No início de setembro, padre Julián Carrón passou alguns dias visitando o Brasil. Encontros, diálogos, e a possibilidade de aprofundar o valor das obras
Dividido em cinco regiões geográficas, muito diferentes entre si, o Brasil é um país de dimensões gigantescas, com pouco mais de 170 milhões de habitantes, marcado por profundos contrastes entre pobres e ricos. Aqui também, há mais de 40 anos, foi plantada a semente de uma humanidade nova com a chegada, em 1962, dos primeiros amigos de Dom Giussani que vieram servir à Igreja de Belo Horizonte.
Sobre a presença do Movimento no Brasil, o então cardeal Ratzinger, na homilia da missa dos funerais de Dom Giussani, em fevereiro deste ano, lembrou que “era grande a tentação daquele momento de transformar o cristianismo num moralismo, o moralismo numa política, de substituir o crer com o fazer... Dom Giussani conservou a centralidade de Cristo e exatamente por isso ajudou com as obras sociais, com o serviço necessário à humanidade neste mundo difícil, onde a responsabilidade dos cristãos para com os pobres no mundo é enorme e urgente”.
Com o passar dos anos chegaram outros missionários e o Movimento foi crescendo, tendo como marca a capacidade de gerar obras que enfrentem a pobreza e a injustiça social a partir da centralidade de Cristo.
Salvador
O evento mais representativo da visita de Carrón ao Brasil foi a inauguração da creche “Monsenhor Luigi Giussani” em Salvador, feita pelo Governador do Estado, Paulo Souto. Esse projeto irá atender 200 crianças provenientes de famílias muito pobres da região e faz parte do trabalho que a Associação dos Voluntários para o Serviço Internacional (Avsi) realiza há anos na baía de Ribeira Azul. Ali a instituição atua na reurbanização da área e a retirada de 33.000 famílias da moradia em palafitas para dar-lhes uma casa. O projeto é financiado pelo Banco Mundial e pelo Ministério das Relações Exteriores da Itália e pelos resultados obtidos vem sendo considerado um modelo no Estado e vitrine para o mundo. Porém, sabemos que nada disso teria acontecido se não houvessem pessoas educadas a um olhar diferente para as pessoas que encontram. O que faz a diferença do trabalho nessa região, que já sofreu várias intervenções infrutíferas antes, é a aplicação de um método, utilizado durante todo o processo, baseado (1) na centralidade da pessoa, (2) em fazer com o outro e (3) em encontrar a positividade do real em todas as situações . Ter ensinado esse método foi a grande contribuição de Giussani, por isso nada mais adequado do que homenageá-lo com a primeira creche do novo bairro. “Considero tal iniciativa uma modalidade particularmente feliz para homenagear e recordar o nosso falecido fundador, que usou toda a sua existência terrena numa educação que assegura a plena realização do humano na percepção do caminho da vida como tensão, instante após instante, a um destino que é bem”, pronunciou Carrón durante a inauguração.
Em Salvador existem outras três obras educativas: a Creche de Novos Alagados na qual são acolhidas crianças de 0 a 6 anos; o Centro Educativo João Paulo II, que oferece reforço escolar para crianças maiores; e o Centro de Orientação Familiar, que ajuda jovens e adultos a conseguirem emprego por meio de cursos de formação profissional e pequenas cooperativas de trabalho.
Naquela tarde Carrón se encontrou com dom Geraldo Magella, cardeal de Salvador e presidente da CNBB, e no início da noite realizou uma Assembleia com a comunidade. Os amigos do Movimento levaram muitos convidados, todos curiosos para conhecer o padre espanhol. Eram cerca de 230 pessoas, e também participaram alguns membros das comunidades de Fortaleza, Cruz das Almas e Vitória da Conquista. No fim da noite os sorrisos declaravam a satisfação. Todos ficaram marcados, sobretudo, pela simplicidade de Carrón, que em todos os momentos afirmava que veio para compartilhar conosco o que há de mais importante: a presença de Cristo. Ele dizia: “A vida se decide quando nos deixamos educar, tocar pelo real. João e André experimentaram a vida de maneira incomparável por terem se deixado tocar por aquela presença excepcional, uma presença que corresponde. Para nós, é a mesma a experiência de manhã quando abrimos os olhos e a criança está chorando, quando vamos trabalhar ou quando sentimos dor de cabeça. Estamos sempre em contato com o real. O real é o verdadeiro aliado da vida”.
Belo Horizonte
Em Belo Horizonte Carrón reencontrou Rosetta Brambilla, uma das primeiras italianas a virem morar no país. Atualmente ela ajuda a coordenar três creches: Jardim Felicidade, Dora Ribeiro e Etelvina Caetano de Jesus. As escolas atendem ao todo 313 crianças de 0 a 6 anos. Há ainda um centro sócioeducativo – Centro Alvorada –, que atende 240 adolescentes de 6 a 15 anos oferecendo, além do reforço escolar, oficinas de teatro, música, informática, artesanato e atividades recreativas. Com estes jovens nasceu um bonito relacionamento de amizade e junto com Cristina e outros educadores, muitos começam a participar do grupinho de colegiais do Movimento.
Sempre para responder às necessidades que se apresentam, em dezembro de 2001 foi criada a Casa Novella, que tem por finalidade acolher crianças de 0 a 6 anos em situação de risco pessoal e/ou social, vítimas de violência doméstica. Eles também fazem um acompanhamento psicossocial das famílias de origem, visando a superação da situação e a re-inserção da criança em seu meio. No ano passado este trabalho foi premiado pela Fundação Abrinq como reconhecimento da metodologia utilizada: realismo, razoabilidade e moralidade. Novamente os frutos do método de ver a realidade que nos foi ensinado por Dom Giussani!
Carrón também teve ocasião de conhecer o novíssimo Centro Virgilio Resi. Este nome quer homenagear padre Virgilio, que foi responsável pelo Movimento em nível nacional e na cidade de Belo Horizonte. Ali estão em funcionamento duas turmas de preparação para o trabalho de jardinagem e garçom. Ao ser apresentado como um amigo de Virgilio, os meninos logo se colocaram em relacionamento com ele, e ao questionarem sobre o drama das escolhas na vida, Carrón convidou a todos para um empenho em comparar tudo com as exigências do coração, dando o exemplo dos sapatos: “são confortáveis ou não? É só você quem pode dizer”.
Em seguida padre Carrón foi encontrar-se com Pigi Bernareggi, que foi um dos primeiríssimos a partir para o Brasil seguindo o fascínio de Dom Giussani. Ele o recebeu em sua casa, no bairro Primeiro de Maio e, em um diálogo muito amigável, contou-lhe sobre o trabalho que desenvolve com a comunidade do bairro para estudar a Doutrina Social da Igreja e sobre os novos projetos: uma creche para atender as famílias mais necessitadas da região e um centro de informática para jovens e adultos, que foi construído com o patrocínio de amigos do Movimento de Turim, na Itália.
E para encerrar o dia, uma Assembleia com a comunidade. Vivenciando o amor pela beleza que uniu padre Virgilio aos mineiros, nesta ocasião alguns músicos apresentaram canções brasileiras tendo como tema o senso religioso e o encontro teve grande participação dos jovens.
Rio de Janeiro
Outra etapa da viagem de Carrón foi uma rápida passagem pelo Rio de Janeiro. Ali, junto com dom Filippo Santoro, bispo de Petrópolis, ele também fez um encontro com a comunidade e amigos, no qual compareceram mais de 450 pessoas. Muitos trabalharam para a divulgação deste evento e o cardeal da cidade, dom Eusébio Oscar Scheid desculpando-se pela ausência enviou um telegrama: “Que Deus abençoe cada vez mais a missão evangelizadora e comunitária do Movimento Comunhão e Libertação, especialmente em meio à juventude, que busca o Cristo, muitas vezes sem saber”. Ali Carrón não teve tempo para visitar as duas creches que a Avsi mantém em uma favela de Copacabana, o Morro dos Cabritos, onde as famílias têm um ponto seguro a quem confiar seus filhos. No mesmo local está em funcionamento um centro educacional com reforço escolar para os adolescentes. Ali, todas as semanas, os funcionários e alguns pais se encontram para a Escola de Comunidade, momento catequético que caracteriza a vida do Movimento.
São Paulo
Para encerrar a viagem, Carrón visitou os dois novos grupos de amigos da cidade de São Paulo. Pessoas que trazem muitas experiências e riquezas e que reconheceram no carisma “o caminho para o único ponto que pode tirar a tristeza, o medo e o cansaço das suas fadigas cotidianas: Jesus Cristo vivo, presente em uma companhia de amigos”, como lhes disse Carrón.
O primeiro grupo fica na zona Oeste da cidade. Ali o casal Cleuza Ramos e Marcos Zerbini (cf. Passos junho, pp. 20-22) reuniu alguns amigos para recepcionar padre Carrón com um grande almoço festivo. E Carrón lhes agradece novamente pela caridade com a qual se movem: “Estamos aqui para servi-los”, não cansava de repetir. Eles lhe fizeram uma pequena homenagem entregando-lhe uma placa em agradecimento por sua visita e por sua dedicação ao Senhor.
Atravessando a cidade, na extrema zona Leste, é padre Ticão quem aguarda Carrón, junto com um grupinho da sua comunidade. São alguns agentes de saúde e voluntários que o ajudam na região de Ermelino Matarazzo, onde é pároco e um dos grandes líderes populares. Ticão apresenta as obras de construção do novo Centro de Recuperação e Educação Nutricional (Cren). A obra, que está sendo patrocinada pelo BNDES, com o apoio da Avsi, do Governo do Estado de São Paulo e outras instituições privadas, fica ao lado de uma grande favela, onde as pessoas vivem em extrema pobreza. Ali perto, na comunidade do Jardim Keralux, com a ajuda de alguns amigos do Movimento, há dois anos vem sendo desenvolvido um trabalho de cooperativa de costureiras. As artesãs foram ajudadas a descobrir o sentido da beleza e da dignidade do trabalho e evoluíram tanto na criação de seus produtos que neste ano “exportaram” bolsas para serem vendidas no Meeting de Rímini.
Em São Paulo também foi realizada uma Assembleia com os amigos de Comunhão e Libertação. Foram 400 pessoas que lotaram um auditório para ouvir Carrón responder a algumas perguntas que perpassam o nosso cotidiano: desesperança, fadiga, ... “Não vim para substituí-los, mas para dar o método que lhes ajude a encontrar as respostas”.
Manaus
Mas, além destas comunidades visitadas por Carrón, no Brasil vale destacar outra comunidade: em Manaus, uma das primeiras cidades visitadas por Giussani, ainda nos anos 60, funciona a Escola Agrícola Rainha dos Apóstolos que abriga jovens, na maioria indígenas, para lhes ensinar o cultivo da terra e o artesanato como fonte de renda.
Tudo isso é apenas uma pequena amostra dos muitos milagres que o Espírito, através do carisma de Dom Giussani, tem suscitado pelo Brasil afora. Neste momento de incertezas políticas, com uma grave crise no governo, a presença de padre Carrón, com seu testemunho pessoal e palavras firmes foram de grande ajuda para nos ajudar a retomar que é a educação cristã o que nos permite não perder a esperança. A esperança que não decepciona.
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