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Passos N.78, Dezembro 2006

IGREJA - O PAPA EM VERONA

Tornar visível o grande sim da fé

por Carlo Dignola

Nos trabalhos de grupo durante o Congresso da Igreja italiana, realizado em Verona, respirou-se um atmosfera não-ideológica e de colaboração, sobretudo entre as pessoas mais jovens, frente à consciência de que a secularização da Itália está muito adiantada.

Nas palavras do Papa, há necessidade de uma ênfase positiva, não censória, a partir da certeza de que o motivo da esperança cristã não é uma utopia social, e sim o Senhor ressuscitado. Que traz para dentro da história a maior “mutação” jamais acontecida. E a afirmação de que, para que a experiência da fé seja acolhida e vivida, a questão fundamental e decisiva é a educação

À espera do Papa, os jornais especularam à vontade a que mãos seria entregue a Igreja italiana, depois da longa “era Ruini”, que provisoriamente Bento XVI confirmou no cargo de presidente da Conferência Episcopal Italiana (CEI), “até que se determine diferentemente”; Ratzinger, em Verona, insistiria num cristianismo “dialogante” ou naquele “da presença” que João Paulo II definiu, 20 anos atrás, em Loreto, conduzindo o barco de Pedro para além dos abrolhos da “opção religiosa”.
Nas Comissões do Congresso – dedicadas aos temas do trabalho, das festividades, da tradição (presidida por nosso amigo Costantino Esposito, da comunidade de Bari), da vida afetiva, da fragilidade, da cidadania – aconteceram discussões muito vivas; no plano político, os católicos italianos estão, hoje, estavelmente divididos em dois pólos opostos, mas em Verona respirou-se uma atmosfera não-ideológica e de colaboração, sobretudo entre os mais jovens, frente à consciência, cada vez mais clara, de que a secularização do país está muito adiantada, e que os apelos do Papa convidam a uma tomada de posição de cada um em seu âmbito de vida. Paola Bignardi, presidente da Ação Católica, em seu relatório destacou o “espiritualismo” e a tendência enfraquecedora de se usar uma linguagem eclesiástica “genérica” nas análises e “retórica” nos tons: pregou o retorno a “palavras espirituais verdadeiras, que não tenham medo nem das incertezas da vida nem da referência ao mistério”. O teólogo Franco Giulio Brambilla disse que é chegado o momento de “se encontrar uma capacidade de síntese que coloque em ação os melhores recursos dos fiéis”. Em suma, no “clima sinodal” de Verona percebemos que nestes anos cresceu um senso comum de “ser Igreja”, embora em meio a diferenças de sensibilidade e de impostação. A impressão é que os desafios que o Papa está lançando estão prontos para ser acolhidos por uma nova geração de católicos.

O bem da comunidade
Bento XVI fez um longo discurso [ver p. 40 desta edição], riquíssimo, que confirma a linha de firmeza sobre temas éticos que o Cardeal Ruini, nestes anos, defendeu corajosamente – a escola católica, a família baseada no matrimônio entre homem e mulher –, mas disse também que a Igreja, embora tendo “um interesse profundo pelo bem da comunidade” social, “não é e não pretende ser um agente político”: cabe aos fiéis leigos, “sob a própria responsabilidade”, entrar no jogo (político), “iluminados pela fé e pelo magistério da Igreja”.
Logo se sentiu, em Verona, o acento novo dado pelo Papa, muito preciso e circunstanciado em suas críticas à cultura na qual estamos imersos, embora positivo no tom, sem recriminações nem “preocupação” frente ao tempo que a Igreja está vivendo. Bento XVI começou recordando que o motivo da esperança cristã não é uma utopia social, mas “o Senhor ressuscitado”, que traz para dentro da história “a maior mutação jamais acontecida, uma dimensão de vida profundamente nova”. Evidenciou o fato de que a cultura moderna gerou uma redução da esfera da razão ao que é calculável, e “uma radical redução do homem, considerado como um simples produto da natureza”: dois fatores que o tornam “não realmente livre”. Disse que “um verdadeiro diálogo com as outras culturas” não será possível se não se perceber o sentido das tradições religiosas (ou simplesmente morais) nas quais elas se apóiam. Essas coisas não são percebidas apenas pelos católicos, mas também por “muitos importantes homens de cultura” que não têm fé: as inteligências mais livres podem se tornar aliadas nessa batalha cultural, sem preconceitos.

Elogio da Matemática
Mas o cristianismo – disse Bento XVI – não nasce de “uma decisão ética ou de uma grande idéia”. Não é a religião do “não”, das proibições, mas do “sim” ao “amor autêntico” que todo homem deseja para si. É uma forma de vida humana gerada a partir do “encontro com a pessoa de Jesus Cristo” e destinada a trazer “a alegria para o mundo”. O cristão é o homem aberto não só a “tudo o que existe de justo, de verdadeiro e de puro nas outras culturas” – disse o Papa –, mas também a “tudo o que anima, consola e fortalece” a nossa existência.
Bento XVI teceu, inclusive, um pequeno elogio à Matemática, reavaliando Galileu – que o mundo laicista considera o “fantasma” da Igreja – porque talvez foi ele o primeiro cristão a perceber maravilhado o fato de que entre as estruturas abstratas elaboradas pela mente humana e o mundo real há uma “correspondência”, e que ambos parecem regidos pela mesma Razão. Isso não só “suscita a nossa admiração” – disse o Papa –, mas também “coloca uma grande pergunta”, que todo cientista sério deveria enfrentar. No discurso de Verona há também um golpe de espada contra o cientificismo atual, que no ímpeto de venerar uma forma reduzida de razão está se tornando uma laicíssima forma de superstição, que termina por confiar tudo o que acontece aos frios braços do acaso. Se, pelo contrário, houvesse menos preconceito, seria “novamente possível ampliar os espaços” da nossa cultura – disse o Papa –, “coordenar entre si a teologia, a filosofia e as ciências”: essa é uma “aventura fascinante” na qual seria desejável que alguns cristãos se empenhassem.

Uma fé amiga da inteligência
Ratzinger disse também que a Igreja deveria retomar a coragem e a força intelectual das comunidades dos primeiros séculos, e tentar um novo desafio racional, e aqui o paralelo com o discurso de Regensburg ficou evidente. Foi o encanto humano com a posição baseada numa “fé amiga da inteligência” e, ao mesmo tempo, na prática socialmente revolucionária da caridade – disse Bento XVI – que tornou possível “a primeira grande expansão missionária do cris-tianismo”, e “essa continua sendo a estrada-mestra da evangelização”, muito mais do que a elaboração de complicadas estratégias pastorais.
Na passagem final do seu discurso, o Papa destacou a especial relação da Igreja italiana com Nossa Senhora, “tão amada e venerada em todos os cantos” do país. Essa presença capilar – das imagens encravadas nas vielas de Nápoles às capelinhas espalhadas pelos Alpes, dos grandes santuários, como o de Loreto, aos oratórios domésticos – não por acaso coincide com a própria difusão da fé: porque em Maria “encontramos, pura e sem deformações, a verdadeira essência da Igreja”, e por meio dela aprendemos a amar a misteriosa presença do povo cristão na história, e nos sentimos parte dela, com sentimentos de afeição imediata.

O Cardeal Ruini
À tarde, no estádio Bentegodi, ao se encontrar com o “povo” – e continuamente interrompido pelos aplausos, durante a sua pregação –, Bento XVI recordou também que “num mundo que muda, o Evangelho não muda: a boa notícia continua a mesma”. Para usufruir dela não é preciso fazer grandes esforços, basta “não se afastar de Jerusalém, permanecer na cidade”, onde se consumou o sacrifício de Jesus: e essa cidade, hoje, é a Sua Igreja. Não é importante que haja multidões; o que conta nunca é a consistência numérica, mas a infinitude do horizonte no qual se projeta a história dos homens. Para os primeiros cristãos, a fé, depois da manhã de Páscoa, “enchia o coração de uma ardor” que “imprimia às suas palavras uma irresistível energia de persuasão”. Porque só Jesus “pode plenamente satisfazer aos anseios profundos do coração humano”, e “a certeza de que Cristo ressuscitou” garante que, apesar dos nossos parcos recursos, “nenhuma força adversa será capaz de destruir a Igreja”.
O Cardeal Camillo Ruini, ao encerrar o Congresso de Verona, também não usou palavras triunfalistas: lembrou “o desafio representado pelo terrorismo internacional”, e pela “forte presença islâmica na Europa”. Frente a uma sociedade na qual o homem é educado para valores cada vez mais diferentes dos valores cristãos, o presidente da CEI convidou os católicos italianos a “prosseguir” na via de uma diversidade não-presunçosa, mas decidida, “não se envolvendo em opções partidárias ou de alinhamento político, antes atuando para que os fundamentais princípios lembrados pela Doutrina Social da Igreja, que estão de acordo com a autêntica realidade do homem, permeiem e sustentem a vida da nossa sociedade”. São os leigos – disse Ruini –, hoje estavelmente “colocados dentro de organizações políticas diferentes”, que devem expressar a própria identidade e colaborar em torno de “valores não negociáveis”, embora no respeito à liberdade de todos, “grandíssimo valor que deve ser reconhecido o mais amplamente possível”, inclusive no nível legislativo. Mas Ruini também recordou que quando um cristão é criticado por suas claras posições, isso é bom: “Muito mais preocupante seria aquela indiferença que é sinônimo de irrelevância, e sinal de que não estamos presentes”.
Aquele “até que se determine diferentemente” se tornou, em Verona, um “ainda não”: não é o momento de a Igreja italiana trocar de guia. E, certamente, muito menos de linha.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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