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Passos N.70, Março 2006

EXPERIÊNCIA - DOM GIUSSANI... Mais pai do que nunca

Entrevista com padre Carrón - Desafio ao niilismo

por Marina Corradi

Nada menos do que Deus basta ao homem. Propomos a entrevista que padre Carrón concedeu ao jornal Avvenire de Milão, em 21 de fevereiro de 2006

Um ano após a morte do Dom Giussani. “Foi pai de muitos”, dissera o então cardeal Ratzinger na homilia dos funerais na Catedral, celebrados junto com o arcebispo Tettamanzi. Mas: “Não nos consideramos órfãos”, escreve numa carta à Fraternidade de Comunhão e Libertação o Pe. Julián Carrón, sucessor de Giussani como guia do Movimento. Lembras quantas pessoas, e quão comovidas, se apinhavam na Catedral naquele dia de um ano atrás. Entretanto, aquela afirmação quase altiva: não somos órfãos, “uma herança presente continua a desafiar-nos”.

Além da morte – que freqüentemente, ao contrário, deixa só tristes comemorações. Padre Carrón, onde está agora para vocês a presença de Giussani?
Carrón: O próprio Ratzinger naquela homilia disse que Giussani não ligou a si as pessoas, mas a Cristo, e assim ligou os corações. É essa presença de Cristo que nós vemos atuando entre nós neste ano, de uma maneira que nos enche de admiração: é pela nossa unidade, pela intensidade da vida entre nós, por aquilo que continua a acontecer. A herança de Giussani é viva, sua presença permanece.

O senhor se diz grato a Giussani por tê-lo tornado consciente de toda a profundidade do desejo humano. O que continua a atrair os jovens, do ensinamento de Giussani, é a amplidão desse desejo?
Sim, porque os jovens têm todo o desejo ainda vivo no coração. Isto exige que estejamos à altura de tal desejo. Já se tornou difícil encontrar um adulto que aos 40 anos não seja cético. Os jovem ficam olhando, e quando vêem que todas as suas expectativas de felicidade, uma após a outra, não se cumprem, pensam que, talvez, não exista resposta, e se conformam. Encontrar uma pessoa que queira viver com intensidade por toda a vida não deixa indiferente quem toma a peito a própria felicidade: Giussani foi isto.

Retomando um tema caro a ele, o senhor escreveu recentemente que vivemos numa cultura que esqueceu o Mistério e reduziu a realidade à aparência. No meio de um niilismo sem inquietação, como é possível reagir?
Somente algo real e presente, capaz de arrastar o coração, pode desafiar o niilismo. As pessoas estão cada vez mais apáticas, porque faltam propostas capazes de fascinar o Eu. Ora, é só quando o Mistério revela seu rosto que o homem encontra a clareza e a energia para aderir. Temos necessidade do Mistério presente, de uma presença viva pela qual possamos nos apaixonar. É necessária uma atração carnal, como a da criança pela mãe. Nada menos do que isso basta ao homem.

E como é possível apaixonar-se por Cristo deste modo?
É necessária a presença de outro homem. É necessário que o Mistério tenha se tornado carne. O cristianismo é isto, como disse Bento XVI na Deus caritas est: os conceitos, que eram abstratos, em Cristo se tornaram carne e sangue. Este inaudito realismo, este envolvimento com o Mistério é a única possibilidade de ser salvos. Nenhuma redução do cristianismo a espiritualismo ou ética é capaz de despertar os homens. Giussani repetiu mil vezes uma frase de João Paulo II: “Nós cremos em Cristo morto e ressuscitado, presente aqui e agora”. O “aqui e agora” é a contemporaneidade a todo homem. E, como afirma a Veritatis splendor, a contemporaneidade de Cristo ao homem se chama Igreja. Seu Corpo é sinal tangível e histórico, que carrega o Mistério em seu seio.

Entretanto, mesmo no meio de nós cristãos há freqüentemente melancolia e quase sensação de derrota, como se a plenitude prometida escapasse sempre.
Justamente por isto temos necessidade de homens que testemunhem essa plenitude por toda a vida. Temos necessidade das testemunhas. João Paulo II o foi. Giussani nos mostrou até o fim que uma plenitude de vida é possível. O cristianismo é capaz de abraçar todo o humano e de levá-lo à plena realização, sem redução alguma.

Não é, isso que está dizendo, o sentido da Deus caritas est?
Com efeito, na encíclica o Papa demonstra como a viva experiência cristã dialogue com Nietzsche, e encare o eros, sem nada tirar à intensidade do desejo humano. Porém, no passado aconteceu que o cristianismo foi reduzido a moral ou a pouco mais de um “discurso correto”. Como disse João Paulo II: trocamos a maravilha do Evangelho por umas regras. Por isso, lendo esta encíclica, que nos reconduz à novidade do começo, ficamos admirados. Do mesmo modo como o começo suscitava admiração. É a admiração do Evangelho. Diante da capacidade de Cristo de responder aos homens, de perdoar, diante de sua ternura, era impossível não dizer: “Nunca encontramos um homem como este”.

A contribuição do Movimento – o senhor escreveu – é mostrar a razoabilidade da fé. De que maneira hoje se enfrenta esse desafio?
É necessário intervir nessa atrofia espiritual, pela qual muitos esqueceram seu desejo supremo de felicidade. É a apatia que muitas vezes os professores vêem nos estudantes, os quais parecem não mais entender as razões do estudo; é a fadiga presente nos matrimônios e nas famílias. É a hora de mostrar um cristianismo não reduzido em sua natureza. Mas o problema é de método: é preciso apresentar a proposta cristã tornando possível a verificação de sua verdade, e mostrando a razoabilidade da adesão.

Logo, é uma questão que diz respeito à educação.
A educação é para nós certamente a emergência mais dramática. Estamos propondo novamente em todos os lugares Educar é um risco de Giussani. É necessário tornar a educar, contra o que Augusto Del Noce chamava de niilismo alegre, e que é ausência do “coração inquieto” de Santo Agostinho. Somente algo presente e real pode nos despertar. É esta a batalha.

Recentemente o Papa aproximou niilismo e fundamentalismo como iguais ameaças para o homem. Como o senhor vê a onda de violência contra os cristãos em alguns Países islâmicos?
A primeira coisa é não subestimar o perigo desta ameaça. De qualquer maneira, o que acontece é ocasião para aprofundar a consciência de nossa identidade, cientes de que este é o único modo para viver o testemunho cristão, como lembrou o Papa depois da morte do Pe. Santoro: “Que o Senhor permita que o sacrifício de sua vida contribua à causa do diálogo entre as religiões e da paz entre os povos”. Isto não tira a necessidade de fazer todo esforço possível para evitar que a violência se alastre, e a necessidade de estarmos atentos à defesa da liberdade religiosa por parte das autoridades de cada País e das instituições internacionais.

Como o senhor vê a Itália na iminência das próximas eleições?
Com relação à crise profunda da qual falei, não esperamos resposta da política, mas temos esperança numa política que dê espaço aos sujeitos sociais capazes de oferecer contribuições para vencer esse mal-estar. Uma política que não seja estatalismo, ou seja, que não reprima a iniciativa da sociedade.

Não teme que a Itália possa vir a sofrer um ataque laicista como o da Espanha, o seu país de origem?
O presidente Zapatero encontrou poucas resistências na Espanha. Na Itália o corpo intermédio da sociedade tem uma capacidade de resistência maior. Certamente, se a emergência educativa não for enfrentada, o risco existe. Há uma forte pressão na cultura dominante na Itália, e é a pretensão de absoluta autonomia do homem, como se viu por ocasião do referendo sobre a Lei 40. Neste sentido, o desafio do Movimento é continuar com a herança que Giussani nos legou: educarmo-nos a sentir que somos filhos e, portanto, a nos converter continuamente. E isto é também o único modo para não envelhecer.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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