Quatro histórias colhidas durante a Assembléia Internacional de Responsáveis do Movimento, o encontro que levou a La Thuile (Itália), no final de agosto, mais de 750 jovens e adultos de 70 países do mundo. Nestas páginas, depoimentos da Espanha, Japão, França e Cazaquistão. A documentação do que é gerado pelo encontro cristão na vida de uma pessoa, quaisquer que sejam as tradições e a cultura
* Etsuro Sotoo
Escultor da Sagrada Família de Barcelona
Como um filho que chega em casa
Vivo em Barcelona como um estrangeiro. Desde jovem, sempre viajei muito, não tanto pela viajem em si, mas em busca de algo, para encontrar algo fora ou dentro de mim. Agora, já faz muito tempo que, “fisicamente”, não viajo.
A primeira coisa que encontrei nessas viagens foi a pedra: um material muito difícil, misterioso e forte. Para mim, a pedra é o motivo pelo qual viajo. De fato, graças à pedra, cheguei à Europa onde encontrei a Sagrada Família. A partir daí, fiz uma outra viajem que me levou muito mais longe. Durante todo este caminho estive sozinho, ninguém me acompanhava, somente a pedra. No fundo, porém, estava convencido de não estar completamente só e de que havia algo que já estava preparado para mim. Por exemplo: se em volta de mim existir só escuridão mas, mesmo assim, eu continuar no meu caminho, chegarei a um lugar onde começarei a entrever a luz. Quando se entra em um quarto escuro onde não é possível ver nada, se se permanece um pouco, é possível começar a ver algo porque a luz existe! É aqui que começa a minha viagem. Inesperadamente encontrei algo, como se fosse uma porta que eu forçasse para abrir e, abrindo-a, encontrasse um quarto escuro e, esperando um momento, visse outra porta que dava em outro quarto escuro. Para mim, era como se não existisse uma porta que me levasse até a luz. Mas essa porta existia! E, então, me perguntava: “Por que procuro essa porta? E porque atravesso portas que eu não conheço?”. Esta foi a viajem provocada pelas perguntas que nasciam dentro de mim.
Ninguém me obriga a viajar, ninguém me obriga a fazer-me as perguntas, ninguém me obriga a “abrir outras portas” e entrar em novos quartos. Eu, fascinado por Gaudì, queria abrir a sua porta mas não conseguia até que, de repente, de uma direção a qual não conhecia, percebi que estava chegando a mim uma luz que era a porta da fé, embora eu não tivesse consciência disso. Mas, abrindo esta porta, encontrei um deserto. Não encontrei Gaudì, que não me abriu a sua porta, mas abriu meus olhos para me mostrar para onde ele olhava. É isso que agora eu percebo: Gaudì queria que eu abrisse a minha porta. Para mim, era como caminhar num deserto e, além do mais, sozinho, sem Gaudì, que ficara para trás. Estava totalmente sozinho e o que podia fazer?
Inesperadamente encontrei vocês e o meu caminho deixou de ser um deserto tornando-se amplo e cheio de luz. Desde então não estou mais sozinho e, hoje, percebo que seria muito duro continuar só. Dou-me conta de que caminhamos juntos em direção ao mesmo ponto. Por que, agora, vejo tanta luz? Porque vocês existem! Sempre me perguntei de onde vinha esta minha necessidade de “abrir portas” e me respondi que isto acontece quando alguém não está bem e sente a necessidade de buscar, de lançar-se em direção a algo que ainda não conhece. Por isso, passei metade da minha vida nessa angustiante busca. Até então, caminhei sozinho e não havia ninguém a quem pudesse dirigir minhas perguntas. Depois, encontrei vocês, que caminhavam na mesma direção que eu e isto, para mim, é mais que um presente, é o paraíso. É como se vocês estivessem esperando as minhas perguntas, é como se as conhecessem antes que eu pudesse formulá-las e, isso, para mim, é mais do que receber respostas, me dá uma grande tranqüilidade e, ao mesmo tempo, é uma grande surpresa. Quando vocês chegaram à minha casa e lhes fiz minhas perguntas, era como se a expressão alegre de vocês me dissesse que era exatamente aquilo que vocês esperavam. É como um filho que chega em sua própria casa e pode fazer todas as perguntas que quer, pode fazer tudo aquilo que quer, tudo lhe é permitido.
Imaginem um homem em uma prisão, que precisa lutar minuto a minuto para sobreviver, porém, sem esquecer-se de quem é e qual é o seu destino. De repente, a grade desaparece e ele pode reencontrar todos os amigos e abraçá-los. É quase impossível acreditar. Eu sou um lutador, talvez até demais, mas conhecer vocês ajudou-me muito e me confirmou que em tudo aquilo que fiz não perdi tempo e que tudo o que aconteceu foi necessário. Na verdade, parece que tudo foi preparado para mim. Agora sei que todas as minhas viagens e a minha tristeza valeram a pena. Tive paciência e, às vezes, me angustiei, mas o que me angustiava mais era a possibilidade de me transformar em uma pessoa que duvidava. Eu me sentia assim porque não tinha nenhum lugar para onde ir, porém, nunca esqueci a minha pergunta.
Antes de conhecer vocês estava me tornando um homem duvidoso. Duvidoso significa que quando se encontra outros homens, você começa a duvidar que sejam pessoas boas e que podem lhe ajudar e sempre pensa que eles querem lhe enganar, você não confia mais nas pessoas. O homem duvidoso é fraco e eu estava me transformando em um homem fraco mesmo porque quando se luta sozinho é mais fácil encontrar o inferno que o paraíso. Precisava superar esta fase porque estava me levando a duvidar até das coisas que fazia. Isso me dava medo. Mas, por fortuna, encontrei vocês, que vivem uma certeza. E esta fortuna é uma graça que é buscada; quando se está fechado, ela não chega, é preciso mover-se até ela. Isto confirma que tudo aquilo que passei é positivo e, embora estivesse prestes a cair, agora estou feliz. Se eu não tivesse encontrado vocês provavelmente teria caído e teria me transformado, como na Metamorfose, de Kafka, em um inseto. Eu estava prestes a perder minha batalha mas aprendi que enquanto as perguntas se mantiverem vivas, a vitória está assegurada. O que significa que amanhã é um novo dia e é possível continuar em frente: é a vitória de Cristo. Se você renuncia a ser homem e renuncia às suas perguntas, perde a batalha. E não existe amanhã.
* Tomoko Sadahiro
Secretária no Arcebispado de Hiroshima
Folheando Passos em japonês
A figura de Dom Giussani sorridente no final de uma Via-Sacra em Caravaggio (Itália) destaca-se no centro da capa da revista, circundada por ideogramas japoneses. É o último número de Passos traduzido para a língua japonesa: Sako trouxe consigo alguns exemplares à Assembléia Internacional de Responsáveis de Comunhão e Libertação.
Sako, chamam-na assim embora seu nome seja Tomoko, mora em Hiroshima e faz parte da pequena comunidade de CL no Japão, com pouco mais de 20 pessoas entre Tóquio e Hiroshima. Peço a ela que fale um pouco de si e de como encontrou o Movimento. “Fui batizada em 1985. Antes disso, embora não sendo cristã, freqüentei a Universidade Católica dos Jesuítas onde, entre outras matérias, estudava canto gregoriano sendo ‘obrigatória’ a participação em algumas missas, como no Natal e na Páscoa. A universidade, além do mais, fica ao lado da catedral. Se penso nestes 22 anos, me dou conta de que Deus realmente me quis, quis que eu estivesse aqui: literalmente me atraiu! Lembro que tive alguns problemas com alguns amigos e, logo depois, descobri que queria algo mais com eles e disse: ‘Quero algo que não termine’. Exatamente naquele período encontrei uma senhora italiana, Angela – que me apresentou o Movimento –, e seu marido, que era professor de canto. Foi então que comecei a preparação para o Batismo”.
Continuo a folhear Passos em japonês e Sako me mostra, entusiasmada, que neste número também foi publicada a carta de padre Carrón à Fraternidade. Prevendo as minhas perguntas, conta: “Traduzimos Passos em duas pessoas, eu e Márcia, uma nipo-brasileira. Eu trabalho no arcebispado. À noite, quando chegamos em casa, fazemos a tradução. Toma-nos muito tempo, cerca de 2 a 3 meses, inclusive por causa da dificuldade que temos em relação a alguns conceitos ou algumas palavras. Por exemplo, a palavra ‘identidade’: é um conceito que não se usa na linguagem comum, somente nos âmbitos acadêmicos com a palavra inglesa identity. Ou a palavra ‘caridade’: em japonês, não existe. E acontece também com outras palavras. Por fim, conseguimos publicar 3 números por ano”. Então, ela me explica que quando começaram a preparar este número da revista, a encíclica Deus caritas est ainda não tinha sido publicada em japonês e, por isso, pensaram que seria melhor traduzi-la antes de Passos. Quase no final do trabalho, por ironia do destino, a encíclica também foi publicada em japonês.
“Nós a enviamos – continua – a todos os Bispos, a monges e a superiores de congregações... Mais de 200 cópias foram enviadas. Nós não somos escravas do ‘êxito’, porém, se alguém lê e responde ou se acontece algo a partir do nosso trabalho, a coisa nos encoraja muito! Conto um episódio: tenho uma amiga que deixou o Movimento há dez anos dizendo que não lhe correspondia. Há três anos ela teve um problema grave. Procurou-me e começamos a fazer caritativa juntas – saímos para dar comida aos mendigos que vivem na cidade. Depois da caritativa, no carro, sempre conversávamos e ela me fazia muitas perguntas. Assim foi por três anos. Sempre insisti com ela sobre aquilo que Dom Giussani me ensinou, sobre uma coisa que sempre ficou dentro de mim, que é olhar adequadamente a realidade porque a realidade chama ao Mistério. Na verdade, algumas vezes brigamos, coisa que dificilmente acontece no Japão porque somos criados para guardar tudo, inclusive os nossos desapontamentos. Em uma das revistas publicamos a tradução da síntese do encarte Algo dentro de algo, que ela leu e releu, até que me disse: “Sako, finalmente entendi aquilo que Dom Giussani diz!”. Estava muito contente! E eu também. No fim, expressou o desejo de retomar o relacionamento conosco”. Falar de Cristo e do cristianismo aos japoneses, conta Sako, é difícil porque há um grande preconceito e, em geral, as pessoas acham que o que diz respeito à Igreja não tem relação com a própria vida porque não faz parte da sua cultura mas da do Ocidente. O japonês tem uma grande capacidade de olhar e de aprender. Em relação ao cristianismo, isso não acontece ou, melhor, às vezes acontece mas, muito freqüentemente, permanece como uma manifestação sentimental. É um problema de mentalidade, de cultura e de tradição que, por vezes, parecem ser grandes obstáculos. Mas Sako nos leva a afirmar: “Difícil, mas não impossível. Porque o coração do homem é sempre o mesmo, em qualquer lugar”.
* Dmitriy e Ramziya Kuryachenko
Um advogado e uma docente universitária
Um ano de matrimônio nas estepes
Dima e Ramziya vivem em Astana, no Cazaquistão. Casaram-se em 3 de julho de 2005. Pedimos a Dima, presente com a mulher em La Thuile durante a Assembléia Internacional de Responsáveis de CL, para nos descrever este primeiro ano de vida juntos.
Um ano de matrimônio: se fosse contar, de onde partiria?
Entendi que é um caminho bastante difícil de percorrer, mas é um caminho que é para mim e para ela, é um dom que Deus nos deu para que Ele possa construir o seu Reino. E é um “acontecimento” quando tenho consciência de que esta mulher, Ramziya, minha esposa, é Jesus que me olha por meio de seus olhos, me abraça com suas mãos e me sorri, inclusive quando prepara a comida.
Tivemos muitas dificuldades porque temos personalidades muito diferentes, mas esta companhia, este encontro com Cristo nos ajuda a entender que não nos bastamos. Por exemplo: como todos, temos sempre a tentação de “possuir” e isto se exprime até nas menores coisas: às vezes eu respondo mal e ela fica com raiva ou chego tarde e ela me chama a atenção. Por temperamento, me irrito, porque não entendo como uma questão tão pequena possa gerar um problema e, fazendo, assim, o torno ainda maior. Aos poucos entendi que esta posição não é razoável. Mas como entendi isso? Olhando para aquilo que existe, estando diante da realidade. E os meus amigos me ajudam a entender que a realidade é esta e eu devo amá-la: é mais razoável amá-la que irritar-me.
A experiência da família, quer dizer, que dois jovens que se amam, se casem, é uma coisa “normal” no Cazaquistão?
Normal? Absolutamente não! A normalidade, digamos, do contexto, da mentalidade dominante é que o valor da família não existe, não é um valor próprio da cultura, no modo mais absoluto. Existem entre nós muitos casais que não são casados e moram juntos e muitos que se casam e, depois de um ano ou dois, se separam. Inclusive, do ponto de vista dos filhos, é um desastre.
Por exemplo, quando Ramziya estava internada na ala de ginecologia do hospital, todos os dias chegavam 6 ou 7 jovens para abortar no sétimo/oitavo mês de gestação. Isso não seria permitido, mas os médicos o fazem porque senão estas jovens o fariam em casa correndo o risco de morrer. Não só jovens, para dizer a verdade: há, também, mães de família que, provavelmente, abortem porque já tenham muitos filhos.
Porém, acho que estas são conseqüências de outra coisa. O problema, como foi dito durante a assembléia com Carrón, é que não existe a pessoa, não há o despertar da pergunta: “Quem sou eu, por que estou no mundo, por que vivo?”. E a graça que nos é dada, o encontro com o Movimento, é realmente uma salvação. Porque, mesmo quando nos irritamos, depois, perguntamos: “Mas seu coração deseja mesmo isso? Ele uniu Ramziya a mim por isso? Por essa estupidez pela qual nos irritamos e nos destruímos, afetando inclusive a saúde?”. Começamos a entender que devemos ser salvos todos os dias: devemos ser encontrados e nosso coração precisa de respostas às exigências que temos no relacionamento com a mulher, em casa ou no trabalho.
De que modo isso é possível?
Como método, há a oração. Eu, de manhã, assim que abro os olhos, rezo porque preciso e não porque tenho que fazê-lo. Mas, por que preciso? Porque devo ser salvo, devo pedir para ser salvo. O meu dia começa de um modo que me salva, me preenche o coração. Se não, tudo se torna um “devo, devo, devo fazer!”. E, no fim do dia, me pergunto: estou feliz ou não? E os meus deveres, as coisas que preciso fazer, como as faço? Às vezes, é muito difícil estar com essa postura diante daquilo que acontece mas, pelo menos, é possível pedir. É uma coisa razoável e não posso fazer de outra forma, embora às vezes possa acontecer – e acontece! –, porque é mais conveniente para mim: eu fico melhor, sinto-me feliz.
Na vida cotidiana, as outras pessoas se dão conta disso?
Não falamos muito com nossos vizinhos mas, quando nos encontramos, acontece algo interessante: eles param para conversar conosco, coisa que antes, quando nos mudamos para esta casa, não acontecia. Em casa, nós falamos sobre tudo, sobre como foi o dia e compartilhamos as coisas; as paredes das casas são muito finas e, além do mais, existem alguns buracos e as áreas de respiro que nos interligam com os apartamentos vizinhos, e isso faz com que seja possível ouvir as conversas. Mas eles não falam, não! Sabe o que a maioria faz? Assiste televisão: só! Isto diminui seu tédio. Nós não temos televisão. Provavelmente escutam quando eu e Ramziya conversamos. Não obstante, muitas vezes quando nos encontramos nas escadas, nós perguntamos: “Como vai? Como vai o trabalho?”. O que não é usual no Cazaquistão. Ninguém se importa com ninguém. Nunca convidamos os vizinhos à nossa casa, mesmo sendo uma bela idéia. Mas os alunos de Ramziya, – que dá aulas na universidade –, e os meus amigos, sempre convidamos. Um amigo meu, que vem nos visitar desde que começou a trabalhar em Astana, no final de um jantar, disse: “É realmente bonito ter uma casa. Aqui, sinto-me em casa, mesmo não sendo minha”. E não queria mais ir embora! Todas as vezes que vem nos visitar é a mesma coisa. Os estudantes que convidamos este verão também ficaram tocados. Não conosco, mas por causa daquele olhar que, através de nós, chega a eles. Porque nós não somos capazes, nos esquecemos, nos vestimos de todas as cores, queremos ter tudo e, no fim, perdemos a nós mesmos.
* Murielle Fabre
Estudante universitária em Paris
A coragem de estar diante da realidade
Estamos na última noite da Assembléia Internacional de Responsáveis. Estava curiosa para conhecer a estudante universitária que escreveu a carta e o panfleto (publicados em Passos de maio) sobre o motim de Paris. Quando a vi, por um instante me veio uma famosa fotografia do “Maio francês” de 1968: uma belíssima jovem entre a multidão levanta o braço em sinal de protesto. A mesma vivacidade, a mesma expressão fechada. Murielle está matriculada no curso de Línguas Orientais, em Paris. “Na França, estuda-se línguas de maneira intensiva – explica – e eu escolhi o chinês. Sempre fui apaixonada por línguas, e tenho a vantagem de ser bilíngüe, porque minha mãe é italiana e meu pai, francês. Cada língua tem sua própria constelação descritiva da realidade. Para mim, a língua é a possibilidade de comunicar a si e de encontrar o outro. Tudo começou com alguns encontros que ditaram a minha vida”. Começamos pelo primeiro: “Até os dez anos, vivi na França. Depois, por problemas familiares, vim para a Itália com minha mãe que conheceu Dom Giussani quando ainda era jovem e sempre me comunicou o seu modo de viver. Morávamos em Milão, onde mamãe tinha grandes amigos que logo me acolheram e fizeram-me sentir em casa. No final de semana ia a Brugerio (bairro da periferia de Milão; nde) encontrar meus avós e, ali, comecei a freqüentar alguns encontros na paróquia dirigida por padre Gianni Calchi Novati. Eu não era batizada porque meu pai tinha decidido que isso deveria ser uma escolha minha”. Você fez Catecismo? “Não, não foi exatamente o primeiro passo. Um dia, padre Gianni perguntou: ‘Quem quer ser pescador de homens?’. Eu fui à papelaria, comprei um cartão e escrevi: ‘Sim, quero ser pescadora de homens’. Padre Gianni começou a promover jantares com as pessoas que tinham respondido. Éramos um pequeno grupo. A um certo ponto, pedi para ser batizada. Foi uma festa belíssima. Para mim, foi um momento fundamental, um divisor de águas”. Você continuou os estudos em Milão? “Sim. Fiz o técnico em línguas e encontrei uma grande professora do Movimento que se afeiçoou a mim como uma mãe e fez com que eu me apaixonasse pelo mundo. Vivendo a experiência dos colegiais na minha comunidade da escola La Manzoni conheci padre Giorgio e os amigos do Colégio Sacro Cuore e foi indo à praia, no verão, que conheci a comunidade de Chiavari (na Ligúria). Ali encontrei padre Pino de Bernardis, a pessoa que mais fez com que eu me apaixonasse pelo Movimento e que mudou a minha vida. Um dia, fui a um encontro dirigido por padre Pino sobe a historicidade dos Evangelhos. Para mim, foi importantíssimo ver como, por meio do estudo da freqüência de algumas consoantes, tinha sido possível reconstruir os fatos históricos fundamentais para a nossa fé, para que pudéssemos dar as razões da nossa fé. Isso me fez dizer: ‘A lingüística é a minha vocação cultural!’. No final do encontro fui à casa de padre Pino, que me convidou para ir até a Universidade Católica porque queria me apresentar uma pessoa. Assim, conheci Eddo Rigotti, professor de Lingüística. Conversamos por dez minutos e, no final, junto a uma série de conselhos, me disse: ‘Você deveria estudar russo ou chinês’. Eu tinha uma propensão para o russo porque uma amiga minha o estudava”. E, no entanto... “No entanto, um outro encontro. Naquele verão, durante a Equipe dos colegiais, um casal recém chegado da China deu um testemunho. O relato deles foi fascinante. No outono inscrevi-me em um curso noturno de chinês!”. Depois que terminei o ensino médio decidi aprofundar esse interesse pela língua. “Sim, esse desejo de comunicar e entender o outro”. Mas, por que você voltou para a França? “Antes de mais nada, porque eu queria estudar Lingüística e, mais uma vez, por uma série de coincidências e problemas burocráticos, acabei me inscrevendo em línguas orientais. Por que Paris? Poderia dizer que era porque me parecia o melhor mas, o fato, é que sentia falta da França, um pedaço da minha história estava ali. O primeiro ano foi duríssimo porque encontrei algo que me era familiar, mas que parecia longe da experiência que fiz na Itália, a ponto de pensar: ‘Não vou me deixar impregnar por aquilo que acontece à minha volta’. Eu não compreendia a mentalidade das pessoas e esta era uma dificuldade que eu vivia não só com os colegas da universidade mas também na comunidade”. E depois, o que aconteceu? “Parei de pensar que o que eu tinha encontrado era melhor e que devia permanecer impermeável ao ambiente e a quem encontrava. Os outros são interessantes para mim porque são uma possibilidade real de encontro. Escrevi que queria ser uma pescadora de homens... Isso, muitas vezes, não é fácil porque na universidade há uma competitividade impressionante a ponto de haver pessoas que passam a matéria errada e ficam contentes por lhe fazer perder tempo com brincadeiras há uma semana das provas. Em suma, um ambiente provocante no qual jogar-se até o fundo”. Foi isso que aconteceu em relação ao famoso panfleto? “Exato. Quando li, no banheiro, aquela frase (“Devemos fazer algo porque não seremos estudantes para sempre”), entrei em tilt. Pensei: 'Não estou propondo nada'. Naquela noite, nos encontramos em minha casa para fazer Escola de Comunidade e eu disse que não podíamos perder tempo”. A última coisa que vem em mente olhando para Murielle é que seja alguém que perde tempo. Mas parece ainda mais estranho que passe horas e horas estudando ideogramas chineses. É fascinante o estudo dessa língua? “Muito. Os chineses, não tendo feito o passo em direção à ‘abstração fonética’, permaneceram em um impacto familiar com a realidade. O ato de caligrafar uma coisa, no chinês, é mais que escrever uma palavra, é já o ser da coisa. Se você não experimenta o que é a harmonia nunca poderá caligrafar esta palavra de maneira exata. Isso não é fácil de compreender mas, certamente, é fascinante. No entanto houve um momento no qual me perguntei se este era o estudo certo para mim. Durante a missa pelo aniversário de morte de Dom Giussani, me lembro, pedi exatamente para entender se aquilo que eu fazia valia a pena. Poucos dias depois, caiu em minhas mãos um artigo de jornal (de 22 de fevereiro) com o título: ‘Por que aprender chinês?’. Curiosa, li. Nenhuma análise econômica, por sorte. Pelo contrário. Uma frase me marcou: ‘Esta língua é a ocasião, para muitos, de abrir-se para o outro’. O artigo era assinado por um jesuíta chefe do Instituto Ricci, em Taiwan. O jornal era o la Croix, o diário católico francês. Pareceu-me um encorajamento, uma resposta ao meu pedido”.
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