Um seminário, na Itália, organizado pela Fundação pela Subsidiariedade sobre o tema: “Dico: uma mudança antropológica?”. Na mesa, juristas e teólogos, psicólogos e filósofos, cientistas e responsáveis por obras sociais
“Será uma guerra longa e geral” – o médico e professor universitário Giancarlo Cesana não é alguém que faz rodeios. Fala do Dico, isto é, das normas sobre os casais de fato propostas pelo governo Prodi: todavia, o campo de batalha é muito mais vasto. O Dico (Diritti e doveri delle persone stabilmente conviventi – Direitos e deveres das pessoas que convivem estavelmente) é um projeto de lei que está em tramitação na Itália procurando legalizar os chamados “casais de fato” e que afeta particularmente os homossexuais. As palavras foram proferidas em um seminário organizado pela Fundação pela Subsidiariedade com o título: “Dico: uma mudança antropológica?”. A Igreja italiana vem se posicionando contra o Dico argumentando que já existe a possibilidade, na legislação italiana, de garantir os mesmos direitos previstos pelo projeto de lei, sem a necessidade de criar essa nova figura jurídica, que seria como que “um pequeno casamento” – que parece, mas na verdade não é. Porém, essa não foi uma reunião acadêmica para discutir aspectos técnico-jurídicos da lei, nem um gesto estratégico para mobilizar grupos. Duas dezenas de pessoas (juristas e teólogos, psicólogos e filósofos, cientistas e responsáveis por obras sociais) reuniram-se com Giorgio Vittadini, docente de economia da mesma Universidade de Milão-Bicocca e presidente da Fundação pela Subsidiariedade, para discutir sobre duas perguntas: que concepção do homem emerge tanto entre os que propõem quanto entre os que são contra o Dico? Que posições nascem na sociedade a partir destas antropologias?
Sacramento natural
Uma família são um homem e uma mulher unidos no dom recíproco e abertos à geração de filhos. É um dado da realidade, tanto é verdade que – como lembra padre Roberto Colombo, professor de biologia molecular e genética humana – o matrimônio é o único “sacramento natural”, quer dizer, pertence de direito ao homem enquanto criado. Mas, hoje, família também é uma união homossexual, um acordo patrimonial, um pacto que exclui terceiros incômodos. Carmine Di Martino, filósofo da Universidade de Milão, aprofunda: “Vivemos em uma cultura narcisista que tem uma concepção imaterializada, virtual do homem: tenta desencarnar a alma para manipular os corpos”. E a lei, em vez de regular a ordem das coisas, torna-se puro poder. Desse modo, todo desejo pretende se tornar direito e reivindica tutela. O jurista Luca Antonini, da Universidade de Padova, intervém: “Quando o direito torna-se normalização do desejo, os direitos se tornam insaciáveis”.
Em um mundo onde a ciência e a tecnologia tornam tudo possível, este poder se torna quase ilimitado. A escritora Eugenia Roccella, que foi uma das principais militantes feministas radicais italianas, incita a “uma batalha contra a utopia da perfeição e a ditadura da ciência, contra um mundo que distancia do passado, desertifica o coração, nega a maternidade como raiz da família e anula a criaturalidade”. Este é o paradoxo: constrói-se uma sociedade individualista, mas potencialmente totalitária, que está inteira nas mãos de cientistas que não respondem a ninguém.
Negar as diferenças
Um mundo, acrescenta a professora Eugenia Scabini, docente de Psicologia Social da Universidade Católica do Sacro-Cuore, “que fala de acolhida enquanto anula as diferenças começando pela diferença originária que existe entre homem e mulher, esquecendo que a família não é uma dupla, mas um trio: marido, mulher e filhos. Hoje a diferença causa problema. E o casamento, quer dizer, a aposta de colocar duas diferenças radicais juntas é o ponto que mais está sob ataque”. Outro paradoxo foi colocado por Giovanna Rossi, professora de Sociologia na mesma Universidade: “Evita-se o casamento, mas deseja-se regular as convivências como sendo casamentos. Leis como o Dico são a homenagem póstuma à situação que se rejeita”.
Na origem da crise que leva ao Dico, diz Vittadini, há também “aquela traição grave da idéia de família existente na família burguesa onde a unidade não é feita a partir do senso de destino mas é um contrato, uma posse recíproca, uma redução da gratuidade e da abertura ao outro a uma questão de relações patrimoniais”.
Giancarlo Cesana, médico e professor da Universidade de Milão-Bicocca, continua: “O que está em discussão é a experiência do homem, a sua natureza. Nas batalhas devemos ir ao cerne da questão, descobrindo aquilo que todos possuem em comum. E a verdadeiro antítese de ideologia se chama esperança. É muito difícil afastar o problema de Jesus Cristo, não creio que seja possível. Cristo é a palavra que mais precisa tornar-se neologismo, um conteúdo novo também para os católicos”. “Os quais normalmente são culturalmente desprovidos diante do niilismo hoje dominante”, observa o filósofo Francesco Botturi, professor de Filosofia na Universidade Católica de Milão. “O projeto de Deus sobre a família deve ser defendido socialmente”, insiste Paola Soave, vice-presidente do Forum para as famílias, organização que reúne vários movimentos e instituições católicas e não-católicas da Itália.
Evidências originais
Contudo, a questão não é a de uma postura reativa, determinada pela negação de uma proposta. A primeira coisa a retomar é o realismo que reconhece o dado natural. Esta é uma passagem importante inclusive para definir o diálogo. Padre Stefano Alberto esclarece: “Mais que reconstruir o direito natural na defesa da família, um conceito nascido do racionalismo que apresenta ambigüidade, é preciso recuperar as ‘evidências e experiências originais’ de que fala Dom Giussani. Este dado comum é o terreno sobre o qual o diálogo deve ser construído”.
E aprofunda padre Julián Carrón: “A experiência elementar é afirmação do sujeito mas não é subjetivismo porque afirma a existência de um dado de natureza objetiva. O que pode facilitar o reconhecimento destas evidências? Não um discurso correto, não um esforço ético contra uma lei, mas somente a visão de pessoas realizadas, unidas. É o testemunho de uma plenitude afetiva que se encontra naquilo que corresponde ao coração. Parece pouquíssimo, mas é suficiente porque este é o método que o Mistério escolheu para começar a mudar algo”. O desafio do Dico torna-se, então, início de um desafio moderno – são palavras de Carrón – “que pode permitir a descoberta da novidade do cristianismo hoje”.
“É inegável que haja um sofrimento nos relacionamentos que fragiliza as pessoas. A depressão e a violência são alguns exemplos de problemas. Neste sentido, parece-me perfeitamente justo e realista referir-se à situação atual da família como a algo problemático e sofrido, como disse o Papa”
(Marina Massimi, Gazeta de Ribeirão, 25.mar.2007)
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