade, que chegou a Bottini pela Internet: “Concluída a escola e conseguido o emprego, eu não precisava de ninguém. Mas me faltava alguma coisa e durante as férias, conversando com um rapaz de CL, fiquei provocado. Meses depois procurei o site e enviei um e-mail. Passaram-me o contato dele e assim começou uma amizade”. Encontro Bora, que conta como foi acolhida por aquilo que era. “Não me foi pedido para mudar nada. Paixões, gostos... Nada. Eu gosto de cozinhar, por exemplo. Bem, aqui eu faço isso. Para 70-80 pessoas por vez. Porém, aprendi a fazê-lo melhor”. Ouço Silvio, 28 anos, matemático, que descreve “um lugar que lhe escancara à vida, não deixa prevalecer a vontade de se fechar”. Ou Claudio, 19 anos, que na primeira Escola de Comunidade se viu diante “de algo inesperado: Bottini me recebeu com um abraço como se já nos conhecêssemos há muito tempo”.
Mais ou menos as mesmas palavras de Sara (“aquele abraço também me desconcertou: senti-me acolhida”), de Tania (“encontrei pessoas que, quando você tem um problema, sabe que pode contar com eles”), de Marco, 27 anos, barista, um filho e outro para nascer (“se não tivesse vindo aqui jamais teria me casado. Esse lugar é impressionante. Cada um é acolhido e caminhamos juntos”. E, também, Jacopo, que Bottini e seus rapazes conheceram em uma festa de Primeiro de Maio, há alguns anos. “Fiquei impressionado com a forma de estarem juntos. E fui me aproximando cada vez mais. O que me toca é a idéia de que é um outro que nos busca e que nos acompanha em cada vez mais aspectos da vida. Sem substituir a ninguém, mas deixando a cada um esse gosto”. Exemplos? “Às vezes Bot pergunta: como vai aquele seu amigo? Por que não liga para ele? Em suma, sugere alguma coisa e o faz porque se preocupa com você. Depois, é você que deve se lançar”. “Vocês percebem? Não têm medo. Não evitam os relacionamentos. Quer dizer que se sentem em casa”. Mas por que é sua casa também? Quer dizer, o que um bancário tem a ver com a educação de um jovem? “Se não criamos homens, nos perdemos na organização. Não estou interessado em que alguém necessariamente se torne de CL: o que me interessa é que seja ele mesmo até o fundo. Não me interesso pelas fórmulas mas pelos relacionamentos. Eles desafiam a minha liberdade e eu a deles”. Como aquela moça que, uma noite, me disse: quero morar com meu namorado, o que você acha? “Eu disse: é bonito que você queira morar com seu namorado. Mas é possível construir algo fazendo isso? Pense nisso e depois voltamos a conversar”. Um abraço, objetivo. Sem moralismos. “Ela pensou e uma semana depois conversamos novamente. Ela me disse: você tem razão, Bot. Melhor esperar”.
“Que cara fechada você tem!”
Assim, é possível entender porque das salas de Redecesio nasceram caritativas, lugares de ajuda recíproca (como a bonita a idéia do grupo de empresários “com menos de 30”), grupos de Fraternidade. Na prática, uma vida mais intensa. “O ponto de embate com a realidade é sempre a consciência de si”, diz Bottini: “É um olhar que a pessoa recebeu e recebe. E que a educa”.
E Bot entreviu esse olhar desde criança. Era o olhar de mamãe Luigia “que, ainda hoje, tem sempre o terço nas mãos”, e de papai Erminio, operário e socialista, que aos domingos assistia missa às cinco e meia para, depois, ir à Pirelli complementar o salário do mês: “Foi assim que conseguiu me fazer estudar. A minha tradição era essa: católica e lombarda. Mas era como um rio que aos poucos se tornou um regato e, depois, uma poça. A um certo ponto, tudo ficou limitado”.
O que me fez respirar novamente foi um encontro no oratório Santa Maria al Naviglio (Nossa Senhora dos Navegantes). “Aquelas pessoas me tocaram porque estavam realmente juntas”. Aceitei um convite da secretaria para um Encontro de três dias em Varigotti (“ouvi Dom Giussani do fundo da igreja. Entendia pouco mas, na saída, tinha uma idéia clara: este é um homem”). E o impacto direto com “Dom Gius” nos exercícios de 1974. “Impacto físico, explico. Subi ao palco para dar os avisos, perto dele. Quando terminei, senti um tapa impactante nas costas: “Que cara fechada você tem!”. Me pegou pelo braço e caminhamos até a hospedaria”. Mais ou menos a mesma cena vivida tantas vezes quando jovenzinho, quando seu pai o tomava pelos braços, no oratório, para irem juntos confessar. “Em um certo sentido, meu pai era um pouco como Dom Giussani. Por exemplo, me repetia o mesmo: lembre-se de que a vida não é aquilo que você quer. Enquanto Giussani chamava a atenção continuamente para a dependência. A profundidade é diferente, claro. Mas é a mesma coisa, não?”.
Sim, é a mesma coisa. O mesmo olhar. De Pai. “Antes de nos casarmos, Dora e eu estávamos em dúvida sobre onde morar. Fomos falar com Dom Giussani. Mas o carro quebrou e chegamos com uma hora e meia de atraso. Toquei a campainha. Ele abriu. E me abraçou. Uma coisa impressionante. Ainda me lembro da cena. Só senti um abraço assim outra vez muitos anos depois, quando cumprimentei João Paulo II no Jubileu dos trabalhadores. Depois, chorei. Aquele homem via você e via Cristo. E olhando Cristo, olhava você. Olha só, o cristianismo não é apenas um contragolpe, um maravilhamento: é um abraço. É alguém que o acolhe e não o larga mais. Para mim, o que mais interessa na vida é que o mundo reconheça a beleza de Cristo. E a única coisa que se pode fazer é dizer: venha e veja você também”.
Buscar a origem
O ponto é que este “você”, na prática, são todos aqueles que encontra. Ninguém é excluído. Cláudio, por exemplo, colega da Vanguarda Operária, que fazia o sinal da cruz no almoço, provocou uma pergunta à queima roupa: “Desculpe, mas o que isso tem a ver com a comida?”. A partir daquela pergunta, nasceu um caminho que o levou a tornar-se padre. Ou Domenico, um dos chefes do pessoal que, curioso por causa de um panfleto, pegou um dos livros de Giussani, começou a lê-lo e, diante da primeira objeção (“não estou entendendo nada”), recebeu a resposta: “Eu também não. Vamos ler juntos”. “Começamos a fazer Escola de Comunidade. E depois de um tempo, ele me perguntou: por que você não me apresenta a Dom Giussani? Quero conhecer a origem disso tudo. Ele tinha razão: o que vale é um relacionamento que leva à origem”.
A origem. Dois amigos ateus que conheceram apenas os filhos de Dom Giussani – a multidão reunida nos funerais na Catedral de Milão – também a procuravam e ficaram curiosos (mas quem era esse homem?”) e se depararam com a mesma dinâmica: um convite imediato. A ponto de levar Silvio, um deles, a dizer claramente: “Claudio, se a proposta que você está me fazendo tem a mesma amplitude daquilo que vi no Duomo e a mesma liberdade que vejo em você, eu topo”. E Valentina, uma colega que, curiosa, se encontra conosco para ir ver o Papa em Pavia e depois decide colaborar com uma obra social. E Alice, diretora da agência, que, no início, entrou em choque com Bottini, mas diante do panfleto não pôde deixar de dizer: “Finalmente algo de belo nesse lugar”, e a partir de então nasceu um relacionamento.
“Quem me faz fazer isso? Um amor que recebo. O amor de Cristo por mim. A partida se joga inteira aí. Talvez, antes você tivesse a audácia de dizer: sou eu, depende de mim. Agora, está claro que é um Outro. É o Mistério que faz. E nisso, devo agradecer minha mulher. A primeira coisa que faz quando levanta de manhã é colocar o penhoar e ir até a cozinha rezando o Angelus. Impressionante, a Dora. Depois de trinta anos de casamento me surpreendo continuamente descobrindo algo de novo sobre ela. É uma coisa extraordinária”. Mas mesmo isso depende de uma educação. E de um olhar. “Aprendi esse modo de estar com minha mulher olhando como alguns amigos meus olhavam para suas esposas. Também aprendi muito com meus amigos Memores. Vejo-os de joelho, rezando, e digo a mim mesmo: é daí que tiram energia. E, aos poucos, eu também comecei a levantar mais cedo, fazer silêncio, ir à igreja e ficar meia hora diante do Santíssimo antes da missa. Porque é possível vê-lo”.
Final do dia. Avisos, saudações. Mas antes de nos abraçarmos, “Bot” ainda conta um fato. Há dois meses, jantando naquele oratório, junto com Bora e Marco, Jacopo e Lele, e todos os outros, estava também padre Carrón. Viu como viviam e ouviu suas histórias. “Disse-nos duas coisas fundamentais: Olhem para a experiência que vocês estão fazendo e não mudem o método. Porque o Mistério passa por meio de sugestões simples”. Simples. Como olhar para alguém que olha.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón