A seguir a primeira colocação do educador italiano Fabrizio Foschi no Encontro de Educadores, dia 15 de julho de 2006, tendo como base o livro Educar é um Risco de
Luigi Giussani
O conteúdo da minha comunicação diz respeito às implicações didáticas e institucionais do livro Educar é um Risco (Giussani L., Edusc, São Paulo 2005; nde). Defini cinco implicações acerca da didática e do aspecto institucional do desafio educativo, porém, antes, gostaria de fazer duas premissas.
A primeira é sobre o termo “implicação”. Começo com dois exemplos.
Primeiro: na Itália, no início do ano escolar das escolas estatais (especialmente no ensino fundamental e no início da escola média), há atividades de recepção aos alunos. Eles são cumprimentados pelos diretores e pelos professores com grande fervor; mostram-lhes escola, os instrumentos didáticos, os corredores, os banheiros, tudo aquilo de que uma pessoa pode ter necessidade quando é introduzida em um ambiente novo. Porém, após algumas semanas, os professores exclamam: “Ok, agora chega, vamos às notas, vamos fazer perguntas!”, como se dissessem: “Agora é sério, até agora estávamos brincando!”. Este é o exemplo do que não é uma implicação didática, porque a implicação significa que, se o risco de educar é uma dimensão pessoal, a “minha” dimensão pessoal, ou seja, um “eu” que mudou pelo chamado de atenção de Educar é um Risco, ela se expressa até a didática, se expressa até as últimas conseqüências.
O segundo exemplo diz respeito ao relacionamento entre os professores e os pais. Em Educar é um Risco, Giussani diz que há duas figuras centrais na nossa época – uma é o professor, a outra é o pai. Então, reflitamos sobre o fato de que o pai pode ser, por exemplo, um filósofo, mas quando dá o leite ao seu filho, identifica-se com a figura do pai, sem por isso esquecer que é filósofo. Quero dizer que, ao decidir assumir o risco da paternidade, é um filósofo que vive até o fundo o risco que deriva de também ser pai. A este respeito, lembro o exemplo negativo de um filósofo, o iluminista francês Jean-Jacques Rousseau, que, mesmo tendo dedicado a maior parte de sua obra à questão pedagógica, colocou os filhos em um colégio interno porque devia se dedicar à filosofia.
As implicações do Educar é um Risco estão neste nível de unidade da pessoa. Estão no nível destas perguntas: onde eu estou quando faço o que faço? Onde está o meu verdadeiro eu quando tenho que lidar com meus alunos, minhas crianças, meus filhos, minhas necessidades? Este é o ponto de que queremos falar.
A segunda premissa diz respeito ao tema do trabalho. O trabalho do professor não é um trabalho diferente do trabalho ao qual são chamados todos os homens. Antes de ser um certo tipo de trabalho (por exemplo, o ensino da disciplina de história ou de matemática, ou as atividades que se fazem na escola materna), é trabalho. O trabalho a que todos os homens são chamados é uma tarefa que consiste em modelar a realidade à luz de um objetivo, à luz de um significado. O trabalho do professor tem a mesma raiz. Todavia, por causa de outros aspectos, o trabalho do professor contém uma responsabilidade a mais porque a realidade à qual ele se volta não é inerte, é uma realidade viva, é o próprio homem, é o jovem que precisa ser educado.
Estas são, portanto, as duas premissas fundamentais da minha colocação: à luz da primeira, as implicações do Educar é um Risco são colhidas na medida em que as palavras de Dom Giussani se tornam uma posição minha; na segunda, especifiquei que o trabalho do professor é como o trabalho de todas as pessoas.
1) A primeira implicação diz respeito ao juízo sobre o trabalhoque nasce de Educar é um Risco. Como Dom Filippo explicou bem, esse livro nos indica o fato de que a realidade não é conhecida (eu acrescento: não é reconhecida) se um significado não for afirmado. Isto é muito importante para o trabalho do professor pois, por exemplo, quando eu recebo os alunos na escola pela primeira vez, no início do ano – sempre há algum problema, sejam eles grandes ou pequenos –, a primeira postura que eu preciso ter com relação às suas questões é que eu não os conheço e que, para conhecê-los – como nos indicava Dom Giussani ao citar a Sinfonia Pastoral, de Gide –, preciso mover a liberdade deles. Mas isto não é possível se eu não afirmar um significado. Sou eu que devo responder à pergunta do sentido da realidade, eu é que sou questionado pela realidade à minha frente. A realidade inteira pede para ser reconhecida: os meninos, as suas histórias, os pais, as disciplinas que eu ensino, as leis que constituem a ordem da educação. Mas toda esta realidade não é reconhecida se eu não afirmar um significado, se eu não viver um significado. A este propósito é necessário recordar que o significado não depende de nós, mas nos foi dado, é dado em uma companhia. A primeira implicação, portanto, que eu encontro no Educar é um Risco, é esta indicação para viver a companhia como lugar do significado, pois, como eu disse, o significado não depende de mim, mas eu o reencontro sempre na companhia. Ora, se a companhia for adulta, não se limita a “fazer companhia”, é uma companhia que desafia a realidade, é uma companhia que enfrenta todas as perguntas que a realidade coloca.
2) Passemos assim à segunda implicação. Se a primeira diz respeito à minha posição diante do trabalho, ao entrar na especificidade do trabalho do professor, gostaria de sublinhar que o trabalho do professor consiste no ensino. Pode parecer uma afirmação óbvia, mas veremos que não é bem assim.
Hoje há um grande esquecimento sobre esta afirmação simples de que o trabalho do professor é “ensinar”. É como se sobrevoássemos uma dimensão fundamental. Ao invés, não devemos nos colocar, antes de tudo, a pergunta sobre o significado do que ensinamos – esta aparece logo depois –, mas sobre qual é a consistência do ensino. Em que consiste o ensino? Aqui eu abro um parêntese: refiro-me a todo tipo de ensino, portanto, às atividades que se fazem na escola fundamental ou ao aprofundamento disciplinar que acontece no ensino médio. Procuro responder afirmando que ensinar significa ajudar a decifrar sinais, significa ajudar os alunos, grandes ou pequenos, a olhar a realidade que é feita de sinais e a entender estes sinais. Significa, ainda mais profundamente, ajudar a unificar os sinais mediante um sentido.
Pensemos no que significa a brincadeira para as crianças pequenas: significa ajudá-las a colocar ordem na sua realidade, que normalmente é feita de sinais ou de percepções desordenadas. Depois, há outros sinais na realidade, como os sinais lingüísticos, matemáticos ou físicos: significa ajudar os jovens a viver a realidade mediante um sentido unitário dos sinais.
Esta é a raiz mais interessante do ensino, a mais profunda e a que mais entusiasma, embora não haja uma verdadeira atenção a essas bases profundas do trabalho do professor. Normalmente, o que acontece entre nós, professores, é reduzir o ensino à gestão da atividade ou à discussão sobre leis gerais do sistema educativo. Ao contrário, é preciso afirmar que o nosso objetivo último é ensinar um sentido unitário de tudo – e esta é uma implicação do Educar é um Risco. Trata-se de uma grande tarefa educativa e cultural, ao mesmo tempo.
3) Faço mais uma passagem para introduzir uma terceira indicação: o professor faz o trabalho de ensinar, ou seja, de decodificar sinais que revelam um desígnio unitário, através de atividades mais especializadas e mais analíticas conforme crescem os níveis de instrução.
Nos níveis inferiores da escola, se faz um pouco de tudo, ou seja, a educação e o ensino são globais. Introduz-se à brincadeira e a brincadeira é, como eu dizia, uma forma de decifrar a realidade; depois passamos às disciplinas – português, matemática, história –, e elas são janelas abertas para a realidade. A partir de um certo momento, o professor ensina por meio das disciplinas. Portanto, é preciso que nos perguntemos para que serve a didática. A didática serve ou deveria servir para favorecer o ensino. A didática nasce como preocupação interna ao ensino. Se o objetivo é o ensino, a didática está dirigida a este objetivo, é um método ligado ao conteúdo. A didática deveria ser funcional ao objetivo da escola, que é o ensino. Por exemplo: todos sabemos que uma criança só consegue aprender a língua materna em pequenas doses. Não é possível pensar que, em uma semana, ele aprenda bem a língua materna. É preciso um relacionamento, pequenas doses, passagens – esta é a didática, mas o objetivo é que, aos poucos, a língua materna seja possuída. No ensino médio, didática significa entender quando e como oferecer uma certa matéria. Por exemplo: história. Antes de ser didática, a história é o patrimônio do passado que é possuído por uma tradição cultural nacional. O que sugere a didática? Que, para certas séries escolares, para certas faixas etárias, é preciso contar a história. Não dá para fazer, na escola, pesquisa em história como na universidade ou como se os alunos fossem arqueólogos. Se eu pretendesse que um aluno de 14-15 anos fizesse pesquisa historiográfica, eu o faria perder o interesse pela história. É o que acontece quando se diz a um aluno: “Aqui estão os documentos, estude, depois vai ter prova!”. Hoje, aliás, perdeu-se quase completamente a dimensão narrativa da história e se perdeu completamente a dimensão de “acontecimento” na história. Mesmo se 90% da história são fatos imprevisíveis e gratuitos que aconteceram apesar de certas previsões, prevaleceu a linha cultural e didática segundo a qual a história são operações mentais que sugerem que, no plano da história, tudo é previsível e rigidamente ligado a leis econômicas.
Para voltar à didática, insisto no fato de que ela é um instrumento funcional ao ensino, é um instrumento para o professor. A maior revolução da nossa época, revolução cultural no sentido negativo, é a separação do conteúdo do ensino do método, como dizia Dom Filippo. A didática se tornou uma técnica ou uma série de técnicas, também interessantes, que não nascem da experiência do professor, mas do cérebro de especialistas e que não permitem que os alunos encontrem o conteúdo do ensino. Acontece que muitos meninos, mesmo os generosos, mesmo os bons, têm dificuldade de encontrar a realidade. E isto depende, em grande parte, do fato de que a didática prevaleceu sobre o ensino. Na Itália, verificaram-se casos de suicídios entre os meninos e são os meninos que têm o melhor desempenho na escola. A didática tornou-se uma barreira entre o professor e o aluno, com a conseqüência de que as matérias escolares não interessam e as classes têm problemas de comportamento.
Ainda neste nível de discurso, ressalto outro erro que se comete facilmente: a redução das disciplinas, das matérias escolares, a instrumentos operativos e cognitivos, que deixam pouquíssimo espaço à liberdade interpretativa do professor e do aluno. Dou mais um exemplo: se a história se tornar só uma matéria operativa, que só se justifica na escola porque permite fazer algumas operações mentais – como classificar ou alinhar acontecimentos mais ou menos semelhantes, sem considerar por que os acontecimentos se verificaram –, a liberdade interpretativa (e também imaginativa) do aluno não é ajudada a se confrontar com os dados da realidade e a amadurecer. A mesma coisa acontece no ensino infantil quando prevalece uma idéia operativa e cognitivista da brincadeira. Há teorias da brincadeira que são parte (não só) da tradição católica que insistem no fato de que a brincadeira ajuda a liberar o sentimento religioso. E isso pode acontecer se a brincadeira se desenvolver na presença do professor, do adulto, do mestre. Esta linha foi totalmente eliminada das teorias pedagógicas que pensam ser suficiente que os alunos manipulem os brinquedos (chamados de materiais) porque assim desenvolvem o seu cérebro. Portanto, o que conta é o cérebro, não o coração.
Esse tipo de cultura (operativa, cognitiva) levou ao fato de que – e eu sou muito severo com relação a este ponto – não é mais possível encontrar o conteúdo da disciplina. Por exemplo, em muitos dos nossos livros didáticos do ensino médio, o professor não é convidado a fazer os alunos encontrarem a pessoa dos poetas como Leopardi, Dante ou Carlos Drummond de Andrade, mas a esmiuçar, cortar os textos desses autores para analisá-los. O que é louvável, embora depois o sentido da vida do autor nunca fique claro, nunca seja definido, nunca seja encontrado. Certamente também é importante compreender a linguagem de um autor, o significado dos versos, a modulação das palavras, mas só se esta linguagem for colocada em relacionamento com a personalidade do autor, com o seu grito humano, com a sua exigência humana. Os meninos sabem fazer isso e entendem; mas o que eles não querem fazer – e é a natureza do seu desinteresse – é a análise do texto separada da vida do autor. Quando o aluno não é envolvido em uma aventura interpretativa, perde a afeição pelo estudo.
4) A quarta implicação diz respeito à escola. Em Educar é um Risco, Giussani sustenta que, na escola, seria preciso ensinar uma hipótese unitária que una todas as disciplinas. Essas observações são absolutamente inovadoras, também do ponto de vista dos programas escolares. De fato, a heterogeneidade excessiva, a diferença excessiva, a fragmentação excessiva dos programas, impede a compreensão do sentido da escola. Giussani diz assim mesmo: “evitemos uma excessiva fragmentação dos programas”. É uma afirmação que questiona os docentes, pois, muitas vezes, eles preferem trabalhar por compartimentos estanques e andar cada um pelo próprio caminho. Ao contrário, seria interessante que começassem a dialogar, pois mesmo se não se reconhecem na mesma idéia, juntos poderiam entender que o aluno não amadurece se não verificar o que lhe propõem. E a verificação do que lhe propõem, ou seja, tornar verdadeiro o que lhe propõem, só é possível se há uma hipótese unitária que precede todas as atividades, que está na base de todas as atividades.
Este aspecto do Educar é um Risco abre várias frentes, várias nuances no ensino. Eis algumas perguntas que surgem dali: Que hipótese eu ofereço quando me encontro com meus colegas, que hipótese coloco? Como encontro os outros que trabalham comigo? O que significa avaliar os alunos? Avalio-os pelos resultados que obtêm ou porque compreenderam a hipótese unitária que procuramos comunicar? Podem ser alunos fracos do ponto de vista do resultado, mas dispostos a se identificar com a hipótese que o grupo de professores lhes ofereceu.
Gostaria de sublinhar que aqui nos encontramos diante de um nó pedagógico importantíssimo e muito debatido em nível internacional. O nó consiste, segundo a terminologia em uso, na passagem dos conhecimentos às competências. A competência é quando uma hipótese unitária “torna-se minha”. Pensem nos bons alunos de língua estrangeira que, quando vão ao exterior não sabem nem comprar a passagem de ônibus – têm conhecimentos, mas não têm competências. A função da escola é fazer passar dos conhecimentos às competências, a função da escola é ajudar a personalização da proposta educativa. Desse ponto de vista, vocês entendem como é importante oferecer uma hipótese unitária.
5) Quinta e última implicação: o risco da educação nos recorda a dignidade pública da nossa obra, da nossa atividade. A maior batalha cultural que nos toca e que podemos levar adiante como professores, que podemos levar adiante, antes de tudo, como professores, é a batalha pela liberdade de educação. Liberdade de educação tem dois significados fundamentais. Primeiro, significa que, em uma realidade estatal ou regional, é necessário que a paridade entre as escolas públicas e as escolas privadas seja reconhecida. Este reconhecimento faz parte da liberdade de educação porque em todos os países nos quais a educação é estatizante e centralizadora, como na Itália e também no Brasil, a realidade da escola não estatal acaba sendo marginalizada e sufocada. A necessidade de oferecer aos meninos uma hipótese unitária é menos difícil onde, por tradição, as escolas estatais e não-estatais têm paridade, ou seja, são reconhecidas e ajudadas economicamente. Então, é mais fácil para os pais, junto com os professores, projetarem uma hipótese de escola, uma hipótese de percurso educativo e cultural. Esta é a primeira dimensão da liberdade de educação.
Outro aspecto do problema é a liberdade de ensino que toca o docente, que não implica de forma alguma que, o professor deva ou possa fazer o que quiser quando se fecha na sala. A liberdade de ensino significa reconhecer ao docente a liberdade de se envolver com os próprios alunos, a liberdade de desenvolver uma hipótese educativa que chegue até seu plano de estudos, pensado para o grupo de alunos que foi confiado àquele professor em particular ou a um grupo de professores. Há dois grandes adversários da liberdade de ensino como eu a introduzi: por um lado, determinados poderes presentes nas escolas, os quais transformam os relacionamentos existentes entre professores ou entre os professores e o seu trabalho em uma dialética do tipo sindical. É justo que os sindicatos façam o seu trabalho, mas não é justo que se intrometam nas questões didáticas até decidir, como acontece na Itália, por exemplo, se é bom ou não que as escolas adotem o professor-tutor (um professor que fica mais horas em uma sala e têm determinadas obrigações). Quando fosse o caso, as escolas, em sua autonomia, deveriam decidi-lo. O outro grande adversário da liberdade de ensino é a pedagogia estatal. Na Itália, foi introduzida, mesmo parcialmente, uma reforma escolar. Agora, um governo de outra “cor” prometeu desmontar, aos poucos, esta reforma. Aproveitando a fase de passagem e revisão, alguns pedagogos, que têm uma certa influência política, sustentam que o Estado não só deve estabelecer as normas gerais da instrução, às quais todas as escolas, públicas e privadas, devem se adequar, mas também, série a série, os índices de resultados dos alunos. Como nós pensamos que esta iniciativa – que resumi muito sinteticamente – deva ser de competência dos professores da classe, pretendemos, como associação profissional de professores (Diesse), tomar posição e conduzir uma reflexão atenta; se necessário, conduzir também uma campanha decidida contra qualquer forma de pedagogia estatal. No fundo, defender a liberdade de educação significa oferecer um ponto de partida aos professores, para que reencontrem a verdadeira motivação de seu trabalho. Na escola, é realmente necessário um movimento de professores consciente do que faz, consciente do significado do trabalho que desenvolve. Um movimento de pessoas livres também ajudará os alunos a viver mais a sua liberdade.
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