"Como esse acontecimento pôde chegar até mim?”, pergunta-se o Papa, na Vigília da Páscoa.
“É claro que este acontecimento não é um milagre qualquer do passado (...) é um salto de
qualidade na história da ‘evolução’ (...) para um mundo novo que, a começar de Cristo, incessantemente
penetra já neste nosso mundo, o transforma e o atrai para si. Mas como se verifica isso? Como
pode este acontecimento chegar efetivamente até mim e atrair a minha vida para si e para o alto? A
resposta, à primeira vista talvez surpreendente, mas totalmente real, é: tal acontecimento chega até
mim por meio da fé e do Batismo. (...) O Batismo significa precisamente isso: que não está em questão
um fato do passado, mas que um salto de qualidade da história universal chega até mim envolvendome
para me atrair” (Bento XVI, “Vigília Pascal”, in Passos, maio de 2006, p. 47).
Vejam a expressão usada pelo Papa: “envolvendo-me para me atrair”. “O Batismo é algo muito
diverso de um ato de socialização eclesial, de um rito um pouco fora de moda e complicado para
acolher as pessoas na Igreja. É também mais do que uma simples lavagem, do que uma espécie de
purificação e embelezamento da alma. É (...) renascimento, transformação em uma vida nova. Como
podemos compreendê-lo?”. O Papa prossegue, introduzindo-nos na compreensão desse mistério.
“Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim (Gl 2,20). Essa é a explicação do que acontece no
Batismo: ‘Vivo, mas não sou mais eu. O próprio eu, a identidade essencial do homem (...) mudou’. O
eu de São Paulo existe ainda e não existe mais, ‘trombou com um não e se encontra continuamente
nesse não: Eu, mas não mais eu. (...) Esta frase é a expressão do que aconteceu no Batismo. O meu
próprio eu me é tirado e inserido em um novo sujeito maior. Tenho de novo o meu eu, mas agora
transformado, trabalhado, aberto por meio da inserção no Outro, no qual adquire o seu novo espaço
de existência” (Bento XVI, “Vigília Pascal”, op. cit., p. 47).
Como vêem, o Papa diz a mesma coisa que nos foi lembrada por Dom Giussani: “Alguém
aconteceu em nós – (L. Giussani, “Natal: o mistério da ternura de Deus”, in Passos, dezembro de 2005,
p. 1ss.) – nos foi dado, e se inseriu na nossa carne, nos nossos ossos, na nossa alma. Vivo, mas não sou
mais eu, pois é isso que vive em mim. Alguém tomou conta de mim: Tu, Tu, Cristo, estás em mim. Essa
é a mudança que foi explicada na Escola de comunidade: um eu, mas mais do que um eu, uma
exaltação ontológica do eu”. Dom Giussani usa a mesma expressão do papa: “Um salto de qualidade
na participação no Ser” (L. Giussani, Por que a Igreja, Nova Fronteira, Rio de Janeiro 2004, p. 303).
Essa é a verdadeira mudança acontecida no Batismo, que faz do eu uma nova criatura. Se alguém
está em Cristo, é uma nova criatura. Por isso, o que conta não é a circuncisão ou a não-circuncisão,
mas ser nova criatura, viver todos os instantes da vida com a consciência desse Tu que tomou
conta de mim.
Padre Julián Carrón nos Exercícios da Fraternidade.
Rímini, 29 de abril de 2006
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