Notas de uma palestra de Luigi Giussani sobre Juventude Estudantil (Gioventù Studentesca). Régio-Emília, 1964. Continuação da Página Um da edição anterior.
Colocar-se juntos sob uma autoridade
Nós, portanto, dizemos aos jovens – eu o digo abertamente, até mesmo na escola –: para entender o cristianismo, para poder julgá-lo, você, ateu comunista, ou você, democrata-cristão, ou você, membro da Ação Católica*, para poder condená-lo criticamente ou para poder aceitá-lo com inteligência, vocês têm de colocar-se juntos e participar dessa tentativa de ver de que forma a vida, com todos os seus interesses – pois a vida é feita de interesses –, enfrentada do ponto de vista cristão, pode ser explicada, pode ser, usemos a palavra definitiva, “valorizada”. “Coloquem-se juntos”, digo a eles, “sob uma autoridade”, pois omnes docibiles Dei (todos serão instruídos por Deus); não é o nosso cérebro o critério do cristianismo: esse critério passa sempre pela autoridade. Seja como for, a posição do cristão, enquanto tal, enquanto cristão, na medida em que a comunhão com Deus deve se desenvolver nele, é eminentemente uma posição a ser educada, que, portanto, supõe um mestre (por isso, nada de “democracia”, exceto o grupo, para que não tenhamos nós também de pagar um tributo, de “oferecer em sacrifício” a certos valores que se tornaram ídolos, que passaram a ser concebidos como ídolos). É preciso que você seja educado a esse tipo de ação; portanto, você deve seguir aquele que dirige. Se é assim, o padre que dá aulas de religião deveria ser ou deveria se tornar, por assim dizer, automaticamente o guia, o pastor dessa parte da comunidade da Igreja: provisório, momentâneo e provisório. Mas não são esquemas que determinam a medida dessa provisoriedade; ela deve ser determinada pelas necessidades. Nesse sentido, então, a aula de religião é semelhante à pregação do pároco, ou ao catecismo que é ensinado nas tardes de domingo: é um momento de uma vida. É claro que pode haver vários inconvenientes – por exemplo, um ou outro poderia não se sentir imediatamente inclinado a aderir ao grupo –, mas são inconvenientes que podem ser superados e que eu não consigo ver como tão graves a ponto de me fazer desistir dessa tentativa. Ao mesmo tempo, não posso passar por cima desse critério, pois não posso iludir os jovens. Eu digo a eles: “Vejam bem: vocês não podem avaliar a fé cristã discutindo comigo na escola, ou lendo A busca do Jesus histórico, de Schweitzer, ou A origem do cristianismo, de Loisy, ou a Vida de Jesus, de Strauss, ou discutindo com seu professor de Filosofia; nem lendo outros livros nossos – como Grandmaison ou Braun –, pois dessa forma vocês talvez até pudessem entender que Jesus Cristo existiu e que isso deve ser mesmo verdade, mas a vida cristã não pegaria em vocês, não se tornaria mentalidade: iria se tornar um ponto fixo de erudição, não uma vida”. Assim, não seriam mais cristãos, mesmo que admitissem que Jesus Cristo é Deus! Digo que “não seriam mais cristãos” enquanto “mentalidade”; não nasceria mais a “personalidade” cristã.
Uma vez enunciadas essas diretrizes, eu, seguindo o que a Igreja faz, evidentemente, procuro tomar muito cuidado para não pedir supra quam possunt (mais do que podem; nde). Para gerar os cristãos, a que é que a Igreja os obriga? Aos Sacramentos, a que respeitem os dogmas; a que creiam nos dogmas e se aproximem dos sacramentos. Por isso, o mínimo, a expressão mínima dessa comunidade que nasce – provisória e momentânea o quanto vocês quiserem, mas real e decisiva para a formação de uma mentalidade cristã –, a expressão mínima dessa comunidade que toma a escola como ponto de partida, o mínimo em que se insiste, é que se participe da missa e dos Sacramentos. Mas isso se mostra aos jovens de um outro ponto de vista: para os jovens, participar da missa e dos Sacramentos parece um empenho que pode tornar essas coisas quase uma experiência, o empenho dentro de uma experiência, que, feita com atenção, pode levá-los a conseguir esclarecer certas idéias que eram abstratas, idéias de catecismo.
Até aos protestantes eu digo que venham à missa. “Você quer saber o que é o cristianismo? Venha à nossa missa.” Nós dizemos isso em todos os grupos que temos. Temos grupos atuando sistematicamente em 62 escolas de Milão: alguns grandes (de 200, 300 estudantes), outros menores, alguns que talvez resistam durante anos com três, quatro, cinco, seis pessoas, pois é preciso que sejamos fiéis aos princípios e às coisas verdadeiras, independentemente do êxito. O êxito – o Reino de Deus – deve nascer de uma fidelidade ao que é autêntico, o bom êxito nasce exclusivamente da fidelidade ao que é autêntico: da fidelidade, com toda a capacidade da nossa inteligência e com toda a sensibilidade da nossa modernidade, mas ao que é autêntico. O êxito que não vem daí é um êxito ambíguo: morre, morre logo. Quantos círculos juvenis, quantos círculos estudantis tiveram, graças à capacidade de uma pessoa, uma grande vida durante um ano ou dois, mas, quando esse padre era transferido de paróquia, não sobrava mais nada.
Eu digo, até mesmo aos protestantes: “Se você quer julgar o que é o cristianismo, a oração do católico, tem de vir à nossa missa”. Por exemplo, na minha escola nós a celebramos às sextas-feiras. Sendo que somos dois ou três padres que precisam circular por todas as reuniões, por todos os grupos, e ainda celebrar as missas da manhã, fixamos uma missa por semana: insistimos numa missa da qual participem todos aqueles que se sentem cristãos ou que queiram se interessar pelo cristianismo. E eu digo: “No domingo, não, pois vocês já são obrigados à missa do domingo pela lei da Igreja. Este é um gesto mais livre, diante do qual é até possível que vocês encontrem alguém que lhes diga – sua mãe, seu pai, sua tia, sua avó –: ‘Por que é que você se levanta meia hora mais cedo para ir até lá? Está louco?’” (pois pode ser que estejamos no inverno). O gesto deve ser o mais livre possível. Não posso sublinhar aqui todos os aspectos da questão, mas posso sublinhar a liberdade: uma atividade, um compromisso é tanto mais educativo quanto mais implica a liberdade; é então que se personaliza o resultado da ação.
Muitas vezes, na minha escola, até judeus e protestantes vieram a essa missa semanal. E eu digo a eles: “Vocês devem procurar se identificar com nossos cantos – naturalmente, é uma missa feita o máximo possível juntos, é um gesto o máximo possível em comum –, vocês devem se identificar com as palavras, devem dizer Amém vocês também”. [...] Eu digo isso sempre; naturalmente, é preciso chamar mil vezes a atenção dos jovens, pois nós também, quando éramos pequenos, éramos assim: se meu pai não tivesse apertado minha mão mil vezes para me fazer dizer “bom dia”, eu não teria aprendido a dizer “bom dia” às pessoas. Por isso, é preciso repetir sempre, sem nunca se cansar, que eles devem responder procurando se identificar com as palavras que dizem, procurando participar. “Por que seus colegas dizem estas coisas agora? Por que mandam vocês dizerem esta palavra aqui?”. Enfim, é um chamado de atenção a ser o máximo possível conscientes. Digo ao protestante, por exemplo, “Dessa forma, [...] você estará em melhores condições para julgar: entre mais neste fato e poderá ter um juízo mais crítico sobre ele”. E digo aos católicos – insistindo, naturalmente –: “Se é assim, você não participa da missa se não adere a uma união: a Comunhão é o sinal de que você participa da missa. Enquanto você não participar da Comunhão, sua participação da missa não será inteira, esse gesto não se lançará dentro da sua personalidade por completo e você ainda não poderá entender até o fundo que valor ele tem”. Dessa forma, achamos que a freqüência se torna bastante fácil: nessas missas há um número bastante grande de jovens, até muito fiéis. Alguns podem não vir uma vez, podem não vir quatro vezes; você quer vir de vez em quando? Venha de vez em quando! Enfim, é como a Igreja, que escancara as portas de seu templo para que nele entre quem quer e quando quer. A única condição para que não seja imoral entrar na igreja não é ter ou não ter este nível de fé, mas é a sinceridade com a qual a pessoa procura identificar, entender o que acontece lá dentro.
Portanto, a insistência na missa e no Sacramento. Nos primeiros anos, eu não ousava pedir que viessem à missa ou tomassem a Comunhão, pois me parecia que esse era um ponto de chegada. No entanto – creio que isto possa ser confirmado por padre Emmanuel, o capuchinho que nos ajuda muitíssimo e confessa todas as semanas os nossos jovens, ininterruptamente, de segunda a domingo –, esse instrumento é muito mais forte do que discutir Kant ou a Sociologia, porque, enfim, é um empenho de vida sobre um problema – o problema do próprio destino, o problema da consciência do próprio ser carente, mendicante, dependente – que todos os homens têm, uma vez que é o ponto elementar e fundamental do qual nasce o senso religioso, que abraça a todos os outros interesses.
Todos os outros interesses da vida
Aqui está a segunda diretriz: todos os outros interesses. Esse grupo – extremamente livre, com liberdade absoluta: a pessoa pode vir quando e como quiser; liberdade absoluta, mas com intransigência e diretrizes precisas –, esse grupo, ao qual os jovens fazem referência, que o professor de religião ou, na falta dele, um outro é chamado a guiar, esse grupo deve procurar viver e enfrentar todos os interesses da vida. Portanto, solicita-se ao jovem um compromisso que o mobilize, que o decida a considerar tudo. Eu sempre digo isto aos jovens (numa escola, estas palavras são “inusáveis”): “Até como hipótese de trabalho, você deve se engajar para rever – mas não rever teoricamente – a maneira como faz um passeio, a maneira como ouve música (você se interessa por música?), como pratica esporte (você se interessa por esporte?), a relação com a namorada, os problemas que discute com o professor na escola (existem professores comunistas, socialistas, radicais, neutros), os problemas que você encontra na aula de Filosofia, os
problemas que encontra na aula de História, ou ainda as necessidades urgentes, do ponto de vista social, dessa sensibilidade social que aflora cada vez mais, os problemas da justiça social, você deve, em grupo, procurar viver todos os interesses, e, ao mesmo tempo, enfrentá-los o máximo possível de acordo com uma mentalidade comunitária”.
Por isso, a vida do grupo não chama os jovens a conferências (há conferências que são importantes), mas à vida inteira. Tanto, que a maior objeção de nossos bons pais é que o centro de atividade dos jovens agora é Juventude Estudantil, os garotos não vêem outra coisa como centro de vida, só o Movimento: é isso que é uma objeção para os pais, e eu entendo em que sentido. Entendo em que sentido; é fruto de uma certa amargura ao verem que os jovens se desgrudam deles, uma amargura que, em última instância – digamos entre nós –, deriva de um único fato: de que eles, como pais, muito bons pais, extremamente cristãos, não foram educados a conceber o cristianismo como o que realmente é, ou seja, como toda uma vida em comunidade, uma comunhão vivida. De fato, os pais que entendem isso aderem aos jovens. Penso numa mãe cujo filho agora está no Brasil; pois, já que os jovens têm paixão por relações internacionais, nós desenvolvemos isso também: temos dez jovens no Brasil, permanentemente, um grupo de estudantes estável, portanto uma atividade mis-sionária, no sentido tradicional da palavra, realizada, pensada e sustentada completamente pelos jovens. Pois tudo, tudo, tudo interessa! Se o cristianismo é verdadeiro, não pode haver um só interesse que ele não possa abarcar e valorizar.
Você só é cristão, você só se convence do cristianismo na medida em que percebe experimentalmente que o cristianismo valoriza a sua vida: “Mestre, para onde iremos, se te deixarmos? Só Tu tens palavras de vida eterna”. A convicção nunca é fruto de um raciocínio enquanto tal, mas de uma idéia encarnada, de uma idéia-força, uma idéia encarnada na vida. E toda a vida do grupo é animada por esse critério: procurar fazer pensar, acostumar o jovem a pensar tudo em termos comunitários; e, com esse pensamento, enfrentar todos os seus interesses.
Descobri depois que esse é o conteúdo da palavra metanóia, que traduz a palavra “penitência”. Metanóia significa exatamente isto: um homem novo. Não um homem novo simplesmente porque tem uma determinada ética: Sócrates ou Gandhi também eram capazes de ter determinada ética. Mas é realmente uma concepção nova do homem, à imagem do mistério de Deus, que é uno e trino. É uma concepção nova de si mesmo e da própria vida, da própria existência. Essa é a verdadeira revolução, a única revolução da história: uma revolução do próprio conceito de “eu”, uma revolução do próprio conceito de “uno”, uma revolução do próprio conceito de “ser”, de “existência”. A revelação do mistério da Trindade por meio de Jesus Cristo é isso; a comunicação do mistério de Deus ao homem é isso.
Não é que o que eu digo que vocês devem fazer seja infalível; o que eu quero dizer, simplesmente, é que o que me anima, o que determina em mim as coisas que digo que vocês devem fazer é o fato de “copiar” o máximo possível o método fundamental da Igreja, a fisionomia da Igreja, a maneira como Jesus Cristo lançou seu critério no mundo.
Enfim, o jovem é envolvido por essas coisas de segunda a domingo, de manhã até a noite, e tudo acontece sem se forçar nada. Nunca dissemos: “Façam assim ou assado”, mas todos rezam as orações, rezam as Horas (a prima, a terça, a sexta, as laudes, as completas; em dois anos, imprimimos mais de 5 mil livrinhos das Horas). Não se trata apenas da oração, mas de tudo; até o famoso problema da convivência entre garotos e garotas, que não é criada por nós (esse é um problema que eu deixo aos psicólogos e aos moralistas), seguindo o critério que foi dito antes: se eles estão juntos na sala de aula, o cristianismo não seria verdadeiro se não demonstrasse ser também capaz de valorizar – essa é a palavra – aquilo que já existe. Neste sentido, a relação de convivência é alimentada e sustentada por um clima bem preciso.
Mas isso não é tudo. Nos primeiros anos, eu nunca tinha vontade de levar os jovens para fazer passeios, pois dizia: “É inútil, é um passatempo, um passatempo inútil”. Hoje, ao contrário, dou o maior espaço possível aos passeios, pois não me lembro de ter voltado uma só vez de um passeio sem que novos jovens tenham sentido que haviam mudado e, a partir de então, tenham começado a freqüentar a comunidade: pelo menos um ou dois, num ônibus. Mas com que critério e a que custo se fazem esses passeios? Todo o caminho é organizado segundo estes critérios: rezamos; tudo o que fazemos, fazemos juntos. Eu sempre digo: “Se fosse para fazer um passeio por conta própria, vocês poderiam ter feito esse passeio sozinhos: eu passeio com vocês exclusivamente para lhes demonstrar o valor que o cristianismo tem, a capacidade que o cristianismo tem de valorizar até mesmo o passeio”.
O mesmo se aplica ao interesse pelo cinema. Juventude Estudantil criou uma associação para o cinema, pegando os filmes da Associação Nacional Cinematográfica. Mas eu nunca apoiei o cinema. Por quê? Porque mobilizar estudantes para um fórum sobre o cinema, a fim de saber distinguir quando um ator ou um não-ator é bom, isso os comunistas também podem fazer, até melhor do que eu. Se eu estivesse numa paróquia, nunca criaria uma sessão de cinema para atrair as pessoas, pois, para mim, não é isso que resgata o cristianismo. No entanto, posso até fazer isso, posso até usar o cinema. Mas como? Chamando as pessoas para que experimentem como se assiste a um filme do ponto de vista cristão. Chamo os jovens exclusivamente para que se empenhem em ver um filme do ponto de vista cristão, e só faço isso quando estou certo de que posso organizar a coisa dessa forma; do contrário, não faço a sessão de cinema, pois tudo o que faço com os jovens deve ser educativo. Que significa “educativo”? Significa algo que demonstra experimentalmente para eles que o cristianismo é o único fenômeno valorizador da vida.
No que diz respeito à cultura, por exemplo, nós não organizamos apenas conferências; nós organizamos conferências também, mas 99% da nossa atividade cultural acontece nos grupos. A atividade da cultura é imensa, simplesmente imensa. Hoje, graças a Deus (no início, pedi ajuda à Federação Universitária Católica Italiana, mas eles eram poucos e não puderam me ajudar), os jovens dos primeiros anos do Movimento são nossos universitários atuais, e um bom grupo deles, de cerca de 20 pessoas, revê sistematicamente todo o programa escolar do ponto de vista cristão. Digamos, por exemplo, que um jovem católico de Juventude Estudantil [...] esteja na escola “tal” e o professor tenha explicado na aula de história que os Papas na segunda metade do século XIX eram retrógrados, etc. Os universitários, então, preparam um dossiê sobre Pio IX, bem documentado, e os jovens de Juventude Estudantil o distribuem a todas as pessoas de sua turma (se for um problema que interessa à escola toda, distribuem à escola toda). Já temos uns 50 dossiês como esses, sobre diferentes temas, só dos pontos fundamentais de todo o programa escolar, para qualquer série da escola. Pode ser, também, que o jovem da Ação Católica ou de Juventude Estudantil tenha de preparar um seminário sobre Kant para a semana que vem – no colegial clássico ou científico, por exemplo –; essa pessoa, então, convida seus colegas para estudarem Kant em sua casa, um dos nossos universitários encarregados vai até lá e explica Kant do ponto de vista cristão. Essa atividade é ininterrupta, pois é uma revisão que acompanha exatamente a vida do jovem.
Assim, o jovem tem com que ocupar o tempo livre, esse tempo que normalmente é invadido pelo tédio ou pelo mal. Nesse sentido, é importante que ele – para entender o que significa a caridade cristã – se acostume a entender que a lei da vida é a caridade, que não é “ele” quem vive, mas que é um “nós” que vive. Para entender isso, existe algum remédio melhor do que dar a tarde de domingo, ao menos de vez em quando, para compartilhar a vida das crianças pobres dos casebres da periferia de Milão, da Baixada Milanesa (que é uma das regiões mais miseráveis da Europa)? É exatamente isto: você vai lá e passa metade do dia com elas. E vê que a finalidade disso não é em primeiro lugar elevar a moral social daquela população, mas que você viva a sua vida com eles, pois não se aprende a caridade “dando alguma coisa para os outros”, mas partilhando, compartilhando: Cristo, Deus que veio para nos salvar, padeceu e morreu conosco. A caridade é uma com-paixão, é uma comunhão. A doação, depois, pode derivar disso: se eu tenho mais que você, automaticamente o que eu tenho é suficiente para nós dois, mas isso é apenas uma conseqüência. Foi por isso que deixei de lado as visitas às obras de caridade da Sociedade de São Vicente de Paulo, onde é mais difícil para o jovem entender esse processo educativo, pois para fazer como fazem lá, segundo este conceito, é preciso uma certa maturidade. Mas já existe uma certa maturidade de espírito: todos os domingos, este ano, 1.600 jovens saíram de Milão para ir a 67 paróquias da Baixada Milanesa. Hoje, depois de cinco anos, o tipo de atividade que eles fazem lá é diferente. Quando o gesto está no início, jovens colegiais e universitários vão lá para brincar com as crianças, para compartilhar a vida delas e tão-somente isso. Depois de um ano ou dois, eles mesmos sentem a necessidade de fazer algo mais, de serem úteis àquelas pessoas que aprenderam a amar, e então organizam o catecismo. Foi desse jeito que surgiu entre eles um grupo que este ano tomou a iniciativa de redigir todas as aulas de catecismo (é provável que publiquem um livrinho): deram todas as aulas de catecismo de uma determinada maneira. Depois de mais alguns anos, aquelas
crianças crescem, se tornam jovens, e aí começam a surgir os grupos dos jovens e das jovens. Assim,
nas regiões em que a Ação Católica masculina e feminina não deu certo, e hoje não existe mais nada, jovens que não são da Ação Católica criam a Ação Católica, recriam a Ação Católica. E o mesmo se pode dizer dos adultos: já existem grupos de mulheres e de homens acompanhados durante a semana, à noite, num número muito variado de iniciativas.
Depois de cinco anos, foi justamente a idéia central que deu frutos: a idéia de que é preciso partir da caridade, da partilha, não do gesto de ir lá para reformar socialmente, pois, do contrário, isso se torna equívoco. É preciso ser educado a essas conseqüências. E, depois de cinco anos, essas conseqüências – graças a Deus – existem.
Nasceu também um coral: já cantaram até no Teatro Municipal de Bolonha, com muito sucesso. É um coral de cerca de 30 pessoas, que percorre toda a história da música com muita desenvoltura. Pois o canto também é um gosto, o canto também deve ser respondido e ter sua maneira de ser vivido.
Um grupo de artistas já fundou um estúdio de arte: é que os jovens crescem, e o garoto que cursava o colégio de artes virou arquiteto, ou pintor profissional, etc. Eles, então, criaram algo “juntos” – pois a idéia de comunidade continua, é válida sempre –, juntaram-se, criaram um estúdio de arte que este ano participou da feira principal de Milão e de duas mostras, montadas no Palácio Real, que tiveram grande sucesso: o jornal Corriere della Sera, que é sempre tão crítico, elogiou-os muitíssimo. Eles estão criando um movimento entre os artistas, uma comunidade entre os artistas cristãos, entre pessoas que vêem as coisas do ponto de vista cristão. Começaram no ano passado e este ano chegaram até a fazer, ao longo de três meses, em Subiaco, num dos primeiros eremitérios de São Bento, turnos de 15 dias (de sete ou oito dias, chegando até 15), nos quais rezavam, pintavam, levavam uma vida em comum. Este ano, ao todo, passaram por lá uns 50 artistas.
E há muitíssimos outros casos como esses. Este ano, pela primeira vez, fizemos uma reunião geral, para quem quisesse participar, com aqueles que terminaram o colegial técnico (eram mais de 200, dos colégios Feltrinelli e Conti). A reunião tinha a seguinte finalidade: que eles se organizassem para escolher juntos seu futuro, pois um indivíduo, sozinho, não resiste no ambiente, ao passo que quando três ou quatro pessoas estão juntas resistem (já tivemos prova disso). Aliás, mais ainda que resistir, elas se difundem. E têm criado, nestes últimos dois anos, um movimento análogo, com os mesmos critérios, no ambiente de trabalho: os Jovens Trabalhadores. Em Milão – dizem as estatísticas –, as Associações Cristãs dos Trabalhadores Italianos foram capazes de criar um núcleo juvenil em dois anos; os jovens de que estou falando, infelizmente sem contar com nenhuma ajuda nossa, pois não temos padres suficientes, souberam criar um movimento que reúne semanalmente em seus encontros mais de 2.500 jovens trabalhadores. Até isso eles fizeram.
A vida cristã é um “nós”
Enfim, é descobrir de novo que a vida cristã não é “eu e Deus”, mas um “nós”: mihi vivere Christus est (para mim viver é Cristo). A citação que antes foi feita é, por assim dizer, a conseqüência gnosiológica desta verdade: que nós somos um, que todos nós somos uma só coisa porque comemos do mesmo pão, somos um mundo no mundo, uma comunidade no mundo, uma sociedade no mundo. Integrismo? A mim me parece a simples definição teológica do cristão.
É por isso que Jesus Cristo dizia: “Peço-lhe, ó Pai, que sejam uma coisa só, para que o mundo saiba que Tu me enviaste”. O mundo só se dá conta de Cristo, o anúncio cristão só acontece na medida em que o mundo nos vê vivendo comunitariamente, na medida em que vê esse milagre absoluto – esse milagre absoluto! –, porque, do ponto de vista natural (com o egoísmo que anda por aí), uma realização comunitária como essa é inconcebível.
É exatamente isto que me interessa: o ponto para o qual devemos chamar a atenção – a primeira diretriz de que falei –, o ponto de partida para o chamado de atenção é “colocar-se juntos”. E a comunidade, uma vez constituída, serve de chamado de atenção para os outros. Em segundo lugar, trata-se de algo que invade a vida inteira: o cristianismo não é uma comunidade que realiza determinadas ações, não é mais “determinadas ações”, mas um habitus. O diálogo com o mundo (esta é a coisa pela qual procuro lutar e pela qual lutarei sempre, até o fim), o diálogo com os outros numa sociedade pluralista não é esquecer ou romper essa comunidade entre nós. Se as concepções dos outros traduzem a vida deles num “eu”, a nossa concepção da vida traduz nossa vida num “nós”. O diálogo entre mim e os outros, entre mim, cristão, e os outros, é o diálogo entre “nós” e “você”.
Eu afirmo que a democracia é o respeito pela liberdade de expressão: não é democracia aquela que pretende que só quando estou na igreja ou me reúno em associações eu posso ser cristão “em comunidade”, enquanto, na vida pública, devo ser apenas “eu”. Isso seria uma negação da minha concepção da vida.
(traduzido por Durval Cordas)
* A Ação Católica na Itália corresponde à Pastoral da Juventude no Brasil.
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