No dia 8 de agosto, Sergio faleceu durante um passeio às montanhas. O testemunho de um amor radical a Cristo. Os amigos, a família, as obras, a missão
Um funeral transformado em um hino à vida. Não é um paradoxo, é a síntese evidente daquilo que era Sergio Faccioli em vida, tanto que até sua morte tornou-se um acontecimento de povo em volta de sua pessoa, grande homem de fé. A igreja e a praça principal da cidade de Isera, bem próxima de Rovereto, em Trentino (Itália), ficaram lotadas para recordar esse homem que escolheu a radicalidade do amor a Cristo como marca da vida. Os jornais locais ficaram impressionados ao notar a presença de tantos jovens.
Sergio morreu repentinamente no dia 8 de agosto, aos 54 anos, entre as montanhas que mais amava, no coração de Brenta. Estava subindo com um grupo de amigos italianos e brasileiros para preparar uma cerimônia na lápide que ele mesmo havia encomendado em memória de padre Virgilio Resi, o amigo a quem se afeiçoou como a um irmão, ajudando-o na sua obra missionária no Brasil. Padre Virgilio, que era o responsável nacional de Comunhão e Libertação no Brasil e faleceu em 12 de outubro de 2002, todos os anos atravessava o oceano para passar, junto com outros amigos brasileiros, alguns dias no chalé de montanha do amigo Ivo Bonapace, onde Sergio e Antonio Plankensteiner passavam as férias com suas famílias. Um pedacinho da América do Sul presente entre as Dolomitas de Brenta, em uma casa nas montanhas que, desde o falecimento de Virgilio, passou a ter um nome oficial: “Sítio Virgilio”. Não por acaso, o funeral de Sergio foi presidido por Dom João Carlos Petrini, Bispo Auxiliar de Salvador: ele também estava ali, naqueles dias de agosto, desfrutando as belezas de Brenta e daquela companhia.
O Brasil era somente um exemplo das muitas paixões de Sergio: “Tudo o que entrava no seu horizonte, mesmo o que acontecia rapidamente no seu dia, tornava-se seu”, lembra Mauro Andreolli, com quem Sergio compartilhou a vida, obras, paixões e infinitas discussões. “O seu modo de viver a vida nos levava a requerer uma educação à fé adequada ao desafio que ele nos colocava”.
Grande intuição
Sergio era um homem de ação. Encontrou o Movimento no início dos anos 70. Quando, com alguns amigos arquitetos recém-formados, inaugurou o seu primeiro escritório, lhe deu o nome de S126: Salmo 126, “se o Senhor não edifica a cidade”. Uma das primeiras obras na qual se lançou, desprezando as dificuldades e a distância, foi a reconstrução das cidadelas da região de Fruilli destruídas pelo terremoto de 1976. A partir daí, especializou-se em projetos para reestruturação de centros paroquiais e locais destinados a reuniões sociais e religiosas, trabalho que é realizado, ainda hoje, pelos amigos e colegas do novo escritório, Siteco. A sua grande intuição, transformada em experiência cotidiana, foi que deste empreendimento poderia nascer uma obra de caridade. E, assim, depois de um período de sua vida, nos anos 80, no qual se lançou em um apaixonado empenho político no partido Democracia Cristã, em 1992 acatou uma sugestão de Giorgio Vittadini, deixando a política para se dedicar mais diretamente à criação de obras, como lembra Alceste Santuari, que esteve ao seu lado naquele período de mudança. O honorável Giuseppe Veronesi o envolveu na fundação “Família Materna”, nascida no início dos anos 90 para acolher jovens que enfrentavam o drama de uma gravidez ilegítima, que chegou a hospedar cerca de 150 mulheres com ou sem filhos. “Deu à ‘Família Materna’ todas as suas energias com o empenho humano e profissional de que era capaz – lembra a diretora Anna Michelini –. Interessava-se pessoalmente pelo destino das famílias acolhidas e, dessa forma, apaixonava-se pelos problemas mais diversos. A obra de acolhida, nos repetia, não deve se tornar uma multinacional da caridade, mas deve manter o coração original, dando atenção à pessoa como indivíduo. Acompanhava cada detalhe”. Foi exatamente a amizade com Anna Michelini e seu marido, Livio, que fez Sergio se apaixonar pelo Brasil. O casal, de Riva del Garda – que morou no Brasil entre os anos 80 e 90 – foi promotor de um projeto da Fundação Avsi para a urbanização de uma grande favela de Belo Horizonte.
Mas para tornar habitável uma favela tão grande era necessário estudá-la a fundo e fazer uma catalogação: então, a experiência trazida ao Brasil por Sergio do seu projeto de Rovereto revelou-se fundamental para as informações cadastrais e os sucessivos passos técnicos. Das primeiras viagens ao Brasil nasceu o relacionamento que levou padre Virgilio, antes de sua morte, a confiar a Sergio a Fraternidade dos padres que tinha crescido em torno dele, no Brasil.
Sem meios termos
“Com Sergio, o relacionamento era total, sim ou não, sem meios termos”, conta seu amigo e colega, o arquiteto Francesco Baravelli. “A radicalidade do seu abandono à experiência que vivia fazia-o superar imediatamente a divisão entre fé e obras. O valor do instante presente era o que o fazia jogar-se sempre até o fundo: por isso, eram inevitáveis também as discussões sobre o trabalho”. Tudo o interessava, mas a pedra angular era a família. Até a sua casa, na cidadezinha de Isera, foi concebida para ser ponto de encontro e de partida para cada aventura do dia. Projetou-a para a família e com o passar dos anos tornou-se um tipo de meeting point (ponto de encontro; nde), onde, em qualquer momento se podia encontrar acolhida, hospitalidade e um bom copo de vinho diante do qual conversar, se comparar ou discutir. Um belo jardim para o verão, o grande salão no térreo para o inverno e uma mesa sempre pronta a ser servida que ficava sobre um pórtico, que todos já chamavam de “o pórtico de Pia”, do nome da mulher, Maria Pia, que, com os seis filhos, compartilhava completamente os ideais e estilo de vida de Sergio. Ele dificilmente ia à casa dos outros: queria sempre que todos fossem à sua. “Em sua casa, respirava-se um clima de respeito e de liberdade – salientou Dom Petrini na homilia do funeral –, uma casa sempre cheia de gente, aberta para acolher pessoas de todo o mundo. Tinha uma atenção para com as comunidades dos vales trentinos e respeitava sua identidade; mantinha uma amizade com os missionários no Brasil preocupando-se com seus problemas e com suas atividades; tinha grande estima e amizade por padre Virgilio, a quem dedicou uma associação para manter as obras, documentando uma humanidade que raramente se encontra”.
“Ele me chama”
No mês de julho, participou com entusiasmo de uma peregrinação à Terra Santa: uma viagem que o tocou profundamente, assim como o encontro do Papa com os Movimentos, em Roma. Escreveu sobre isso a padre Carrón em um e-mail, que foi encontrado em seu computador por amigos, depois de sua morte: “É a minha fé nEle que Ele deseja, e que encontre isso em mim quando vier. Este meu sim é essencial. Eu, que por caráter e ímpeto, sempre fui um homem de ação e sempre desejei pertencer a Ele em tudo o que sempre fiz, agora entendo, com maravilha, que Ele me chama não por aquilo que faço, mas pede que eu lhe pertença naquilo que sou”.
Dom Luigi Negri, em uma mensagem lida durante o funeral, definiu-o assim: “Sergio Faccioli foi, para mim, um dos maiores encontros entre os que Deus me deu. A sua fé límpida, o seu pertencer incondicional à nossa companhia e à sua história fizeram dele uma exemplar testemunha da laicidade, daquela santidade comum ao povo de Deus da qual falou o Concílio Vaticano II. A sua inexaurível capacidade de construção de relacionamentos cristãos e de obras o tornaram, nestes anos, operador de paz e de justiça”.
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Uma amizade excepcional
Nos primeiros dias de agosto, quando recebi o telefonema de
Beppo para me comunicar da morte do Sergio foi um susto, mas imediatamente o imaginei com o Virgilio e Dom Gius em festa por estar eternamente em companhia dAquele que muito amaram e por quem deram a vida. Nestes 20 anos de amizade entre Sergio e Virgilio, o relacionamento humano que eles tinham não era senão a origem do destino divino do homem. Disto nascia a capacidade de estar perto das pessoas e a paixão pelo homem. A casa do Sergio, assim como a casa do Virgilio, era sempre aberta para as pessoas que encontrava, pessoas de todo tipo e gênero. Todas as vezes que eu ia na casa do Sergio sempre encontrava pessoas que ele acolhia e recebia como um grande anfitrião, assim como eu via na casa do Virgilio na Serra da Piedade. O relacionamento humano que eles tinham era a transparência do céu. Era para mim um grande exemplo de como eles doavam si mesmos para as pessoas, para favorecer uma humanidade nova, para favorecer o crescimento da comunidade do Movimento e para ajudar as iniciativas e projetos sociais e culturais, dando inclusive tempo, dinheiro e energias. Pelo 25 anos de Sacerdócio do Virgilio, o Sergio me ligou dizendo que vinha para a festa na Serra, e queria fazer uma surpresa, e assim foi para o nosso amigo Virgilio. A foto deste dia é como eu os imaginei quando o Sergio morreu: felizes.
Rosetta Brambilla
Credits /
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