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Passos N.69, Fevereiro 2006

RUBRICAS

Cartas

Missão
Nos dias das festas de final de ano acompanhei uma mulher de 22 anos que estava tendo um parto difícil. A parteira da cidade me pediu para encontrar um veículo que pudesse transportá-la até o hospital, que ficava a 19 quilômetros de distância. Encontramos um trator. Quando chegamos lá, descobrimos que a cidade inteira estava sem energia elétrica. Por isso, tivemos que comprar diesel para acender o gerador do hospital para que os médicos pudessem começar a cesariana. Às 23 horas a cirurgia havia terminado, porém, só a mãe se salvara, a criança já estava morta há algumas horas. Fiquei muito triste, mas o fato de a mãe ter sido salva me confortou. Tudo custou 110 dólares, mas o pobre marido só tinha dois dólares no bolso (os dois são trabalhadores que ganham meio dólar por dia). Paguei a conta porque uma vida vale muito mais que isso. E lhes conto essas coisas porque foram as doações e o auxílio que os amigos me deram durante a minha estada em Milão que salvaram esta vida. Agradeço a todos que têm me ajudado em minha missão. Agradeço a Dom Giussani e a cada um de vocês pelo testemunho e pela experiência do Movimento que fez nascer em mim o desejo de me tornar anunciador do Evangelho. O Novo Testamento, os Salmos e os Provérbios já foram publicados em birmane. Um trabalho de tradução que já dura seis anos.
John, Mandalay – Birmânia

Um olhar agradecido
Caros amigos, quero comunicar um pouco da experiência que vivi nesses últimos 12 anos com o aparecimento e agravamento progressivo do câncer que culminou com a morte de minha mãe, Marilda, no dia 11/12/2005, aos 62 anos. Sem dúvida foram períodos difíceis, envolvendo quimioterapia, radioterapia e todo tipo de exame, além da constante expectativa de uma melhora que pudesse sinalizar a cura tão desejada. De fato, em termos médicos, esse período superou todas as previsões, pois a perspectiva era que ela sobrevivesse mais um ou dois anos. No entanto, a grande surpresa foi acompanhar o testemunho que minha mãe dava da “doce presença de Cristo”. Dois aspectos, particularmente, chamaram a minha atenção. O primeiro era a espontaneidade com a qual minha mãe percebia que cada dia, que cada instante lhe era dado de graça. Lembro uma ocasião em que ela me disse que nunca imaginou ver o neto (meu sobrinho) crescido, e era grata a Deus por ter visto não só aquele, mas também os outros dois netos (os meus filhos) crescerem. E completou afirmando que estava vivendo cada instante como se no dia seguinte não estivesse mais aqui. Quanto carinho ela dedicou aos netos! Mesmo no último período, já impossibilitada de sair do leito hospitalar que foi instalado na sala da casa, ela acompanhava a agitação das crianças e gostava de olhar para cada uma delas. Esse olhar de minha mãe para a realidade me provocou muito, pois comecei a entender que não era óbvio, só porque eu não estava doente, que no dia seguinte eu estaria aqui. Ver minha mãe valorizar cada circunstância me ajudava a viver a densidade de cada instante, facilitava o percurso da aparência do real ao Mistério, era uma ajuda a reconhecer “Algo dentro de algo”. O segundo aspecto era a docilidade com a qual ela se submeteu a todos os tratamentos e exames. Não vi em minha mãe sinais de revolta, nem de desespero. Era evidente no seu rosto que ela, mesmo cansada, queria viver tudo que lhe era dado. Era visível que ela experimentava aquela “serenidade impossível”. Sem dúvida, ter acompanhado a maneira como Dom Giussani e o Papa João Paulo II viveram situações de doença foi para mim uma grande ajuda para reconhecer a grandeza da experiência que minha mãe estava fazendo. De fato, como afirmou Dom João Carlos Petrini no funeral de minha mãe, ela tornou familiar o rosto de Cristo para aqueles que estavam próximos dela; ela testemunhou na própria carne a Presença de Cristo. Parece contraditório, mas devo reconhecer que essa experiência foi uma grande graça para mim. Tenho pedido a Deus que me conceda a simplicidade necessária para aprender tudo que essa experiência me diz. Sou muito grato a todos os amigos que me sustentaram com sua amizade e sua oração nesse período. Um abraço fraterno,
Gilberto, Salvador – BA

Novas presenças
Caro Carrón, nasceu um novo grupo de Escola de Comunidade na Unam, a maior universidade do México e da América Latina. Padre Franco, responsável pelo grupo dos universitários no país, me pediu para ajudar esses nossos rapazes. Junto com um amigo do CLU, organizamos um jantar com três estudantes que tinham conhecido o Movimento e que de vez em quando participavam de algumas atividades. Contamos a eles a história dos primeiros tempos, falamos dos primeiros rapazes que descobriram em Giussani uma humanidade originalíssima, da Escola de Comunidade como trabalho para aprender a ver as coisas como ele as via. No primeiro encontro na universidade, éramos nove. A fisionomia deles estava viva, cheia de curiosidade; fizeram muitas perguntas sobre o texto lido. Nossas melhores previsões tinham sido superadas. Voltando à Unam, me defrontei com uma realidade pouco favorável ao estudo sério e a uma presença cristã. A entrada das faculdades de Letras e de Filosofia é dominada por grandes cartazes convidando para a ocupação. São muitas as imagens de Che Guevara. Em alguns departamentos, é muito alto o som da música rock latina. O grande gramado em volta dos vários departamentos universitários é freqüentado por numerosos vendedores ambulantes. A universidade é estatal e de cunho declaradamente laicista, sendo proibida a presença de qualquer associação religiosa. Nós, oficialmente, nos reunimos como associação estudantil voltada para o aprofundamento de temas humanistas. Nossa insignificante presença me fez lembrar do início do Movimento, quando Giussani estimulava os seus amigos a se reunirem e a fazerem com que os outros percebessem a presença deles na escola. As circunstâncias, aqui, são muito diferentes, mas a essência da questão continua sendo a mesma. Sou grato porque descobri o incrível fascínio do desafio que Cristo, por meio de cada um de nós, apresenta à realidade. A esperança é de que um dia possa ser desfraldada aqui uma grande faixa nossa, sinal visível de gente diferente, que mudou após o encontro com Cristo. No fundo, é isso que todos esses estudantes da Unam aguardam.
Stefano, Cidade do México – México

Encontros em Portugal
Caros amigos, em dezembro fiz uma viagem a Portugal que foi uma experiência de muita beleza e por isso não posso conservá-la comigo: recebi de graça e quero compartilhar o que me foi dado. Fui participar de um congresso de internacional de Filosofia em Braga por convite da professora Marina Massimi. Além dela, estavam lá comigo o Miguel e Paulo de Belo Horizonte e o padre Gigio. O congresso foi muito bom, particularmente pela liberdade e clareza com que foi apresentado o pensamento de muitos autores católicos. A Universidade Católica de Braga é mesmo católica! Além do congresso, marcaram-me profundamente três experiências: 1) Passamos quatro dias em Lisboa, nos quais estivemos sempre acompanhados de pessoas do Movimento, e vivemos uma hospitalidade impressionante. No dia em que chegamos ganhamos de presente poder participar de um gesto histórico: a procissão de consagração da cidade de Lisboa a Nossa Senhora de Fátima, que seguia a imagem original que saiu de Fátima especialmente para esta ocasião (isto só tinha acontecido uma vez na história, 50 anos atrás). Participaram da procissão 500 mil pessoas – a grande Lisboa tem 2 milhões de habitantes! Havia pessoas de todas as idades e classes sociais, muitos casais com bebês e crianças pequenas, velhinhos de bengala debaixo de chuva e frio. Havia um silêncio que parecia poder se pegar com as mãos. Este gesto tem um significado importantíssimo dentro da história de Portugal: a perseguição religiosa em Portugal já iniciada no século XVIII com Marquês de Pombal foi acirrada no início do século XX, quando em 1913 foram proibidos muitos gestos religiosos como reunir-se para rezar, a construção de igrejas etc.. As aparições em Fátima começam em 1917 e nelas Nossa Senhora pede aos pastorzinhos que façam exatamente tudo que estava proibido, desafiando o governo. Um século depois, presenciamos esta multidão que segue Nossa Senhora passando diante do monumento do Marquês de Pombal. A Marina lembrou da frase de Dom Giussani que expressa exatamente o que estava acontecendo naquele momento: “a vitória de Cristo é o povo cristão”. 2) Fomos a Fátima onde pude rezar por todos nós, pela nossa Fraternidade, pelo Movimento e missão em São Paulo. Ali também se confirmava de novo um silêncio profundo dos portugueses diante de Nossa Senhora. É um povo que reconhece a presença de Cristo e o segue através desta Senhora. Eles cantavam uma música maravilhosa para ela, da qual gravei os versos finais: “enquanto houver um português, Tu serás o seu amor”. É a consciência de um povo que se forma em volta de Nossa Senhora de Fátima. 3) Encontramos com uma monja carmelita, muito bonita, que mora no mosteiro que fica ao lado da igreja de Fátima. Ela nos contou que antes de entrar para o Carmelo era uma alta executiva de relações internacionais, que era apaixonada por extravagâncias, inclusive esportes aquáticos. Recebeu-nos com uma enorme alegria em uma sala gelada, pois lá não há aquecimento. Ela nos pediu para que lhe disséssemos para o que deveria rezar, pois esse era o seu trabalho. Pedi que ela rezasse por nossa comunidade de CL em São Paulo. Falei que tinha ficado impressionada com a história dela e ela respondeu sorrindo: “Todos nós temos uma história de amor com Cristo que é maravilhosa!” Que verdade há nisto e como precisamos do silêncio para não perdermos a beleza e o mistério da convivência com Ele. Voltei de lá com um renovado desejo de viver e comunicar esta grande beleza e esperança para minha vida e do mundo que é a amizade com Cristo encarnado na Igreja.
Sílvia, São Paulo – SP

Escutando os cantos
Caríssimo padre Carrón, encontramos o Movimento em 1976, quando, recém-casados, fomos convidados para um casamento de amigos no Santuário de Nossa Senhora das Graças, perto de Chiavari. Fomos tocados pelos cantos que acompanhavam a cerimônia. Ficamos curiosos e perguntamos ao padre quem eram aqueles meninos. "São jovens de CL", foi a resposta. Era a época em que bombas molotov estavam sendo lançadas contra as sedes de CL que vinha sofrendo agressões por parte dos extremistas de esquerda. Dissemos a nós mesmos: se essas pessoas são tão obstinadas, significa que provavelmente sejam testemunhas autênticas e incômodas da fé. Foi assim que minha mulher e eu, que buscávamos uma experiência de fé que nos correspondesse, decidimos ir a um encontro de um dos grupos de CL. Fomos acolhidos calorosamente e ficamos maravilhados com a unidade daquelas pessoas. Foi assim que começou a nossa experiência no Movimento. Quatro filhos chegaram, além de muitos amigos, uma companhia que, no tempo, se dilata cada vez mais. Quase trinta anos se passaram (já celebramos 30 anos de casamento) e somos cheios de gratidão por aquilo que encontramos. É uma plenitude de significado que investe tudo aquilo que vivemos, inclusive os acontecimentos cotidianos. No cartão de lembrança escrevemos: "Nestes anos vimos e tocamos os teus milagres, Senhor, faça-nos tuas testemunhas até o fim de nossos dias". É isso que pedimos ao Senhor para nós, para nossos filhos e nossos amigos. Obrigado Dom Giussani, porque a sua fé e o seu carisma nos guiaram nestes anos frenéticos e confusos até a certeza de Cristo Redentor.
Gian Enrico e Marina, Gênova – Itália

Desafio na escola
Este ano fui obrigado a mudar de escola, por causa dos horários. Estou freqüentando o segundo ano do ensino médio. para mim, enfrentar a nova situação não foi fácil. Encontrei-me de repente sem amigos, com colegas desconhecidos, enfrentei falhas no programa e uma organização diferente da qual estava acostumado. Comparava sempre tudo com a velha escola e era evidente que na nova, nada prestava! O tempo foi passando e fui desanimando. Não podendo continuar com esta tristeza, comecei a pedir ajuda a Deus e aos amigos e comecei a rezar todos os dias o Angelus antes de ir para as aulas. Eu esperava e pedia para ter uma vida acomodada e tranqüila. Com maravilha experimentei que Deus responde como quer, mas responde! Um dia entra na minha sala o diretor para explicar a necessidade de ter representantes para o “Colegiado” (órgão formado por estudantes e pais que ajudam na condução da escola). Embora com desinteresse geral, fico atento e procuro entender o que o diretor diz, sobretudo por educação. Ele me olha e propõe que eu me candidate. Na hora penso que não há nenhum sentido, porque não tinha amigos na escola e porque sei que, para ser eleito precisa prometer muitas coisas e para ganhar, de fato, não importa realizar nada, precisa somente encantar, e eu nunca encantei ninguém. Fico calado, mas à tarde encontro os amigos dos colegiais e explico a proposta recebida. Eles a levam à sério porque reconhecem que é uma provocação para cada um e que o problema de ser eleito ou não vem em segundo plano. Então, começam a dizer o que desejam que seja a escola. Olhando a experiência, respeitando os desejos, julgando o que acontece e indo um pouco atrás dos sonhos, nasce logo o meu programa. Voltando à escola, consigo apresentá-lo a cinco estudantes e obtenho 20 votos. Foi simples. Eu sabia dizer a eles o que é a escola, porque faço constantemente a experiência de aprender. Foi a primeira vez na minha vida na qual fiz uma coisa não para procurar amigos, mas para compartilhar um sentido e experimentei que somente assim nasce um respeito que pode se tornar amizade. Além do resultado, entendi uma coisa grande: sempre falamos em aceitar o impacto com a realidade, mas às vezes a reduzimos à imagem e a realidade desaparece deixando-nos vazios. Eu, por exemplo, sempre pensei que a escola era simplesmente um lugar de amizades onde o aprendizado, o estudo e a maneira de julgar tudo não são as coisas mais importantes. Mas eu quero tudo isso! Agora estou em frente da realidade, da escola com aquilo que ela é: uma provocação que me pede empenho e me interessa.
Rafael, Belo Horizonte – MG

Fazer caridade
A carta que uma jovem escreveu depois de ter participado da caritativa no centro das irmãs de Madre Teresa de Calcutá.
Eu não podia entender por que Luis ficou tão contente quando me viu. Ele me levou para cumprimentar Ramón e observando-o compreendi uma coisa: ele ficava feliz com a felicidade do outro. E aí entendi o que é a caridade. A caridade de quem se alegra, por um momento, com a felicidade do outro; de quem olha com ternura aquilo que Deus lhe deu e o repassa ao mundo. Olhei em volta e me dei conta do absurdo que era nossa ida até aquele local, porque aquelas pessoas estavam à beira da morte! Senti no coração a dureza da realidade. Observei Luis novamente, e ele estava muito feliz; Edgar, Neysha e Bea também estavam felizes enquanto serviam o almoço. Notei que também as senhoras que trabalhavam na cozinha demonstravam bom humor. Que espetáculo! Parecia uma festa. Aí pensei: “A Tua suave presença, só a Tua doce presença é capaz de fazer com que a dura realidade fique tão bela”. Misteriosamente, acompanhando essas pessoas doentes, nos foi dada a vida, e nossas feridas, até aquelas que pensávamos que nunca seriam curadas, também foram sanadas.
Camil, Ponce- Porto Rico

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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