Saudação e homilia do cardeal Adrianus Simonis, primaz da Holanda, durante a missa celebrada na Assembléia Internacional dos Responsáveis, de Comunhão e Libertação. La Thuile, domingo, 28 de agosto de 2005
“A esperança não decepciona”. Eu esperava estar em Rímini e La Thuile também neste ano. Graças a Deus isso aconteceu.
Por que gosto de estar entre vocês? Porque os nossos encontros são como que oásis para uma pessoa que vive como que num deserto espiritual.
Posso garantir-lhes que, durante o ano, o Meeting e este encontro internacional são uma espécie de refúgio seguro para a minha vida de fiel e de Bispo.
Caríssimos irmãos e irmãs, creio que também vocês aguardam ansiosamente esta assembléia internacional.
Depois dos meses inesquecíveis que acabamos de passar, marcados pela morte e, ao mesmo tempo, pelo Mistério vivo na Igreja, Corpo de Cristo na história, foi com gratidão que acolhemos Bento XVI, que assumiu o posto do seu grande predecessor João Paulo II.
Agora, a palavra que nos foi dirigida nos leva a refletir diretamente sobre o sentido da dor, por não podermos mais usufruir da presença física do padre Giussani. Eu também pude experimentar a sua afetuosa atenção, por meio de alguns telefonemas.
Destaco, neste momento, três afirmações tiradas dos textos que acabamos de ouvir.
“Senhor, fui seduzido... um fogo ardente atravessa meus ossos”.
Vocês estão aqui, estamos todos aqui, por força de um evento tão intensamente humano que fez nascer em nós a pergunta sobre o Mistério de Deus presente.
Como seis séculos antes Jeremias havia se perguntado sobre Deus, assim há dois mil anos alguns judeus se perguntaram “Quem é Ele?”, dirigindo-se a Jesus, que apresentava algo de inexplicável. Porque a convivência com Ele tornava evidente que nEle as pessoas podiam confiar. Esse mesmo maravilhamento continua presente na Igreja de hoje, e com CL tal fato tem acontecido com milhares de pessoas, multidões, das quais vocês aqui são como que a ponta de um iceberg. A fé, diz hoje Jeremias, é o fascínio pelo qual “deixar-se seduzir”, uma atração que tende a se difundir. Muitos de vocês amam, com todo o coração, o padre Giussani, mesmo sem nunca tê-lo encontrado pessoalmente, mas por meio de alguma outra pessoa que também ficou marcada pelo fato de ter encontrado Cristo através da humanidade dele.
O profeta fala de “fogo ardente”. É o desejo que se desencadeia quando o nosso coração toma um susto diante do Mistério presente. Eis aí o sinal personalíssimo e, ao mesmo tempo, universal do encontro. É despertada aquela preciosa inquietação que o mundo desconhece.
“Quem perder a própria vida por minha causa, a encontrará”.
Devo dizer alguma coisa sobre o famoso trecho evangélico de hoje – Mateus, capítulo 16 – a respeito do primado de Pedro. Para diversos exegetas modernos, as palavras de Jesus a Pedro são uma interpolação. Nos meus estudos de exegese bíblica, não só nunca encontrei um verdadeiro argumento contra a não-autenticidade das palavras de Jesus, mas há até um argumento evidente que atesta a historicidade daquilo que foi prometido a Pedro. Se o trecho fosse uma interpolação, feita ad artem, os autores certamente teriam tirado fora a dureza de algumas palavras de Jesus dirigidas a Pedro. Isso, claro, eu o digo sintetizando maximamente a questão.
Hoje publicamente posso dizer que o sinal para mim mais convincente do testemunho de Cristo dado pelo padre Giussani – portanto, pelo carisma – foi o não ter colocado a si próprio no centro do Movimento, do povo que viu congregar-se em torno de si.
A vida é pura gratuidade da parte de Deus, e só quando ela é livremente doada de volta a Ele é que nossa pessoa pode florescer consciente, afetivamente amadurecida. Com o padre Giussani, recebemos um testemunho do Mistério a ser seguido, para assim a gente aprender a vencer o medo de se entregar. À pergunta “O que poderá o homem dar em troca de si mesmo?”, nós sabemos responder! Vimos o lucro, o cêntuplo, por ter vivido respondendo a Cristo em cada circunstância da vida, amando “o Senhor em todas as coisas, acima de todas as coisas”, como dizem Cristo e a Igreja. Agora, reconhecida a verdade da vida, cabe a cada um de nós corresponder ao encontro que aconteceu. O ponto-chave da conversão a Cristo está aí: não cabe a nós decidir o modo concreto pelo qual o Pai nos levará a reconhecer o Cristo. Não nos esqueçamos: o futuro Bento XVI descreveu a fé como “obediência de coração àquela forma de ensinamento ao qual fomos consignados”.
Uma última referência à palavra de hoje.
“Não vos conformeis com a mentalidade deste século”, é a exortação de são Paulo.
Hoje, aquele que segue o Mistério que o padre Giussani procurou servir durante a sua vida e com todo afeto de que era capaz, não se encontra órfão. Porque não é só um seu discípulo, mas um seu companheiro de viagem, porque vive como “filho do Pai”. Ainda que mais jovem e, sobretudo, menos fervoroso do que ele.
Por isso, é decisiva a sua afirmação “o maior sacrifício é dar a vida por um Outro”, juízo que vai diretamente ao íntimo do coração de Cristo, de onde flui o carisma. A mentalidade mundana não compreende que da obediência possa nascer a liberdade de viver como filhos. Pois bem, o carisma é dado pelo Espírito, e reconhecido pela Igreja, para personalizar a fé. Ouvimos que Paulo não pede que nos mortifiquemos mas sim que cada um “ofereça o sacrifício vivo”, isto é, que compare tudo com o seu desejo de plenitude.
Enfim, padre Giussani nos abriu para a Eucaristia como sacramento da amizade de Cristo por nós, e de nós por Ele. Essa é a Comunhão, a Comunhão entre Ele e nós.
Nesse espírito, confiando na intercessão de Maria, celebremos a Eucaristia, por Cristo Nosso Senhor. Amém.
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