A mudança da sociedade passa pela educação, ou seja, pelo conjunto de tradições e heranças culturais que constitui um povo. Fala sobre isso Onorato Grassi
Uma palavra de introdução. Onorato Grassi, professor de História da Filosofia medieval na Universidade Lumsa, em Roma, explica: “A educação é um tema sobre o qual, nestes anos, muito se tem refletido em nossa sociedade. Mas ainda é pouco, se comparado com o que acontece no mundo anglo-saxão, onde tudo o que se refere à educação há muito tempo tem sido objeto de atenção e de investimento social. É um tema socialmente crucial para todos”. Uma sociedade que não educa, que não sabe transmitir às novas gerações uma hipótese de significado positivo da realidade, a ser comprovada por si mesma – como saber, como conhecimento –, é uma sociedade destinada ao retrocesso. O importante é entender o verdadeiro significado da palavra, sem reducionismos. E justamente aí aparece o primeiro problema: “Pode-se pensar que a educação seja, sobretudo, instrução, treinamento, um prontuário de coisas que precisam ser sabidas ou que precisam ser feitas. É um risco real, ainda mais hoje, quando os conhecimentos são muitos e complexos: vivemos numa sociedade em que a riqueza, os bens, não são mais só os materiais, mas são representados também pelo conhecimento. Então, pode parecer que o máximo possível esteja em oferecer instrumentos para se orientar, mapas conceituais. Mas essa é uma educação que não educa”.
Maurizio Crippa: Então, no que consiste a educação?
Onorato Grassi: Educar é desenvolver todas as potencialidades do eu, é a construção da identidade pessoal. E isso acontece a partir de um constante confronto com o educador, com o adulto. Em tudo isso, a instrução – escola, universidade – tem um papel importante, mas que não se identifica com a educação. Seria um erro reduzir o problema educacional ao problema de um “setor”, por mais estratégico que seja.
Para ser sincero, não parece que a nossa sociedade, a começar pela política, tenha essa consciência a respeito da educação, e nem do papel estratégico da escola. O que o senhor acha?
Se tomássemos consciência da importância da educação para toda a sociedade, não só para os jovens, esse tema deveria estar no primeiro plano. É preciso que se entenda que a mudança de uma sociedade – mudança cuja necessidade é afirmada por todos – tem que passar por aí. Não ver isso constitui grave miopia.
Sem educação, a sociedade murcha. A primeira palavra que vem à mente é tradição. Vivemos um momento em que há pessoas que gostariam de derrubar todas as pontes com a tradição, na presunção de que, anulando as raízes (obviamente, aquelas cristãs) se anulariam também os conflitos de matriz religiosa.
Quando Dom Giussani teve a inteligência de usar essa palavra, a tradição era hostilizada em nome de uma idéia abstrata e presunçosa de progresso. Hoje, em geral, a instrumentalização é mais dissimulada. Ao invés, a ligação com uma tradição constitui a melhor hipótese de trabalho; sem tradição, o presente é efêmero, pouco compreensível. Derrubar as pontes com o passado é a tentação perene de qualquer inimigo do homem e do povo. Sem tradição religiosa haveria menos divisões? E sobre o que se assentaria, então, o acordo visando à convivência? Sobre os direitos humanos? E quem os definiria? Não; reconhecer o próprio laço com o passado, saber verificar esse conteúdo na realidade, é mais produtivo. Dá melhores frutos.
Há também a tradição dos outros. Há entre nós culturas diferentes, como a islâmica, com a qual não é fácil se relacionar. Duas tentações: dissolver tudo no relativismo, ou rechaçar tudo em bloco.
Não sei se todas as tradições são iguais, não é esse o ponto. Mas creio que pelo próprio fato de uma tradição nascer da vida de um povo terá de ter algo de bom. A não ser que tenha ocorrido uma grave corrupção. Se numa tradição há um elemento religioso forte, então esse elemento não chega a conflitar completamente com os outros. Se são tradições, nunca estarão fechadas.
Uma outra palavra me ocorre: herança. Uma palavra que imediatamente evoca riqueza, patrimônio. O contrário de uma certa (in)sensibilidade contemporânea, pela qual parece que aos jovens, aos próprios filhos, não houvesse nada de bom a ser transmitido.
Um povo sem memória não sobrevive; tudo à nossa volta fala do nosso passado, não como saudade, mas como consciência. A educação é também um fenômeno narrativo: um povo começa a existir como consciência, objetivo, quando alguém transmite a sua história, quando os artistas transmitem a sua beleza. Quanto mais a educação tem em mente o indivíduo, tanto mais ama o eu, tanto mais ama o povo e a sua memória. Pensemos em alguém que sempre visse somente paredes brancas... Como é diferente de alguém que pode contemplar a arte ou a beleza que lhe foi deixada em herança. É um ponto de partida diferente: por que a realidade deveria ser sempre feia? O belo é a atração positiva que dá início a tudo, que gera a capacidade de fazer, de afirmar o bem, isto é, da ética. Por isso dizemos que se houvesse mais educação, as coisas funcionariam melhor.
Que espaço deveria ser reservado para essa consciência na luta política?
Já o disse: se fosse bem-entendida, ela deveria ocupar o primeiro lugar, para o bem de todos. A educação visa à res publica. Mas as idéias caminham com as pernas dos homens, servem ao sujeito que lhes dá substância. A importância do “Apelo sobre a educação”* que propomos está aqui: fazer com que essas palavras tenham status de cidadania na sociedade – e o tipo de resposta que o apelo está obtendo reafirma justamente que necessitamos dessa cidadania. Depois, servem pernas também de outras pessoas, de pessoas reais; siglas não servem. Paradoxalmente, é mais importante que o político se coloque essas questões do que tenha no bolso respostas prontas. Nesse sentido, pode-se elaborar de modo positivo (não “setorial”) também o discurso sobre a escola e a universidade. Porque a educação não se reduz a instrução, e o modo como a concebemos permite (ou não) que a educação tenha espaço na res publica. Henri Bergson, ao receber em 1927 o Prêmio Nobel de Literatura, disse: sinto-me honrado de receber o prêmio de um povo que entendeu que o primeiro problema de uma sociedade é a educação.
* O “Apelo sobre a educação” é um manifesto escrito pelo Movimento Comunhão e Libertação com o título “Se houvesse uma educação do povo, tudo estaria melhor”. Trata-se de recolocar em discussão a questão educativa, verdadeira emergência que diz respeito a todos, não apenas à escola e aos seus professores.
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