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Passos N.71, Abril 2006

EXPERIÊNCIA

Assembléia Nacional de Responsáveis - Algo real e presente que arrasta o coração

por Dom Filippo Santoro

Testemunhos de todo o país relatam a mudança da vida investida pelo encontro imprevisto com o acontecimento de Cristo. A unidade de um povo que segue os passos do fundador e seu exemplo: “apaixonado pelo homem, porque apaixonado por Cristo”

De 24 a 26 de março, estiveram reunidos 220 responsáveis de Comunhão e Libertação para a Assembléia anual no Rio de Janeiro. Provenientes de 18 cidades, passaram três dias de trabalho conduzidos por Dom Filippo Santoro e o professor Mario Molteni, italiano que acompanha o Movimento no Brasil.
Um ano após a morte de Dom Giussani, também no país são visíveis os frutos da sua presença. O ano de 2005 foi marcado por novos encontros e pelo aprofundamento da amizade com algumas comunidades, como a Associação dos Trabalhadores Sem Terra de São Paulo, guiados por Cleuza e Marcos Zerbini, a comunidade da Paróquia São Francisco, na Zona Leste de São Paulo, acompanhada pelo padre Ticão, e a comunidade Majestic, em Magé (RJ). Um olhar simples e maravilhado diante do carisma, que no reconhecimento dessa grandeza desperta a todos para tomarem maior consciência do encontro feito e da graça que lhes alcançou.
A seguir publicamos a síntese final do encontro, como possibilidade de riqueza para todos.

Notas da colocação final de Dom Filippo Santoro na Assembléia Nacional de Responsáveis de Comunhão e Libertação, 26 de março de 2006.

Como todas as manhãs, hoje temos a possibilidade de recomeçar. Recomeçar diante do que acontece agora, do Anúncio, da Presença. O início determina o olhar no restante do dia: ou o olhar aberto diante do acontecimento, ou o olhar fechado, com o cotovelo na frente dos olhos.
A característica da nossa experiência é um povo feliz. Um povo feliz que se percebe tocado por uma coisa que lhe responde. Recebemos um grande abraço e Ele caminha conosco.
Podemos resumir o trabalho destes dias em três pontos:

1) A herança de Dom Giussani
“O aniversário de sua morte nos coloca diante de sua herança, que não é algo só do passado, mas o Acontecimento Presente que continua a desafiar a nossa razão e a nossa liberdade. [Um fato que acontece agora, neste instante, e que continua a desafiar a nossa razão e a nossa liberdade] Por isso, não estamos diante de uma comemoração do passado, e sim diante de um Acontecimento presente” (Carta de Padre Carrón à Fraternidade, in Passos fevereiro/06, p.9).
Toda a beleza da assembléia de ontem foi documentar como este acontecimento está presente no meio de nós e muda as pessoas. Indica uma forma diferente de pensar e de conceber tudo na nossa vida.

Neste primeiro ponto existem três passagens:

a) Testemunhos da mudança no meio de nós
Como Ele desafia a nossa liberdade? Como Ele desafia a nossa razão? Por meio daquilo que o Espírito faz acontecer através do carisma. Testemunhos de uma novidade. Deveríamos tirar os nossos olhos para dizer que não existem. Todos os testemunhos que nós ouvimos aqui: a Cleuza, os amigos do padre Ticão, a comunidade de Magé, relatos sobre as férias e encontros, são testemunhos que nós vimos e ouvimos. “O que vimos e ouvimos nós o anunciamos a vós”. Não estamos falando de uma coisa imaginada ou criada pelo nosso sentimento. É alguma coisa que nossos olhos viram, nossos ouvidos ouviram e a nossa pessoa pode experimentar, pode constatar na nossa vida. O acontecimento presente, algo que nos desafia, desafia a razão – porque a razão reconhece o que existe – e desafia a liberdade.
A colocação da Cleuza sintetizou isso, quando ela falava: “Vós sois a presença de Cristo na minha vida”. É a indicação de um fato. Nós fomos provocados pelo encontro com a Associação eles, mas ela proclama: “Foram vocês que introduziram uma novidade que eu não posso negar. Eram 4.000 universitário e agora são 10.000. Foram todos marcados por este fato e sem o encontro com vocês não teria acontecido nada disso”. Um fato que acontece e é inegável. Nesta circunstância alcança a todos nós e nos provoca de uma forma grande.
E não são testemunhos de uma mudança porque pensamos e programamos, porque só pensamos e programamos o que está ao nosso alcance, mas aqui entra uma outra coisa, algo de dimensões desproporcionais em relação ao nosso cálculo. É a presença de Deus que entra e se manifesta na nossa história.

b) Qual o rosto desta Presença? O rosto de um Imprevisto
O imprevisto é a forma específica com a qual o Mistério chega até nós hoje. Ele nos alcança diante de uma realidade não calculada, dentro de algo que acontece por meio de nós, mas independente de nós. Isso documenta de forma muito simples como Cristo responde às exigências do coração, e como é possível encontrar finalmente uma resposta, uma presença, o início de um caminho. Cristo que responde às exigências do coração, dando sentido unitário aos mil pedaços da nossa vida, da nossa experiência.
A análise sociológica é que a situação atual é de “desencaixe”, e que não tem solução. Dom Giussani chamava de negligência do eu. Mas o que nos deu uma unidade? A resposta ao coração, a resposta experimentada, a resposta que eu não posso eliminar da minha vida. É o imprevisto que manifesta a sua força de persuasão, e então não ficamos “desencaixados”, mas sim abraçados no horizonte grande que nós vivemos.
Sobre isso cito uma passagem muito bonita de Dom Giussani a um grupo de adultos, em 1986. O texto está na revista Passos: “O destino para o qual o homem, o coração do homem é feito, graças ao qual a mulher não basta para o homem e o homem não basta para a mulher, a mãe não basta para o filho e o filho não basta para a mãe, e o dinheiro não basta para quem procurou obtê-lo e conseguiu muito, e o poder não basta para quem já chegou ao ponto mais alto da pirâmide, esse destino se tornou um de nós. [A resposta ao coração, o imprevisto é a resposta] É certamente a grande e incomparável impressão que tiveram aqueles de vocês que estiveram na Terra Santa, diante dos restos da casa ou da gruta onde Maria, aos quinze anos, recebeu o anúncio do anjo, a impressão que se tem ao ler, com um calafrio na espinha, num pedaço daquela parede: Verbum caro hic factum est, o Verbo se fez carne aqui” (in Passos março/06, p. 4). É como uma intuição daquilo que acontece a cada um de nós. É Verbo feito carne que faz erupção. É o Senhor, é Jesus, é o Tu dEle diante do qual começamos o dia, e quando suamos, e quando corremos. Porque toda a correria não basta. É a Presença dEle que acontece e nos acompanha através destes imprevistos, e a presença dEle é um fato.
Insistimos sobre esse fato porque se trata da intuição central, que também o Santo Padre apresenta. Nas primeiras linhas da encíclica Deus caritas est de Bento XVI, ele diz: “No início do ser cristão não há uma decisão ética ou uma grande idéia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá à vida um novo horizonte e, com isso, a direção decisiva”. Essa é a questão, a forma elementar do que significa ser cristãos, tocados por um acontecimento e não por uma decisão ética e da vontade de ser “bonzinhos”. Não é isso. É a presença dEle que corresponde e que basta ao coração.
Para nós, qual é a postura humana justa? Um olhar atento àquilo que acontece! Isso não é nenhuma invenção de visionários. Um olhar atento ao imprevisto quando acontece. Tocar, provocar, a razão, a liberdade.

c) A gratidão
O que nasce desse encontro? A Gratidão de alguém que recebeu um presente inesperado. Diante do encontro com novas pessoas – algo que acontece hoje –, diante de novos amigos que entram no Movimento, e diante dos velhos que recomeçam, somos levados a retomar a origem do nosso “sim”. A origem, hoje, não 20 anos atrás. Esses fatos dilatam essa gratidão. É um acontecimento que nos arrasta.

2) O juízo
“O carisma nos fascinará sempre mais somente se se tornar experiência na nossa vida cotidiana. Isto implica julgar tudo o que acontece com o critério que um Outro colocou dentro de nós: o coração” É o tema do juízo (Carta de Padre Carrón à Fraternidade, in Passos fevereiro/06, p. 9).
Se este Encontro faz erupção na nossa vida, nesta forma gratuita, produz uma liberdade e uma gratidão diante da presença. Assim, qual foi a palavra sugerida para viver o juízo? Foi a palavra totalidade. Este acontecimento tem a ver com tudo, este acontecimento é para a totalidade da minha vida. É como um ponto para abraçar e tratar de um outro modo tudo o que faz parte da minha vida, não só com um aspecto ou outro. João e André, depois do encontro com Jesus, não tinham coisas da vida que não comparavam com Ele. É a comparação da totalidade da nossa vida com esse acontecimento. Totalidade é a questão da família, da nossa casa, dos filhos, da esposa, do marido (é ali que a novidade que Ele traz começa a se manifestar). É uma mudança que sem Cristo não é possível. Depois tem a questão do trabalho: Mesmo sem dizer nada eu sou diferente e os outros percebem. Implica também julgar a situação política, a educação etc. A totalidade que é feita de tantas coisas concretas.
Totalidade de oferta e totalidade de resposta. Sobre este aspecto Dom Giussani sempre nos consolou dizendo que diante de um fato que é tudo eu tenho o desejo de entregar tudo. Então é um caminho. Não reclamem por que ainda não conseguiram entregar tudo, até usando como desculpa para evitar entregar aquilo que pode. Isso vai acontecer porque é um caminho. O importante é que o desejo seja inteiro no início. O que faço da minha vida se não a entrego a Ti? O que faço do meu trabalho, da minha família? O que faço da afeição se não a entrego a Ti? E quando se entrega a Ele tudo é potenciado, não é reduzido. É uma outra coisa. É um caminho no qual devemos estar inteiros como postura do coração. A questão é como eu estou diante do Acontecimento. Como quando recebemos a Comunhão e a acolhemos com gratidão infinita, dizendo “se é isso que conta, disso eu quero viver”. É esta a grande experiência nossa vida, a grande experiência da Igreja. É importantíssima essa dimensão: Ele se oferece totalmente e o desejo de dar uma resposta total. E a totalidade é exatamente esse caminho, diante do que o Mistério faz acontecer. Por isso, alimentados, envolvendo a nossa vida com esta Presença, nós damos o nosso passo, a capacidade de juízo: “Avaliai tudo e ficai com o que é bom” (São Paulo).

3) O que educa o juízo a esta totalidade?
Nós já indicamos a resposta. É o nexo com a unidade. A experiência da unidade, a experiência da comunhão, o envolver a vida com o Imprevisto encontrado, o envolver a vida com a Presença que se manifesta a nós.
Sempre no texto da última revista, pergunta Dom Giussani: “Como está aqui? Ele está aqui como no primeiro dia, em nós, entre nós. Pois este é o método com o qual aquele Homem, Deus feito carne, se dilata no tempo e no espaço, tornando-se presente a cada momento do tempo e do espaço: por meio dos homens que o Pai põe em suas mãos, ou que Ele escolhe – o homem batizado, o homem chamado, nós. É na nossa companhia, é na nossa unidade, que a presença dEle está aqui como no primeiro dia e opera como no primeiro dia, opera como no ápice da sua manifestação: opera entre nós, entre nós transforma, muda, opera o milagre verdadeiro, que é o do homem que se torna mais homem; opera o espetáculo maior, que é o de uma humanidade fraterna; opera o esplendor de uma pureza de vida, o esplendor de uma capacidade de pobreza, que não é não ter dinheiro, mas saber usá-lo em função do que é maior do que nós, pelo bem, ainda que provisório, desta humanidade em caminho” (in Passos março/06, p. 5).
Esta presença, esta unidade, esta comunhão, aprofunda o juízo. O juízo não é tanto a solução técnica do problema, mas é a manifestação da presença do Senhor dentro daquela circunstância que eu reconheço neste momento: “Manifesta-Te”. Não é um outro ponto, mas o florescer na circunstância que eu vivo, do Acontecimento imprevisto que me toca. Isso se dá dentro da vida em comunhão e unidade, envolvendo a vida com esse acontecimento. Esse acontecimento somos nós, a nossa unidade, a nossa companhia. E a presença dEle está aqui como nos primeiro dia, e nos muda, e faz o milagre verdadeiro, o espetáculo de uma humanidade fraterna.
“Então tudo se torna importante, da profissão à paternidade e à maternidade, passando pela companhia, pela amizade, pelo estudo, pelo trabalho, pelo tempo livre, pelo respiro; tudo se torna útil e importante, se é invadido por essa consciência profunda, clara, da vocação cristã que tivemos” (in Passos março/06, p. 6). Dentro dessa experiência tudo se torna grande e importante. E como é diferente uma humanidade assim para a qual tudo é importante, para a qual tudo conta.
O caminho é esse. A comunidade é o local onde eu me comparo, onde eu entro em diálogo. Por isso é importante uma atenção aos amigos da Escola de Comunidade, porque é ali, dentro dessa experiência, que se alimenta a vida das pessoas. Então, dentro desse caminho vem a referência à autoridade. Autoridade entendida como aquilo que o Senhor faz explodir no meio de nós, aquilo que o Mistério faz acontecer, e isso é fonte de paz; E autoridade como os pontos de referência indicados que têm a função de acolher, valorizar e de colocar o caminho de todos na perspectiva da construção do corpo de Cristo. Pessoas indicadas que o Senhor coloca como pontos de amizade ao longo do nosso caminho para que aquele Acontecimento não seja o deslumbramento de um momento, mas seja uma história de graça. Aqui se constrói uma história, a história do corpo vivo de Cristo, no qual está a nossa unidade, a nossa companhia. A nossa é uma amizade. Por isso existem os visitors, os responsáveis, os amigos mais velhos. Eles dão corpo a essa amizade com a qual o Mistério nos acompanha e faz erupção na nossa vida.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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