O Morro do Pilar foi o local escolhido para o 25º ano do acampamento de carnaval da comunidade de Belo Horizonte. Um acontecimento que continua a atrair jovens e adultos. Qual será o segredo? Nestas páginas alguns depoimentos de quem participou dessa aventura
Diego é chefe dos escoteiros em Belo Horizonte. Conheceu os amigos de Comunhão e Libertação durante a Coleta de Alimentos em 2007. Mas começou a freqüentar os encontros e a participar da Escola de Comunidade há pouco tempo. Sendo escoteiro, ele acampa há 21 anos e por isso tem muita experiência no assunto. Diego foi convidado por alguns amigos para participar de um outro acampamento, organizado pela comunidade de CL de Belo Horizonte. “Me veio a primeira necessidade de sacrifício pessoal: me libertar de toda cultura e expectativa sobre acampamentos para realmente viver aquela oportunidade que me era dada. Após alguma reflexão não me vi em outro lugar senão me doando ao encontro. Viver essa pobreza foi primordial para que cada momento e olhar tenha sido uma possibilidade de encontrar Cristo presente. A nova experiência já estava me construindo de verdade, como nenhum acampamento escoteiro jamais fizera”, nos contou Diego.
No dia 8 de fevereiro um grupo de dez amigos saiu de Belo Horizonte em direção à zona rural de Morro do Pilar, município localizado a 150 km de Belo Horizonte. Levaram consigo cerca de 30 barracas, muitos metros de lona, cordas, utensílios de cozinha e quase 1 tonelada de alimentos. Era o início da montagem para mais um “acampamento de carnaval”. No dia 13, sábado seguinte, ali chegariam 180 pessoas, vindas de Belo Horizonte e de municípios vizinhos, de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Aracaju, para passarem cinco dias juntas.
O acampamento de carnaval tornou-se, ao longo dos seus 25 de existência, um dos grandes gestos da comunidade de Belo Horizonte. O que torna isso possível até hoje? Por que, todos os anos, tantas pessoas se organizam para acampar, dormindo em barracas, fazendo a própria comida, tomando banho no rio? O que fez Diego abrir mão do acampamento escoteiro para estar com os novos amigos?
Às 14 horas do sábado éramos já 180 pessoas, almoçando juntas debaixo de uma grande lona azul (erguida não se sabe como!) com pratos, copos e talheres de toda cor e tipo, trazidos para serem colocados juntos e compartilhados entre todos. “Todo ano, no início do acampamento, a gente se preocupa em dizer para as pessoas viveram aqueles dias atentos, sem deixar-se levar pela instintividade. Mas neste ano o Julian nos propôs algo diferente. Ao invés de falarmos das regras, de como usar o tempo livre, da forma justa de viver ali, ele nos propôs contar o que significava o acampamento para nós que o organizamos. Foi surpreendente, porque esta foi a proposta de todos os dias, um convite para viver aquela mesma tensão que nós vivíamos, não um problema moralista, mas um convite para viver melhor a própria vida. Talvez por isso as pessoas logo toparam, porque o que viram ali era um desejo, uma experiência viva, não um discurso”, disse Nane, um dos que sempre estão presentes.
O lugar não poderia ser mais apropriado: um pequeno sítio com uma grande área verde, entre as montanhas, um céu límpido, um rio manso e cheio passando há cerca de 200 metros. Ao invés de mesas e cadeiras, bancos de madeira construídos ali mesmo pela equipe de montagem. Assim todas as refeições eram feitas. Café da manhã, almoço e jantar, às vezes algumas melancias abertas no meio da tarde, e no domingo o tradicional churrasco do Quiçá (apelido do Jucelino, que faz o melhor churrasco do mundo, quiçá do universo!).
De manhã rezávamos juntos a oração das Laudes, e depois começava o dia: brincadeiras, banho de rio, a ajuda para lavar a louça do café e começar a preparar o almoço, as conversas na sombra das árvores próximas das barracas, uma (ou mais) roda de baralho, pequenos grupos de Escola de Comunidade, um brinde alegre de cerveja. Gestos livres entre pessoas que estavam ali topando viver o que lhes era proposto. Além disso, alguns momentos para seguir juntos, como as caminhadas, os jogos, os momentos de missa e as refeições.
A seguir, testemunhos vivos desses dias!
"Estar certo de algumas poucas grandes coisas", foi a partir disso que eu me lancei nessa experiência do acampamento. Nunca havia acampado e conhecia poucas pessoas em Minas Gerais. Em um dos dias o Quiçá estava retirando as carnes do freezer para o churrasco e, ao me ver passar, chamou-me dizendo: “ô Aracaju, me ajuda aqui a separar essas carnes. O Virgílio sempre nos disse que não é bom fazer as coisas sozinhos” – e nesse momento lembrei-me de meu pai que sempre gostou de fazer churrasco e desejei fazer o mesmo com ele. Outro momento foi quando a Marcela veio em minha direção, eu a abracei e disse: “obrigado pela amizade!” e ela respondeu: “eu fiquei lhe vendo o dia inteiro, você indo pra lá e pra cá, e quando você estava descendo para o rio eu dizia: o Lucas está aqui conosco”! Onde eu me sentiria assim tão olhado, com tanta ternura? Quem faz isso por mim? É constrangedor deparar-me com isso... um olhar assim, como o do Nane, que sempre aparecia dizendo: “vamos dar um sentido maior a essa conversa” e puxava uma garrafa com um bom vinho, mas certo de que o “centro” não era a bebida, mas a nossa amizade, e nos ajudava a ver Aquilo que é mais importante. Ou quando a Kika chamava-nos a atenção dizendo: “olha essa paisagem, olha esse céu”. Uma companhia que nos ajuda a olhar além e ver o mais importante. Ao partir, eu estava triste e falei ao Wandré que era porque eu havia tocado Cristo nesses dias, com essas pessoas, então queria ficar com elas. O Wandré respondeu-me: “Lucas, a coisa que mais quero agora é chegar em casa, eu quero estar com você, mas quero voltar pra casa, pois eu sei que Cristo está me esperando lá, assim como eu sei que Ele está lhe esperanto em Aracaju”. Retornei para casa com um desafio: querer que Cristo também aconteça aqui, pois se ele não acontecer aqui também e em tudo, então não fiz uma experiência com Ele de verdade.
Lucas, Aracaju – SE
Para mim foi uma experiência de amizade. Fui no acampamento por isso, porque queria compartilhar e acreditar na experiência que alguns amigos já fazem. Queria conhecer o lugar e a história que mudou a vida de muitos deles, o lugar de memória que fala da origem do encontro com Cristo através de padre Virgílio. Também gosto muito da natureza e o acampamento podia ser um lugar de descanso e amizade. Foi muito bonito reconhecer a modalidade educativa com que Dom Giussani preferiu educar nosso povo. Cada dia uma razão para estar juntos, uma provocação para a nossa vida. Uma proposta para dizer Tu a Cristo. Tivemos tempo e uma proposta clara para isso, assim foi impossível não acontecer para nós.
Julián, São Paulo – SP
Desde o início, na montagem, marcou-me o desejo e determinação da equipe em fazer tudo para acolher os que chegariam com a consciência de que se acolhia o próprio Cristo. Disso veio um empenho e cuidado cheios de afeto no preparo de tudo. O que eu desejo? Essa pergunta permeou os dias. E a resposta vinha a mim através do encontro com os rostos dos amigos que desejam o mesmo: ser abraçados. Para mim, marcou-me ver que eu não preciso fazer um “esforço” para acolher ou ser acolhido. Bastou me abandonar ao que foi proposto e estar atento ao que acontecia. Ao final, ficou a certeza: gosto de acampar, mas que graça teria se não for para estar com estes amigos?
Ulisses, São Paulo – SP
Para mim os novos amigos que fiz no acampamento têm me ajudado muito, pois eles foram testemunhas para mim de uma amizade excepcional, de verdade, não só como muitas vezes nós dizemos que somos, mas na realidade, não somos. O acampamento foi uma experiência em que posso dizer: redescobri o movimento. Isso porque vivi coisas lá que até então não eram minhas, eram teorias bonitas que eu desejava viver. O maior exemplo disso foram as experiências de pobreza, de seguir e de disponibilidade que eu fiz e entendi melhor o que significam, desde seguir as propostas formais (como usar tênis na caminhada), até ficar perto ajudando com o que eu pudesse na equipe da música, que me fascinou e, portanto, fez com que eu aderisse com o meu "eu", não só porque era uma responsabilidade minha. Identifico, com certeza, que nada disso estava no meus planos, mesmo porque as minhas expectativas quanto ao acampamento quando estava no ônibus eram de que seria divertido e nada mais. A beleza que eu vivi não foi fruto de um plano que eu fiz quando acordava todos os dias de "como deveria ser um dia bonito para mim", mas sim de algo que me foi dado, de uma forma completamente inesperada e correspondente, para o qual eu só tive que dizer "sim" e aderir.
Hannah, São Paulo – SP
O motivo que me fez ir pela primeira vez ao acampamento foi uma amizade. Mas esta não é uma amizade qualquer, se fosse não iria deixar todos os confortos modernos para alguns dias no meio do mato, onde não tínhamos 3G, celular, banheiro, etc. No lugar do MSN, tínhamos longos encontros em um rio maravilhoso. No lugar das pizzas pedidas por telefone, havia o famoso churrasco do Quiçá. Tudo era uma oportunidade de encontro! Tudo era motivo para estarmos juntos!
Duda, São Paulo – SP
Há mais de 20 anos eu participo de todos os acampamentos de carnaval, mas no ano passado eu não quis ir. Para mim soava como um esforço de manter a tradição iniciada pelo padre Virgílio e isto não bastava para me tirar de casa. Mas eu havia participado da Peregrinação à Aparecida do Norte e das férias de Foz do Iguaçu e vi que aquela amizade viva entre padre Julián, Cleuza, Marcos, padre Aldo e Bracco se dilatava, e era oferecida também para mim. Isso me provocou a viver meu relacionamento com os que estão aqui, próximos de mim. Quando o Julián me falou que viria neste ano, foi maior ainda. Por causa dessa provocação eu fui ao acampamento deste ano e me surpreendi percebendo que a tradição que começou com o padre Virgílio não ficou no passado: Cristo me alcançou de novo com a mesma potência do primeiro encontro, abraçando-me aqui no “meu quintal”.
Nane, Belo Horizonte – MG
No domingo, o Heltinho fez a chamada de voluntários para os serviços de cozinha e campo, eis que chega: “preciso de voluntários para limpar os banheiros” (entende-se fossas cavadas no chão com paredes feitas de lona). Eu me coloquei disponível, afinal é algo que sei fazer. Fui junto com o Marco e, além de fazermos o trabalho com dignidade e alegria, ele colocou uma beleza enorme naquela ação. Disse que se o fizermos bem feito, ir ao banheiro não seria um problema para quem está lá com a gente e, logo, não seria um motivo para deixar de ir no próximo. Foi tão bonito e gratificante que combinamos de manter a pequena equipe todos os dias. Nem o suor, o peso das ferramentas, o cheiro, foram suficientes para ofuscar que essa doação, o encontro com o olhar do Marco, e ver a certeza de que ali meu trabalho era realmente para Cristo.
Diego, Belo Horizonte – MG
Quando cheguei ao acampamento de 1986 no Pico da Bandeira, vi o padre Virgilio com um desejo enorme e uma clareza, e era contagiante o desejo de estar junto, seguir, e assim, dentro da minha medida, o que era impossível vi acontecer. Desde então compartilho este desejo de participar, para que reaconteça para mim.
Jucelino “Quiçá”, Belo Horizonte – MG
Nessa quarta-feira de Cinzas, depois do inesquecível acampamento de carnaval, vi em meus filhos e em mim mesmo uma reação nova, uma coisa nova, ou melhor, uma reação inesperada por causa de uma coisa nova. Sempre que chegamos de uma viagem, corremos para usar as coisas da casa (televisão, computador, brinquedos, cama, livros, etc.). Mas dessa vez foi diferente. Dei-me conta, primeiro, olhando a alegria com que os meus filhos brincavam, sem os preferidos brinquedos e sem o mínimo interesse pela TV. Corriam pela casa e ainda gostavam de se misturar com “o resto de acampamento”, imaginando as barracas ainda montadas. Sem negligenciar nada daquilo que eu estava vendo e sentindo, mas, ao contrário, cerrando-me ainda mais na realidade, entendi que a minha experiência era a mesma da dos meus filhos, pois tinha a mesma origem: um acontecimento dentro daquele acampamento que se insistia contemporâneo. Mas o que era? Quem era? Quem divertia meus filhos e me enchia de Sua saudade, de Sua falta, senão o Tu daqueles dias, o Tu daquela companhia? Quem és Tu?
Wandré, Belo Horizonte – MG
A primeira coisa que nos fez aderir ao convite do acampamento foi o desejo de infinito de nossas filhas e o gosto delas pela aventura. O que mais nos tem chamado a atenção nestes dias que se seguem é o relacionamento com a comunidade de Belo Horizonte, cheia de velhos e novos amigos. Na fidelidade deles ao gesto do acampamento (no qual muitos encontraram a experiência de CL), foram capazes de nos acolher e cuidar de cada pessoa nos detalhes, oferecendo uma companhia concreta: uma conversa, um apoio nas caminhadas, a "expedição" noturna para as crianças. Nessa companhia, até a falta do banheiro se tornou um pequeno detalhe e os sacos de dormir e galochas, ainda fora do lugar aqui em casa, nos ajudam a lembrar que a vida pode ter um gosto de aventura se nos abrimos à realidade e ficamos atentos à presença do Senhor!
Fernando e Ana Sílvia, São Paulo – SP
Meus quatro dias de carnaval no acampamento mudaram um pouco meu modo de viver. Tinha algo maior entre a gente, que fazia aquele acampamento dar certo. Cento e oitenta pessoas comerem juntas na hora do café da manhã, almoço e jantar e todas estarem unidas na hora das missas e assembleias. Cada coisa me deixava feliz de um jeito, que cantei, dancei, caminhei, brinquei, tudo na companhia de pessoas que às vezes nunca tinha visto na vida, mas que não me deixavam sozinha. Lá teve reunião dos colegiais e um amigo que tinha acabado de conhecer falou olhando pra mim: "Eu nunca vim ao acampamento, mas já conhecia vocês, não era muito amigo desse pessoal, mas hoje conheci uma pessoa que me faz rir, que me fez feliz, e isso já bastou para mim." Nossa!! Nessa hora me senti muito importante, porque tinha feito um menino feliz naquele dia! Isso me fez feliz para o resto do acampamento! A alegria que existia no rosto de cada um ainda está em mim. Não é só o fato de estar com quem eu gosto de ficar, ou fazer algo que me satisfaz, mas também as coisas pequenas da vida que muitas vezes não prestamos atenção, mas são aquelas que me deixam mais intensa, suficientemente para eu ser apaixonada pela vida.
Catarina, São Paulo – SP
O acampamento juntou tudo o que não gosto (ou que nunca faço): fossa, banho no rio, mato, caminhadas, as brincadeiras, o calor etc. Mas na semana anterior o padre Julián tinha nos provocado com duas perguntas: "O que satisfaz a vida? Que sacrifício estamos dispostos a fazer para isso?". Com o pouco que vivi antes do acampamento já pude responder a essas perguntas: Aquela amizade com os universitários é o que me satisfaz, e o sacrifício que faço é ir aonde eles forem, mesmo que seja o acampamento. E assim, sem pensar muito em prós e contras, acabei indo. Todos os dias no acampamento foram essa verificação. O seguir essa amizade, não apenas nos horários e nas programações, mas ir atrás deles nas brincadeiras ou no dia dentro do rio tomando sol (eu que mal entro em piscina!). E deste modo, dia após dia reconfirmei o que me satisfazia e o sacrifício que se tornava cada vez menor. Porque aconteceu a descoberta de me entregar a uma amizade a todo momento, fazer o trabalho de lembrar as duas perguntas do Julián, e cada ação era uma verificação (positiva!) das respostas que tinha dado. Por essa descoberta, ao fim eu estava contente como poucas vezes na vida. Convidei todos que encontrei em São Paulo para irem comigo ano que vem ao acampamento! E quando não estou mais com o mesmo ânimo, relembro que não foi um ânimo, foi um juízo, foi uma resposta às duas perguntas que já foram devidamente respondidas!
Cláudio, São Paulo – SP
Credits /
© Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón