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Passos N.73, Junho 2006

DESTAQUE - O BATISMO

Um salto de qualidade na história da evolução

por Paola Ronconi

Na noite de Páscoa, Bento XVI utilizou uma expressão forte para sublinhar a centralidade que define a natureza do homem que foi alcançado pelo mistério de Cristo: de fato, falou do Batismo como uma “mutação”.
Lançando o desafio a qualquer redução nominal e a qualquer mal-entendido sobre tal acontecimento. O Batismo marca a pessoa para sempre, introduzindo uma mudança total na experiência do eu. É isso que relata as histórias que Passos propõe nestas páginas


Tudo começou com algumas afirmações “provocativas” de Bento XVI durante a última Vigília Pascal, retomada por padre Carrón nos Exercícios da Fraternidade de Comunhão e Libertação. As histórias que propomos falam de uma correspondência total daquelas palavras com a experiência elementar de cada um.

História de Inês e do seu pai
Serra Leoa. Freetwon. Padre Berton, missionário xaveriano, é quem relata.
Padre, batizei meu pai, me disse certo dia Inês. E me contou como isso aconteceu. O pai de Inês tinha várias mulheres, como é o costume dos homens da sua idade nesta região. Uma família muito grande. Mas ele queria que todos os seus filhos, homens e mulheres, fossem à escola. Eu costumava ver Inês e seu irmão, cada um de um lado da rua, voltando para casa. O sol era ardente, e não havia árvores que pudessem oferecer uma sombra benéfica. Mas os dois viviam rindo, despreocupados. Aos domingos, eles estavam lá, pontuais, na missa; bem depois deles, chegava o pai, que ficava lá no fundo da igreja. Ele não podia ser batizado, porque era polígamo; mas também não podia abandonar aquelas mulheres que o haviam amado e lhe dado os filhos que via agora na igreja. Ele compensava isso fazendo questão de batizar os seus filhos. Um dia, ele adoeceu gravemente. Chamou Inês, e aconteceu o seguinte diálogo:
‘Inês, vá ver se o médico está na vila’.
‘Não está, papai, ele foi em Magburaka’.
‘E o padre?’.
‘Acabei de chegar da escola. O padre também não está. Foi fazer uma visita aos cristãos e só voltará bem tarde’.
‘Então vou morrer’. E perdeu a esperança de que alguém pudesse ajudá-lo.
‘Papai, o senhor sempre freqüentou a igreja. Todo domingo ia à missa. Não quer ser batizado?’.
O estado de saúde dele estava piorando, e por isso só conseguiu acenar positivamente com a cabeça, confirmando que queria o Batismo. Inês apanhou água, derramou-a sobre a cabeça dele, fazendo o sinal da cruz em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, tal como aprendera no catecismo.
Os olhos dela estavam fixos em mim, como que perguntando se eu havia feito tudo direitinho.
O que eu podia dizer? Abracei-a e beijei sua testa. Compreendi. Ela fez exatamente o que eu lhe havia ensinado, mas jamais podia imaginar que ela o colocaria em prática justo com o seu papai”.

88 crianças em festa
Equador. Quito. “Gostaria muito de batizar meu filho, mas não tenho dinheiro”, foi o que um agente da Fundação AVSI em Quito ouviu de uma senhora, certo dia. Essa senhora é mãe de uma das mais de 300 crianças do programa que cuida da criação de creches e escolas paroquiais nos locais mais isolados, pobres e violentos, no extremo norte da cidade de Quito.
Conversando com outras mães, todas de tradição católica, ficamos sabendo que são muitas as crianças entre 6-7 anos que ainda não foram batizadas. E todas pelo mesmo motivo: falta de dinheiro.
“Aqui no Equador – continua a mãe – o Batismo termina com uma grande festa, com comida, música e roupa nova! E aí ninguém aceita ser padrinho ou madrinha, para não ter que bancar as despesas da festa e outras necessidades da vida da criança”.
O pessoal da Avsi acha que esse não pode ser motivo suficiente para deixar de batizar os próprios filhos. Iniciam, então, um movimento para propor o sacramento e organizar os cursos de preparação. Procuram fazer com que as roupas e a festa exijam a menor despesa possível.
Em abril, 88 crianças, de 0 a 7 anos, são batizadas, acompanhadas de uma bênção especial do Papa.

Uma existência completa
Milão. Paula é obstetra há quase 20 anos. Com freqüência se vê na dramática situação de encontrar nenês que nasceram com apenas 20-22 semanas de gestação; são prematuros nascidos de abortos espontâneos ou provocados, e com nenhuma chance de sobreviver.
Ela conta: “Eu estava consciente do fato de que aquela criança estava morrendo, e nos poucos instantes de vida que lhe restavam, o que eu podia fazer se não transmitir-lhe a coisa mais bonita para mim: ser filha de um Deus bom, ou seja, batizá-la? Parece impossível pensar nisso quando se está diante da fragilidade humana e perto da morte. O gesto do Batismo sempre significou, para mim, que o que salva a fragilidade humana é a Misericórdia de Deus. Fico feliz de saber que pelo menos um pequeno grupo de anjos, no céu, me conhece e me ama”.
Emanuela também é obstetra e fez essa experiência várias vezes. “Um dia, pude assistir a um aborto terapêutico. A mãe, no momento mais dramático, me parecia que estava pedindo perdão. Assim, perguntei-lhe se não gostaria que nós batizássemos o seu nenê”. Como o Batismo muda essas crianças? “Eu creio que dá um caráter, uma dignidade, que lhes parece negada pela incapacidade da mãe de levar a gravidez até o fim. Graças ao Batismo, essa vida misteriosamente se completa. E é salva”.

A vida nova
Estas são três histórias muito diferentes que têm em comum o fato de que o sacramento do Batismo muda o homem e o salva, quer lhe restem só alguns instantes de vida, quer tenha pela frente longos anos de existência. E a promessa contida nesse dom de Deus é – como disse o Papa durante a última Vigília Pascal – a mesma que Jesus fez aos seus discípulos, durante a última Ceia, quando, falando da sua ressurreição, disse: “Eu vivo e vós vivereis”. “A vida – prossegue o Papa – nos vem do fato de sermos amados por Aquele que é a vida”.
E com essa ternura, Bento XVI, por ocasião da festa do Batismo do Senhor, dia 8 de janeiro, disse que ao conferirmos o sacramento às crianças é assegurada aos batizandos “uma companhia de amigos que nunca mais os abandonará... Essa companhia de amigos, essa família de Deus, da qual agora a criança faz parte, a acompanhará para sempre, inclusive nos dias de sofrimento, nas noites escuras da vida; lhe dará consolo, conforto, luz (...) porque é comunhão com Aquele que venceu a morte”.

Mais do que um simples banho
Bento XVI, durante a Vigília Pascal, sublinhou enfaticamente que “o Batismo é algo bem diferente de um mero ato de socialização eclesial, de um rito meio fora de moda e complicado, que visa introduzir as pessoas na Igreja. É também mais do que um simples banho, de uma espécie de purificação e embelezamento da alma”.
E é doloroso ver situações em que o seu valor eterno é diminuído ou até mesmo ridicularizado. Hoje até já se fala em “desbatizar”, ou seja, da possibilidade de “anular” o Batismo (algo teologicamente impossível), por diversos motivos.
Um fenômeno singular também se verifica na Alemanha, onde se pode solicitar oficialmente a saída da Igreja, para não pagar as taxas cobradas pelo governo! De fato, o Estado cobra dos fiéis das religiões protestante, católica e judaica uma taxa (entre 8 e 9% do próprio imposto de renda) para manter os lugares de culto; mas se alguém se declara oficialmente não-pertencente à comunidade religiosa, está isento desse imposto.

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"Como esse acontecimento pôde chegar até mim?”, pergunta-se o Papa, na Vigília da Páscoa. “É claro que este acontecimento não é um milagre qualquer do passado (...) é um salto de qualidade na história da ‘evolução’ (...) para um mundo novo que, a começar de Cristo, incessantemente penetra já neste nosso mundo, o transforma e o atrai para si. Mas como se verifica isso? Como pode este acontecimento chegar efetivamente até mim e atrair a minha vida para si e para o alto? A resposta, à primeira vista talvez surpreendente, mas totalmente real, é: tal acontecimento chega até mim por meio da fé e do Batismo. (...) O Batismo significa precisamente isso: que não está em questão um fato do passado, mas que um salto de qualidade da história universal chega até mim envolvendo-me para me atrair” (Bento XVI, “Vigília Pascal”, in Passos, maio de 2006, p. 47).
Vejam a expressão usada pelo Papa: “envolvendo-me para me atrair”. “O Batismo é algo muito diverso de um ato de socialização eclesial, de um rito um pouco fora de moda e complicado para acolher as pessoas na Igreja. É também mais do que uma simples lavagem, do que uma espécie de purificação e embelezamento da alma. É (...) renascimento, transformação em uma vida nova. Como podemos compreendê-lo?”. O Papa prossegue, introduzindo-nos na compreensão desse mistério.
“Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim (Gl 2,20). Essa é a explicação do que acontece no Batismo: ‘Vivo, mas não sou mais eu. O próprio eu, a identidade essencial do homem (...) mudou’. O eu de São Paulo existe ainda e não existe mais, ‘trombou com um não e se encontra continuamente nesse não: Eu, mas não mais eu. (...) Esta frase é a expressão do que aconteceu no Batismo. O meu próprio eu me é tirado e inserido em um novo sujeito maior. Tenho de novo o meu eu, mas agora transformado, trabalhado, aberto por meio da inserção no Outro, no qual adquire o seu novo espaço de existência” (Bento XVI, “Vigília Pascal”, op. cit., p. 47).
Como vêem, o Papa diz a mesma coisa que nos foi lembrada por Dom Giussani: “Alguém aconteceu em nós – (L. Giussani, “Natal: o mistério da ternura de Deus”, in Passos, dezembro de 2005, p. 1ss.) – nos foi dado, e se inseriu na nossa carne, nos nossos ossos, na nossa alma. Vivo, mas não sou mais eu, pois é isso que vive em mim. Alguém tomou conta de mim: Tu, Tu, Cristo, estás em mim. Essa é a mudança que foi explicada na Escola de comunidade: um eu, mas mais do que um eu, uma exaltação ontológica do eu”. Dom Giussani usa a mesma expressão do papa: “Um salto de qualidade na participação no Ser” (L. Giussani, Por que a Igreja, Nova Fronteira, Rio de Janeiro 2004, p. 303).
Essa é a verdadeira mudança acontecida no Batismo, que faz do eu uma nova criatura. Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura. Por isso, o que conta não é a circuncisão ou a não-circuncisão, mas ser nova criatura, viver todos os instantes da vida com a consciência desse Tu que tomou conta de mim.

Padre Julián Carrón nos Exercícios da Fraternidade.
Rímini, 29 de abril de 2006

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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