A partir da iniciativa de troca de experiência de algumas famílias que adotaram crianças, nasceu o trabalho sobre os textos de Giussani sobre esse tema e, inesperadamente, um bonito relacionamento com a Associação Famílias para a Acolhida
Eu e Gilberto temos dois filhos adotivos, que recebemos com espontânea gratidão, entendendo que Deus nos deu dois dos Seus filhos amados para que cuidássemos deles. É, de fato, um grande caminho que Deus nos faz trilhar. Quando nos abandonamos nos Seus braços e nos entregamos à Sua vontade nossos olhos se abrem para reconhecer os sinais da Sua Misericórdia na realidade que nos cabe viver e, assim, é possível entender o quanto somos amados e sustentados pela Sua infinita bondade.
Curiosidade e desejo
No desejo de entender mais a experiência da adoção, começamos a buscar ajuda dos amigos da comunidade. Tomei conhecimento da existência da Associação Famílias para a Acolhida nascida na Itália e, entrando no site da Associação tive os primeiros conhecimentos e a primeira impressão muito boa, ainda que vaga. Algum tempo depois uma amiga italiana que estava aqui em Salvador, Pinna Gallicchio, nos presenteou com o livro de Dom Giussani Il Miracolo dell’ospitalità (O Milagre da Hospitalidade, em fase de tradução para a edição no Brasil; nde). Como estava em italiano, eu demorei alguns meses para me dispor a lê-lo. Quando finalmente li a primeira página fiquei impressionada, pois aquilo que era dito, realmente, correspondia à minha pessoa.
Entrei em contato com Silvana, uma grande amiga de caminhada desde o início do Movimento aqui em Salvador, que, com simplicidade, prontamente aceitou o convite para lermos o livro juntas. Silvana também tem um filho adotivo e sempre estivemos próximas tentando nos ajudar nesta nova experiência. A nós se juntou Miriã e começamos a fazer a tradução do livro para o nosso uso pessoal, com encontros periódicos, para entendermos melhor a grandeza daquilo que havia chegado a nossas mãos. Depois de alguns meses, deu-se mais um encontro aparentemente casual. Desta vez meu marido estava na Itália para participar da Assembléia Internacional dos Responsáveis. Pegou um carona para ir ao aeroporto e no carro encontrava-se, também, Marco Mazzi, que é o presidente da Associação Famílias para Acolhida. Deste encontro nasceu uma amizade e ficamos em contato por meio do correio eletrônico. Com a ordenação de Dom João Carlos para Bispo Auxiliar de Salvador, Marco veio para o evento e fez questão de almoçar em nossa casa. Em pouco mais de quatro horas de convivência, nasceu o convite para conhecermos a realidade de Famílias para Acolhida na Itália, durante o encontro anual dos responsáveis da Associação. Esta proposta estava completamente fora dos meus planos, pois, com dois filhos pequenos, a sogra gravemente enferma e um trabalho que exige muito de mim, não esperava que esta viagem fosse realmente se realizar. O que muito me impressionou, neste primeiro encontro com Marco, foi a sua grande simplicidade e a imediata familiaridade que se estabeleceu entre nós.
Mudança nos relacionamentos
Conforme a indicação dada por Marco, continuamos com o estudo do livro, nos encontrando periodicamente para entender as palavras de Dom Giussani. De forma imprevisível, outras pessoas se juntaram a nós, interessadas nesta “estranha” experiência.
As mudanças começam a acontecer principalmente na forma de viver os relacionamentos mais próximos. Silvana afirmou que: “a leitura do livro foi uma grande descoberta, uma reviravolta nos meus relacionamentos com os mais próximos; não podia pensar em acolher o pobre, o necessitado, se não pensasse na relação com o meu filho, com o meu marido, aceitando-os como eles são; como Deus os fez. Fiquei marcada, porque de fato, não se tratava de uma generosidade, mas, sim, de um juízo sobre toda a realidade que me foi dada”.
Estar diante dos relatos feitos no livro, e tentar entender as razões dadas por Dom Giussani fez crescer em mim o desejo de conhecer mais esta experiência. Quando o convite para ir à Itália foi renovado, mesmo diante dos problemas que me cercavam, confrontando com Dom João Carlos e Gilberto, ficou decidida a minha viagem. As coisas se arranjaram de forma milagrosa e Deus, na sua grande Misericórdia, ainda me fez um grande carinho permitindo que eu não fosse sozinha, pois no último momento surgiu a possibilidade de Miriã viajar comigo. Na viagem os sinais da ação de Deus na nossa vida foram se sucedendo. Primeiro o aprofundamento da amizade com Miriã, que se revelou uma pessoa de grande fé e com uma imensa vontade de servir a Deus nas circunstâncias. Depois, começar aquela semana de encontros e trabalhos tendo como ponto de partida uma visita ao túmulo de Dom Giussani foi, também, uma grande graça. Aos pés de Giussani colocamos o pedido por todos os amigos da nossa comunidade, pedimos a sua proteção para que o carisma seja sempre mais amado e vivido até as últimas circunstâncias e que, assim, o nosso amor a Cristo cresça a cada dia.
Os encontros que se seguiram com Graziella, Tiziana, Luciana, Maria Grazia, Giulio, Valéria e tantos outros, nos fizeram experimentar concretamente o que significa ser amados por Deus sem reservas. Fomos acolhidas em todo o nosso ser, e amadas pelo que somos e não pelo que podemos fazer. Não nos sentimos obrigadas a responder com projetos e, assim, aumentou em nós o desejo de que o nosso “sim” a Cristo seja sempre mais denso e verdadeiro, como o “sim” daquelas pessoas que encontramos.
Durante o encontro dos responsáveis foi impressionante ouvir a experiência relatada por pessoas comuns, que vivem os mesmos problemas que vivemos no nosso cotidiano, e também daqueles que assumem problemas muito mais sérios como conseqüência do gesto de acolher, mas todos mostravam uma total entrega a Deus dentro da companhia dos amigos que os ajudam na caminhada diária. Pessoas completamente conscientes da dura realidade em que vivem, mas que se apóiam totalmente, juntos, na graça de Deus para continuar a caminhada, com grande alegria, experimentando o cêntuplo agora. Tivemos contato com algumas famílias, como a de Alessandra. Ela acolheu temporariamente em casa uma criança de oito anos que não tem mais nenhum familiar, tem sérios problemas de saúde e de relacionamento. Diante dessa situação Alessandra nos afirmou que a acolhida só é possível se antes de tudo nos sentimos acompanhados e amados. Tendo ainda dois filhos naturais pequenos, ela nos disse, com brilho nos olhos, que diante dos grandes problemas com a pequena Nicolle, não pode simplesmente desistir dela, uma vez que jamais seria capaz de abandonar um dos seus filhos. Na Associação os problemas são resolvidos em comum, onde uma família nunca está só na sua luta cotidiana, tendo sempre a quem recorrer com um pedido de ajuda.
Foram muitas as experiências de acolhida que ouvimos e presenciamos, a começar por nós que fomos acolhidas por todos de forma impressionante. Disso tudo fica uma grande certeza: Deus nos ama e nos fez vivenciar estas coisas para que também o nosso amor por Ele cresça a cada dia e o nosso “sim” seja pleno. Peço a Maria que me ajude nesta caminhada iniciada.
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A ACOLHIDA É UMA CULTURA
por Francisco Borba Ribeiro Neto
Antigamente, o Brasil era cheio de “padrinhos” e “compadres”. A estrutura social tradicional brasileira estava assentada sobre relações de acolhida e apoio dentro da família, nos grupos de vizinhança e mesmo entre os “poderosos” locais e o restante da população. Muitas destas relações ocultavam mecanismos de dominação e exploração dentro da sociedade, mas, objetivamente, era uma sociedade mais solidária, onde uma criança dificilmente passaria por necessidades maiores do que as demais. Ainda hoje, nas favelas e bairros periféricos das grandes cidades, é comum ver famílias pobres que acolhem os órfãos e abandonados da vizinhança, simplesmente porque entendem que não podem deixar a criança crescer sem família.
O individualismo da sociedade moderna criou estas situações dramáticas e aparentemente insolúveis de filhos indesejados, órfãos abandonados, velhos esquecidos e bebês de proveta. A solidariedade e a acolhida são elementos naturais ao ser humano, mas nem por isso automáticos. Precisam de um processo educativo que ajude a pessoa a se abrir à realidade e a perceber como o acolhimento ao outro é importante não só para a pessoa que é acolhida, mas também para aquela que acolhe e para a toda a comunidade. A natureza do amor se esclarece através da acolhida. O amor que não é capaz de acolher, de comover-se (mover-se por um sentimento compartilhado), degenera em vontade de posse de um outro: o filho não é desejado para que tenha uma vida bela e livre, mas porque é o SEU filho, sua propriedade. Quando não existe uma educação adequada da afetividade mesmo as pessoas amadas se sentem cada vez menos acolhidas e mais usadas e transformadas em objetos que só tem valor enquanto correspondem aos interesses do outro, podendo depois ser descartadas ou substituídas.
Existe uma providencial polaridade entre o lançamento de Deus caritas est e a “descoberta” pela mídia do fenômeno das crianças abandonadas no Brasil. O problema não é só aquele das mães que, movidas pelo desespero, pela pobreza ou até pela demência, abandonam seus filhos. É também, e talvez mais ainda, de toda uma sociedade que não é capaz de acolher estas pessoas, que se escandaliza, mas as trata como responsabilidade de outros, ou que precisa da dor dos abandonados transformada em espetáculo televisivo para se corresponsabilizar por esta realidade. É o drama de pessoas que não conhecem a caridade, que não se descobrem elas mesmas acolhidas por um Outro. Bento XVI não imaginava, quando escreveu sua encíclica, o que estaria acontecendo no Brasil quando ela fosse divulgada, mas – providencialmente – disse aquilo que precisa ser dito diante desta realidade de uma sociedade que não sabe acolher nem ser acolhida.
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A ASSOCIAÇÃO FAMÍLIAS PARA A ACOLHIDA
Na origem da Associação Famílias para a Acolhida está o encontro entre o então vereador italiano Giuseppe Zola e algumas famílias que viviam experiências de adoção. Ele foi consultá-las sobre o tema da adoção provisória que precisava ser regulamentada em Milão. Neste dia de trabalho juntas, essas famílias descobriram que, pela educação que tinham recebido no movimento Comunhão e Libertação, estavam fazendo a mesma experiência, haviam as mesmas razões e as mesmas dificuldades. Naquele encontro intuíram que uma amizade estável entre elas, com reuniões periódicas, possibilitaria a formação de um lugar de confronto e de dilatação da própria humanidade que as instituições não podiam oferecer. Assim, em 18 de maio de 1982 nasce a Associação com dez sócios-fundadores.
Inicialmente era formada por famílias que adotavam crianças ou as acolhiam temporariamente. No tempo, por meio de diversos encontros e pelas necessidades que iam se apresentando, a Associação se estendeu a outras experiências. Assim, próximo a alguns grandes hospitais de Milão, nos anos 80 se constituiu uma rede de famílias disponíveis para hospedar – em uma condivisão não apenas logística – aos parentes que vinham de longe acompanhar seus familiares enfermos. Posteriormente, teve início também, um grupo de acolhida aos anciãos.
Atualmente a Associação está presente em toda a Itália, e em cinco regiões foram constituídos grupos regionais que acompanham as famílias próximas. Há atividades da Associação em Madri (Espanha) e Lugano (Suíça).
Credits /
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón