Um estudioso inglês propõe a releitura do pensamento de Chesterton à luz do encontro com padre Giussani. Ambos viram a fé como dom
Eu e minha mulher freqüentamos uma Escola de Comunidade de Boston durante alguns anos e foi assim que conhecemos os livros e a influência de padre Giussani. Seguindo este grupo, acabamos indo à Itália para os Exercícios Espirituais e, assim, tivemos a sorte de conhecê-lo pessoalmente. De muitas maneiras, os anos passados no Movimento foram educativos para nós. Mostraram-nos que a fé, quando é vivida, dá origem a uma cultura. Mostraram-nos como a atual sede de experiência espiritual pode ser satisfeita dentro da igreja católica. Introduziram-nos na teologia de Henri de Lubac e Hans Urs von Balthasar, que forneceu a chave para uma autêntica interpretação do Concílio Vaticano II. Por causa da experiência no Movimento sentimos a necessidade de editar um jornal que exprimisse a beleza da fé e as suas possibilidades culturais e o chamamos de Second Spring (Segunda Primavera), nome tirado de um famoso sermão proferido por John Henry Newman em 1852 que profetizava o renascimento da igreja católica na Inglaterra. Padre Giussani cita muitos escritores em seus livros e existem, em particular, numerosas afinidades entre o seu pensamento e o dos grandes apologistas ingleses seguidores de Newman, como G. K. Chesterton e C. S. Lewis, no século XX. Quero, aqui, deter-me sobre a presença de Chesterton nos livros de Giussani, uma vez que o nosso trabalho parece girar cada vez mais em torno dele. Prolífico e extraordinário jornalista, romancista, poeta e dramaturgo, morto em 1936, Chesterton representa, ainda hoje, uma grande esperança para o renascimento do cristianismo, um renascimento que está exatamente dentro do espírito de Comunhão e Libertação.
Na minha opinião, o coração do livro Por que a Igreja?, de Giussani, é este trecho: “Quem vive o mistério da comunidade eclesial recebe uma mudança da sua natureza. [...] Essa deveria ser a curiosidade da aventura cristã, ou seja, do nascimento e do estabelecimento no mundo desta forma nova de criatura, “primícias” de uma humanidade nova. E não somos chamados a anunciar apenas por palavras esta regeneração, somos antes convidados a uma experiência”. Ouvimos freqüentemente a expressão bíblica “primícia” mas Giussani a renova levando-a a sério. O texto continua: “Imaginar que o cristianismo possa reduzir-se a afirmações verbais – e uma semelhante imaginação pode ocorrer a qualquer um, até a quem se considera cristão – significa retrair-se daquele fascínio de uma aventura única, significa retrair-se do cristianismo como vida”. (L. Giussani, Por que a Igreja?, Rio de Janeiro 2004, p. 306).
A palavra “aventura”, mais do que qualquer outra, é a que aproxima Giussani de Chesterton, que experimentou o cristianismo da mesma maneira – como uma aventura contínua. Em um célebre trecho tirado do seu livro Ortodoxia, Chesterton escreve como seria simples para os cristãos perderem-se em algum capricho ou heresia, do gnosticismo à Ciência Cristã. “Alguns adquiriram o tolo hábito de falar da ortodoxia como algo importante, constante e sólido. Não há, no entanto, nada tão perigoso e tão estimulante quanto a ortodoxia: a ortodoxia é a sabedoria, e ser sábios é mais dramático do que ser loucos; é como o equilíbrio de um homem atrás de cavalos que correm para o precipício, que, por um lado, parecem abaixar-se e, por outro, suspender-se e, no entanto, em cada atitude, conservam a graça da estatuária e a precisão da aritmética. A Igreja, nos primeiros tempos, foi soberba e veloz como um cavalo de guerra; mas é absolutamente anti-histórico dizer que ela seguiu puramente o direcionamento de uma idéia – como um fanatismo comum. Ela desviou para a direita e para a esquerda com bastante precisão para evitar grandes obstáculos; deixou, por um lado, a grande mole do arianismo, defendida por todas as forças do mundo que queriam tornar o cristianismo demasiado mundano; em seguida, precisou evitar o orientalismo, que a tinha afastado muito do mundo. A igreja ortodoxa nunca escolheu os caminhos habituais nem aceitou os lugares comuns, nunca foi imponente. Teria sido fácil aceitar o poder terreno dos arianos; teria sido fácil, no calvinista século dezessete, cair no poço sem fundo da predestinação. É fácil ser loucos; é fácil ser hereges; é sempre fácil deixar que uma época coloque-se à frente das coisas, difícil é conservar a própria cabeça; é sempre fácil ser modernistas, assim como é fácil ser esnobe. Teria sido fácil cair em alguma das muitas armadilhas do erro e do excesso que, de uma moda a outra, de uma seita a outra, foram armadas no decorrer do caminho histórico do cristianismo. É sempre fácil cair; há uma infinidade de ângulos nos quais se pode cair, mas há somente um no qual se fica de pé. Perder-se em qualquer um dos caprichos, do gnosticismo à Ciência Cristã, teria sido óbvio e banal. Mas ter evitado todos eles é a aventura que conturba; e, na minha opinião, o carro celeste voa fulgurante através dos séculos, enquanto as néscias heresias contorcem-se, prostradas, e a augusta verdade oscila mas permanece de pé”.
Chesterton, que, como Giussani, escreveu muito sobre o cristianismo, nunca cometeu o erro de reduzir a fé a uma questão de “afirmações verbais”. A fé é um dom e podemos perdê-lo de muitas maneiras se não rezamos com o coração, se não vivemos a aventura. Estar em Cristo significa estar em um palco trinitário e participar do que Von Balthasar definiu como “teodrama”. Muito facilmente sentamo-nos à parte e observamos o espetáculo de um lugar cômodo, “retraindo-nos do cristianismo como vida”.
O senso de aventura, de vida e de fé como um dom contínuo do qual devemos ser gratos, o senso de imenso reconhecimento por cada respiro, cada amigo, cada encontro aparentemente fortuito, permeia a vida e as obras de Chesterton. Vemos isso, por exemplo, na sua breve biografia de São Francisco de Assis, o santo que mais se aproximou de Cristo porque conseguiu perturbar o mundo. No final do livro, Chesterton parece quase resumir a própria espiritualidade quando escreve, em relação a São Francisco: “Ele foi, sobretudo, um grande doador, que realizou a melhor forma de oferta chamada “rendimento de graças”. Se um outro grande homem (cardeal Newman) escreveu uma gramática do consentimento, pode-se dizer, dEle, que escreveu uma gramática de aceitação: uma gramática de gratidão. Porque compreendeu a teoria do agradecimento em toda a sua profundidade, e esta profundidade é um abismo sem fim. [...] E também percebeu que nós podemos avaliar melhor o grande milagre do simples fato da nossa existência quando conseguimos constatar que se não fosse por uma extraordinária graça não existiríamos”.
* Diretor do G. K. Chesterton Institurte for Faith & Culture, na Grã Bretanha e dirige o jornal Second Spring.
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