Vai para os conteúdos

Passos N.79, Fevereiro 2007

DOCUMENTO PAPA

A Boa Nova não é somente uma Palavra, mas uma Pessoa, o próprio Cristo!

por Bento XVI

Viagem Apostólica à Turquia. Homilia do Santo Padre no santuário de “Meryem Ana Eví”. Éfeso, 29 de novembro de 2006

Queridos irmãos e irmãs, nesta celebração eucarística, queremos louvar o Senhor pela maternidade divina de Maria, mistério que aqui em Éfeso, no Concílio ecumênico de 431, foi solenemente confessado e proclamado. A este lugar, um dos mais queridos da Comunidade cristã, vieram em peregrinação os meus venerados Predecessores, os Servos de Deus Paulo VI e João Paulo II, o qual esteve neste santuário no dia 30 de novembro de 1979, a pouco mais de um ano do início do seu Pontificado. Todavia, há outro meu Predecessor, que neste país não esteve como Papa, mas sim como representante pontifício, de janeiro de 1935 a dezembro de 1944, e cuja recordação ainda suscita muita devoção e simpatia: o Beato João XXIII, Ângelo Roncalli. Ele nutria grande estima e admiração pelo povo turco. A este propósito, apraz-me recordar uma expressão que se lê no seu Jornal da alma: “Gosto muito dos turcos, aprecio as qualidades naturais deste povo, que tem também o seu lugar preparado no caminho da civilização” (n. 741). Além disso, ele deixou à Igreja e ao mundo o dom de uma atitude espiritual de otimismo cristão, fundamentado numa fé profunda e numa união constante com Deus. Animado por este espírito, dirijo-me a esta nação e, de modo particular, ao “pequeno rebanho” de Cristo que vive aqui, para o encorajar e para lhe manifestar o carinho da Igreja inteira. É com grande afeto que saúdo todos vós aqui presentes, fiéis de Izmir, Mersin, Iskenderun e Antakia, e outros que vieram de diversas partes do mundo, assim como aqueles que não puderam participar desta celebração, mas estão espiritualmente unidos a nós. Saúdo, de modo particular, Dom Ruggero Franceschini, Arcebispo de Izmir, Dom Giuseppe Bernardini, Arcebispo Emérito de Izmir, Dom Luigi Padovese, os sacerdotes e as religiosas. Obrigado pela vossa presença, pelo vosso testemunho e pelo vosso serviço à Igreja nesta terra abençoada onde, nos primórdios, a comunidade cristã conheceu grandes desenvolvimentos, como testemunham também as numerosas peregrinações que vêm à Turquia.

Mãe de Deus – Mãe da Igreja
Ouvimos o trecho do Evangelho de João, que convida a contemplar o momento da Redenção quando Maria, unida ao Filho na oferta do Sacrifício, ampliou a sua maternidade a todos os homens e, de maneira particular, aos discípulos de Jesus. Testemunha privilegiada deste acontecimento é o próprio autor do quarto Evangelho, João, o único dos Apóstolos que permaneceu no Gólgota juntamente com a Mãe de Jesus e com outras mulheres. A maternidade de Maria, iniciada com o fiat de Nazaré, cumpre-se aos pés da Cruz. Se é verdade – como observa Santo Anselmo –, que “no momento do fiat Maria começou a trazer todos nós no seu seio”, a vocação e a missão maternais da Virgem em relação aos crentes em Cristo teve início quando Jesus lhe disse: “Mulher, eis o teu filho!” (Jo 19, 26). Ao ver do alto da cruz a Mãe e ali ao seu lado o discípulo tão amado, Cristo morrente reconheceu as primícias da nova Família que Ele tinha vindo formar no mundo, o germe da Igreja e da nova humanidade. Por isso, dirigiu-se a Maria, chamando-lhe “mulher”, e não “mãe”, termo este que, ao contrário, utilizou quando a confiou ao discípulo: “Eis a tua mãe!” (Jo 19, 27). Foi assim que o Filho de Deus cumpriu a sua missão: tendo nascido da Virgem para compartilhar em tudo, exceto no pecado, a nossa condição humana, no momento de voltar para o Pai deixou no mundo o sacramento da unidade do gênero humano (cf. Constituição Lumen gentium, 1): a Família “reunida pela unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (São Cipriano, De Orat. Dom. 23: PL 4, 536), cujo núcleo primordial é precisamente este vínculo novo entre a Mãe e o discípulo. Deste modo, a maternidade divina e a maternidade eclesial permanecem unidas de maneira indissolúvel.

Mãe de Deus – Mãe da unidade
A primeira Leitura apresentou aquilo que se pode definir como o “evangelho” do Apóstolo das nações: todos, mesmo os pagãos, são chamados a participar em Cristo no mistério da salvação. Em particular, o texto contém a expressão que escolhi como lema da minha viagem apostólica: “Ele, Cristo, é a nossa paz” (Ef 2, 14). Inspirado pelo Espírito Santo, Paulo afirma não só que Jesus Cristo nos trouxe a paz, mas que Ele mesmo é a nossa paz. E justifica tal afirmação, referindo-se ao mistério da Cruz: derramando “o seu sangue” – ele diz –, oferecendo em sacrifício a “sua carne”, Jesus destruiu a inimizade “em si mesmo” e criou “em si próprio, de dois, um só homem novo” (cf. Ef 2, 14-16). O Apóstolo explica em que sentido, verdadeiramente imprevisível, a paz messiânica se realizou na própria Pessoa de Cristo e no seu mistério salvífico. Explica-o escrevendo, enquanto se encontra prisioneiro, à comunidade cristã que habitava aqui em Éfeso: “Aos santos e fiéis em Cristo Jesus que estão em Éfeso” (Ef 1, 1), como afirma na introdução da Carta. O Apóstolo deseja-lhes “graça e paz da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo” (Ef 1, 2). Graça é a força que transforma o homem e o mundo: paz é o fruto maduro de tal transformação. Cristo é a graça; Cristo é a paz. Pois bem, Paulo sabe que foi enviado para anunciar um “mistério”, ou seja, um desígnio divino, que somente na plenitude dos tempos, em Cristo, se realizou e se revelou: isto é, que “os gentios são admitidos à mesma herança, membros do mesmo Corpo e participantes da mesma promessa, em Cristo Jesus, por meio do Evangelho” (Ef 3, 6). No plano histórico-salvífico este “mistério” realiza-se na Igreja, que é o novo Povo em que, derrubado o antigo muro de separação, judeus e pagãos se encontram na unidade. Como Cristo, a Igreja não constitui apenas um instrumento da unidade, mas é também o seu sinal eficaz. E a Virgem Maria, Mãe de Cristo e da Igreja, é a Mãe daquele mistério de unidade que Cristo e a Igreja, inseparavelmente, representam e edificam no mundo e ao longo da história.

Peçamos paz para Jerusalém e para o mundo inteiro
O Apóstolo das nações observa que Cristo, “dos dois povos, fez um só” (Ef 2, 14): esta afirmação refere-se, exatamente, à relação entre judeus e gentios em vista do mistério da salvação eterna; porém, trata-se de uma afirmação que pode também ampliar-se, no plano analógico, às relações entre povos e civilizações presentes no mundo. Cristo “veio para anunciar a paz” (cf. Ef 2, 17) não só aos judeus e não-judeus, mas a todas as nações, porque todas provêm do mesmo Deus, único Criador e Senhor do universo. Confortados pela Palavra de Deus, daqui de Éfeso, cidade abençoada pela presença de Maria Santíssima – que sabemos que é amada e venerada inclusive pelos muçulmanos – elevemos ao Senhor uma especial oração pela paz entre os povos. Desta parte da Península de Anatólia, ponte natural entre continentes, invocamos a paz e a reconciliação sobretudo para aqueles que habitam na Terra que chamamos “santa”, e que é assim considerada tanto pelos cristãos, como pelos judeus e pelos muçulmanos: é a terra de Abraão, de Isaac e de Jacob, destinada a acolher um povo que se tornasse uma bênção para todos os povos (cf. Gn 12, 1-3). Paz para a humanidade inteira! Possa cumprir-se depressa a profecia de Isaías: “Transformarão as suas espadas em relhas de arados, / e as suas lanças, em foices. / Uma nação não levantará a espada contra outra, / e não se adestrarão mais para a guerra” (2, 4). Desta paz universal, todos nós temos necessidade; desta paz a Igreja está chamada a ser não somente anunciadora profética, mas, ainda mais, “sinal e instrumento”. Precisamente nesta perspectiva de pacificação universal, torna-se mais profundo e intenso o anseio pela plena comunhão e concórdia entre todos os cristãos. Na celebração hodierna estão presentes fiéis católicos de diversos ritos, e isto é um motivo de alegria e de louvor a Deus. Com efeito, estes ritos constituem uma expressão daquela admirável variedade que adorna a Esposa de Cristo, contanto que saibam convergir na unidade e no testemunho comum. Para esta finalidade, deve ser exemplar a unidade entre os Ordinários na Conferência Episcopal, na comunhão e na partilha dos esforços pastorais.

Magnificat
A liturgia de hoje fez-nos repetir, como ladainha ao Salmo responsorial, o cântico de louvor que a Virgem de Nazaré proclamou no encontro com a idosa parente Isabel (cf. Lc 1, 39). Ressoaram consoladoras nos nossos corações as palavras do Salmista: “O amor e a fidelidade vão encontrar-se. / Vão beijar-se a justiça e a paz” (Sl 84, 11). Queridos irmãos e irmãs, com esta visita desejei fazer sentir o amor e a proximidade espiritual, não só meus, mas também da Igreja universal, em relação à comunidade cristã, que aqui na Turquia é realmente uma minoria e enfrenta todos os dias não poucos desafios e dificuldades. Com confiança sólida cantemos, juntamente com Maria, o Magnificat do louvor e da ação de graças a Deus, que vê a humildade da sua serva (cf. Lc 1, 47-48). Cantemo-lo com alegria, também quando somos provados por dificuldades e perigos, como demonstra o bonito testemunho do sacerdote romano padre André Santoro, que me apraz recordar também nesta nossa celebração. Maria ensina-nos que a fonte da nossa alegria e o nosso único apoio firme é Cristo, e repete-nos as suas palavras: “Não temais!” (Mc 6, 50). “Eu estarei sempre convosco” (Mt 28, 20). E Tu, Mãe da Igreja, acompanha sempre o nosso caminho! Santa Maria, Mãe de Deus, ora por nós! “Aziz Meryem Mesih'in Annesi bizim icin Dua et”. Amém!

© Copyright 2006 - Libreria Editrice Vaticana

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

Volta ao início da página