Notas da videoconferência que padre Julián Carrón e Mario Molteni realizaram com um grupo de responsáveis do movimento Comunhão e Libertação no Brasil no dia 17 de junho de 2005 em São Lourenço
Julián Carrón: “Chegou um momento – dizia padre Giussani em 1991 – em que a afeição entre nós tem um peso específico imediatamente maior do que a lucidez dogmática, a intensidade de um pensamento teológico ou a energia de uma condução. A afeição que é necessária manter entre nós tem uma só urgência: a oração, a afeição a Cristo.” Podemos começar a entender como isto se dá a partir de um episódio da vida de São Paulo.
Os adversários queriam separar os cristãos de Gálata de São Paulo, do Evangelho de São Paulo, isto é, da clareza dogmática que São Paulo defendia em contraposição a uma redução do Evangelho que tinha acontecido. Procuravam quebrar aquela afeição que ligava os gálatas a São Paulo. Porque os adversários eram espertos. Sabiam que se separassem os gálatas de São Paulo, mais cedo ou mais tarde conseguiriam separá-los da verdade do Evangelho. A lucidez dogmática só era conhecida por meio da afeição dos gálatas a São Paulo e de São Paulo aos gálatas.
É isso que acontece conosco. Temos necessidade de uma afeição aos outros, que nos ligue tão potentemente que resista a qualquer tentativa de destruí-la, porque essa é a única possibilidade para que também permaneça a verdade dogmática, a verdade do carisma. Por isso, assim como fazia São Paulo, padre Giussani sintetiza tudo na afeição. Porque o grande risco que sempre corremos é o da “ilusão de autonomia”, que é exatamente o contrário da afeição. A afeição é algo que nos une aos outros, que nos faz pertencer, e aquilo que quebra esse pertencer é aquilo que nos separa.
A nossa grande tentação é a autonomia, por isso a questão verdadeira da vida é se existe uma atração tão potente que seja capaz de despertar toda a afeição do eu. Por isso padre Giussani diz que tudo depende dessa afeição. De outro modo estamos sempre à mercê de nós mesmos, da tentação de ilusão de autonomia.
Mas não é por maldade, é porque não conseguimos. Ou existe alguma coisa que nos convence, que nos arrasta – não automaticamente, mas que nos facilita a adesão –, ou nós não conseguimos vencer em nós essa ilusão de autonomia. Por isso, se olhamos na própria vida, percebemos que é assim, que é somente uma afeição aquilo que nos salva. Portanto, é o amor a Cristo, é a afeição ao homem presente. Isso é, para uma afeição verdadeira é necessário um lugar, uma carne, uma presença histórica à qual a pessoa se liga. Como no exemplo dos gálatas, para aderir a Cristo, o Evangelho de Cristo não basta se não estiver veiculado a pessoas que o testemunham. Assim, sem a adesão à carne histórica da Igreja, à nossa companhia da comunidade cristã, não é possível, de fato, permanecer na verdade. Antes ou depois, como vimos ao longo da nossa história, se não fosse padre Giussani que em certos momentos dá um juízo que arrasta todo o Movimento, nós estaríamos todos à mercê da confusão que domina todos. Por isso, toda a adesão pede uma afeição ao lugar que nos liga a Cristo.
Mas nós não somos capazes disto. Por isso é necessária uma presença tão atraente que arraste o nosso eu. A coisa mais bonita é que no Movimento no Brasil já existe em ato a semente disso no relacionamento entre alguns de vocês. É esta beleza que, aos poucos, por estar diante de todos, pode atrair os outros à beleza dessa comunhão. O método para nós é sempre o mesmo: Deus dá a graça a alguns para que através destes chegue a todos.
Para nós padre Giussani foi o início dessa comunhão que vivemos, pela graça dada a ele. A questão é que essa graça continue em um grupinho como origem deste estar juntos. Sem essa graça, tudo se torna apenas uma tentativa de organização, que não é capaz de atrair o eu e gerar a comunhão cristã. Pode chegar a um consenso, ajudar-nos a que estejamos de acordo sobre a organização, mas não pode salvar a totalidade da pessoa, arrastar o eu e, assim, nos fascinar com a presença de Cristo. Então, em primeiro lugar, para aqueles que receberam essa graça é dada uma responsabilidade para com ela: a de viver essa graça diante de todos, porque esta é a origem, é o ponto de atração que pode arrastar os outros.
Para viver essa experiência, não basta o chamado de atenção ético. Somos frágeis demais para que baste esse chamado de atenção ético. É necessária uma atração que facilite a adesão. É como o convite para participar de algo mais bonito. Se este lugar é onde se começa a ver a unidade cristã, os outros – se forem leais às necessidades que têm – também desejarão participar. Ninguém pode responder pelos outros. A pessoa deve responder pela necessidade que tem e cada um é capaz de responder por si ao chamado à adesão a este lugar onde já existe a comunhão. A comunhão não é algo que nós despertamos, pois somos incapazes. Não existe nem no matrimônio, muito menos entre nós. Somos pobrezinhos como todos. Se existe alguém, se Cristo está no meio, é através daquela unidade que gera que se pode gerar comunhão. É Ele a origem permanente dessa comunhão, porque é a origem da atração vencedora.
Colocação: Eu queria aprofundar aquilo que você acabou de dizer. Como se faz para ter a simplicidade ou a abertura para reconhecer onde o Senhor coloca a Sua graça? Você falava de núcleos de comunhão. Para nós também existe a necessidade de crescer o abandonar a própria vida e as coisas que acontecem, mesmo as dificuldades, a esse lugar de comunhão. Como fazer para reconhecer e para se abandonar?
Carrón: É fácil. É como quando a pessoa está com dor de dente e é fácil ir ao dentista. Por que vai ao dentista? Porque tem uma necessidade que urge dentro dela, porque a dor de dente não corresponde. A questão entre nós é que estejamos convencidos de que a comunhão entre nós nos interessa, nos salva, nos convém, que não é algo a mais que complica a vida, mas algo que a salva. Se não sentimos essa necessidade, todos os chamados de atenção que fazemos entre nós são inúteis. Por que devo ir lá? Por que é melhor a comunhão do que a autonomia? Por quê? Se a pessoa não se convence do porquê é melhor, serão inúteis todos os chamados de atenção. Assim, a simplicidade acontece quando a pessoa sente essa urgência. Para isso não precisa de nada, apenas de amor a si mesmo. A pessoa quando sente alguma dor vai ao médico. O que precisa para ir ao médico? Que a pessoa se importe com a dor que sente, que tenha esse amor por si mesma. Se é assim, então fica fácil ir ao médico ou procurar a comunhão. Mas, se no fundo achamos que a comunhão é uma complicação, nos defenderemos da comunhão, procuraremos evitá-la, faremos as coisas por conta própria. Mas não é por maldade, é só porque no fundo não vemos a conveniência, porque não experimentamos a necessidade verdadeira da comunhão.
Nós temos necessidade das mesmas coisas que todos os mortais, porque senão prevaleceria a organização. E aquilo que nos faz compartilhar a vida de todos é a nossa salvação. Porque isso nos faz necessitados e nós nos rendemos àquele ponto de beleza onde a afeição domina sobre a organização. Porque essa não é uma necessidade apenas dos leigos, mas também dos padres e de todos. E acho que devemos agradecer a Deus por isso, pois é isso que nos torna humanos, que permite que sintamos a urgência dessa comunhão para nós mesmos, não só para os outros, e de outro modo não podemos testemunhar isso. O que ajuda o seu ministério episcopal é estar dentro de uma comunhão em que você é continuamente regenerado. Porque como ouvimos muitas vezes do don Gius, “ninguém gera se não é gerado” constantemente. Nós podemos gerar onde estamos porque somos gerados pelo pertencer ao carisma. A questão é que já existe em ato um ponto em que a afeição domina sobre a organização. Esta é a esperança do Brasil!
Colocação: No meu caso domina a afeição porque eu quis colocar em comum, em primeiro lugar com os amigos mais próximos, as minhas necessidades particulares a respeito do trabalho, família, etc. Quis colocar isso em evidência e percebi que as escolhas que estou fazendo têm como critério essa afeição. E outra coisa que percebi é que os outros que nos olham, nos olham mesmo nas dificuldades que vivem, porque existe um ponto que não nos faz ir embora, um ponto que mesmo nas dificuldades nos mantém ali, que objetivamente é a questão da afeição. A afeição está se tornando o critério que entra em todas as escolhas que estou fazendo. As escolhas que estou fazendo têm esse ponto de partida.
Carrón: “Um ponto que não me faz ir embora.” Um ponto que me liga e, portanto, que me sustenta. E diante da loucura da autonomia existe algo que é mais potente que isso, e é uma afeição. Se não for assim é impossível. Mas o que facilita isso? Partir das próprias necessidades, das necessidades particulares, porque então sente a necessidade desse lugar. Por que? Porque você não é ingênuo, você é realista, percebe a fragilidade do seu eu e da necessidade que você tem e então, tendo consciência disso, vê que o mais adequado para você é aderir. E aí entende esse ponto como um bem. Que exista um ponto assim é um bem. Mesmo que eu tantas vezes faça as coisas por mim mesmo, é decisivo que exista esse ponto, porque é daqui que se pode sempre partir novamente. Ainda bem que você existe, ó Cristo! Os Apóstolos com todos os erros podiam recomeçar, podiam ver esse olhar diferente, podiam sentir-se abraçados na misericórdia, podiam ver de novo os milagres, aquilo que acontecia, podiam sentir-se amados novamente. O ponto é que exista algo assim na História. O verdadeiro desafio é se Cristo e o que Ele começou na História permanece. A questão é se permanece, se permanece esse olhar, se permanece essa ternura do Mistério por nós, se permanece como atração vencedora. Porque, de outro modo, se só permanecer o esforço ou a palavra e não permanecer esse olhar, não permanecer esse abraço, essa atração, eu não consigo, eu não consigo ter energia para aderir. Por isso a verdadeira questão é a verificação do Cristianismo. O que está sempre em jogo é a natureza do Cristianismo, porque se não é verdadeiro, se não continua presente, podemos voltar para casa, pois todos as nossas tentativas são inúteis pelo pecado original.
Colocação: Queria dizer que a um certo ponto essa afeição que você explicou agora, que é aquela que eu vivo olhando pros meus filhos, chega na obediência. Mas a obediência também pode machucar de vez em quando, no sentido de que esse lugar que me sustenta, por exemplo, me pede para mudar um juízo. Queria saber se isto está fora do tema ou pode nos ajudar a entender mais este aspecto aqui, porque muitas vezes quando estamos aqui em três temos três pensamentos diferentes. Mas a afeição que está nascendo entre nós faz com que não queiramos ir embora, mas permanecer ali e se formos em três não tentar chegar a uma opinião comum, mas seguir, seguir alguém.
Carrón: Seguir alguém não gera comunhão, o que é preciso é seguir o princípio da comunhão. Recentemente perguntamos a alguns amigos: “Nós sentimos necessidade de autoridade?” Não como autoritarismo, mas como necessidade que temos para a construção dessa comunhão. Porque sem isso, assim como todos, nós ficamos à mercê das nossas idéias – que podem até ser belíssimas e estupendas, pois a pessoa pode se arruinar com todas as boas idéias que tem, como todos vemos ao nosso redor. Porque a questão não é ter idéias brilhantes, mas se tem alguma coisa que seja mais interessante, que nos atrai mais e nos salva. Todos podemos ter as nossas idéias. Antes de encontrar o Movimento tínhamos idéias brilhantes como agora, mas o que nos tocou, mesmo com a nossa genialidade, foi uma outra coisa. Nós devemos voltar ao encontro, porque se nós somos tão geniais e tivemos tantas idéias brilhantes na vida, se somos espertos, é porque em um certo momento da vida nos aconteceu algo que nos fascinou muito mais do que a nossa genialidade. Esse é ponto, porque significa que existe algo mais interessante pra nós. Se a pessoa relembra o caminho desde o momento do encontro e não o vê agora nos encontros que continuamente acontecem, por que deve seguir? Por que é razoável seguir? Não é razoável. Ou isso acontece continuamente e a pessoa cede como cedeu no primeiro momento, como fizeram os discípulos, ou então é inútil.
No fim, depois de um tempo, depois de uma certa história, depois de um caminho, cada um faz por si, e acaba se perdendo. Mesmo com toda a sua genialidade, porque não quero sublinhar o aspecto negativo. Alguém pode ser muito bom, ter idéias estupendas, mas não são as idéias estupendas que salvam a vida. E nós fizemos experiência disso no encontro. Por que aderimos? Somente porque no encontro tornou-se evidente que existe algo fora de mim que é mais interessante do que a minha genialidade; que com toda a minha genialidade não sou capaz de me salvar. Quando a pessoa olha para a própria experiência descobre que o apelo para a obediência lhe é intrínseco. Porque aquilo que fizemos no encontro foi obedecer. Mas é preciso partir do encontro para entender que a obediência não tem todo esse peso negativo que às vezes sentimos. Obedecendo ao encontro, nós salvamos a vida. É como alguém que aderindo àquilo que lhe diz o médico salva a vida. Nós devemos mudar a idéia de obediência que temos na cabeça porque senão nos defendemos da obediência. E foi a obediência que mais trouxe o bem para a nossa vida. E é verdade o que você diz: precisamos mudar a mentalidade sobre isso. Mas não porque alguém me faz uma pregação, mas porque essa foi a minha experiência. Cada um deve olhar a experiência que fez.
Colocação: No texto “Dar a vida pela obra de um Outro” (in Passos 60; nde) está escrito: “toda a concepção moral de Jesus se baseia, como lei dinâmica, numa força unitiva conseqüente de uma preferência, de uma escolha” e “a unidade não é o resultado do nosso esforço para chegar a um acordo, é a resposta de cada um de nós a Cristo, é a afeição a Cristo que gera essa unidade”. A partir disso eu pensei muito sobre o que significa para mim essa afeição a Cristo. E nesse período a pergunta que eu me repetia sempre era: quem eu amo? quem eu estou amando agora? E uma coisa que padre Giussani sempre dizia é: “eu estou em quem eu amo; eu sou quem eu amo”. Outra frase que ele citava freqüentemente era: “A vida do homem consiste no afeto que principalmente o sustenta e no qual encontra a sua maior satisfação” (São Tomás de Aquino). E eu me perguntava o que era isso pra mim. Quem estou amando? O que estou amando? E então pensando nos amigos da minha comunidade pensava na afeição a Cristo e pensava que não pode ser algo que tenho um pouco a mais ou a menos. É uma coisa totalizante: ou existe ou não existe. É como uma semente, que pode ser pequena ou grande, crescer, mas é uma coisa totalizante. Então, é uma coisa que devo mendigar, que deve acontecer. Percebi que precisa acontecer alguma coisa. Então eu pensava que ou eu sou mendicante dessa coisa ou então é difícil que reaconteça sempre. E esta é a coisa mais fácil que eu não faça, que eu deixe de lado. Mas quando isso não existe é como se faltasse a caridade nos relacionamentos entre nós. Estamos juntos, fazemos as coisas, mas falta aquele fogo, aquele fogo de afeição, que deixa espaço para o outro, que é um bem para o outro. Não é fazer justiça como sempre queremos fazer. Não sei bem como explicar, mas é como se faltasse a caridade, e então se tornasse mais uma organização.
Carrón: É óbvio que para ter essa adesão totalizante, não podemos fazer outra coisa além de mendigá-la. Por isso sempre me lembro daquilo que dizia São Paulo: “Não sabemos pedir como convém”. E por isso devemos rezar ao Espírito, porque é o Espírito que tem essa força unitiva capaz de nos doar a caridade que nos une aos outros. Sem essa caridade que nos é dada pela presença do Espírito entre nós, é realmente impossível esse abraço ao outro, ou abraçar a nós mesmos, assim como somos. Estou totalmente de acordo que a palavra-chave é mendigar. Mendigar ao Espírito Santo essa caridade, mendigar com a oração sintética que nos ensinou padre Giussani: Veni Sancte Spiritus, Veni per Mariam (vem Espírito Santo, vem por meio de Maria). Porque esse Espírito é per Mariam, isto é, através da carne de alguém. Por isso a frase que você citava antes: “Toda a concepção moral de Jesus se baseia numa força unitiva conseqüente de uma preferência”. O que vem do Espírito? Quando se vê que se tem o Espírito? Quando nós podemos ver essa força unitiva. E a vemos quando se começa a gerar a comunhão entre vocês. Uma concepção moral que desafia tudo porque é muito atraente. Então, é uma preferência que é tão atraente que toda a nossa concepção moral e toda a liberdade tem a ver como cada um de nós que se coloca diante dessa preferência, diante dessa comunhão, diante dessa obra do Espírito que une alguns. Como nós não somos capazes, a potência do Espírito vem em nosso auxílio colocando-nos diante de uma preferência. Não somente uma coisa abstrata, espiritual. Desde o início o Espírito, como vimos no Pentecostes, tem a capacidade de uma força unitiva, cria uma comunhão. E por essa comunhão desafia a todos, porque esta é a preferência na qual todos querem se envolver. Tanto é verdade que nos Atos dos Apóstolos se diz que todos falavam bem dos Apóstolos por essa unidade, por essa comunhão gerada pela força do Alto. E essa é a resposta do Mistério à sua mendicância. Toda a questão é se você cede a essa preferência. Toda a sua moralidade está aqui. Se nós não respondemos a isso somos imorais, somos obrigados a negar, a separar-nos daquilo. Quando uma pessoa vê um dia bonito e diz que é feio, é imoral. Quando uma pessoa vê uma atração e não se apega, é imoral, vence a distância. Toda a concepção moral não é um moralismo, não é uma coerência, é um ceder a essa preferência. É um ceder a essa preferência que vem em resposta a sua mendicância, porque você não é capaz. A resposta a essa contínua mendicância é que o Senhor coloca uma preferência diante de nós que é o lugar que possui essa força unitiva. Não tem nada de espiritual! É algo visível, tocável, fotografável. De outro modo não pode ser preferência. Se não é carnal, se não é visível, não é preferência. E por isso não é capaz de arrastar o eu, que é carne e espírito. É necessário um lugar. Por isso é sempre a mesma, idêntica, dinâmica da Encarnação. A primeira coisa que fez antes da Pentecostes foi gerar Cristo no seio de Nossa Senhora. “A Virgem concebeu por obra do Espírito Santo.” A obra do Espírito Santo é Cristo. A carne de Cristo é a única preferência da vida, por isso possui essa força unitiva de fascínio. Toda a nossa moralidade se joga diante dessa preferência, com todo o fascínio que tem. Não é uma questão de coerência, porque nós podemos ser incoerentes até a medula. Mas aquilo que nós temos que confessar é sobretudo o não ceder a essa preferência. Aquilo que mais nos preocupa é a incoerência, mas aquilo que realmente é a imoralidade é não ceder àquilo que podemos fazer, que é aderir a essa preferência. Porque se nós aderimos, talvez, no tempo, deixaremos de fazer besteiras. Mas nós confessamos todas as besteiras, menos essa, que é o grande erro.
Colocação: No último encontro falamos em apostar nos adultos, especialmente nos mais velhos que estão se afastando um pouco da experiência do Movimento. Essa foi uma grande provocação, mas a resposta que tivemos foi: “é algo mais a fazer”. Eu queria ser ajudada a ajudar também os meus amigos a viver essa coisa, porque pra mim não é algo a mais. Eu me dou conta que não sou eu que faço, mas é um Outro que faz por mim, porque eu não tenho capacidade de realizar absolutamente nada. Então, como ajudar os meus amigos, que para mim são muito caros, para que entendam e percebam isso?
Carrón: Somente com uma modalidade que se chama testemunho. Isto é, que você viva em primeira pessoa, para você mesma. Se você vive para você mesma, os outros que estão com você poderão ver isso. E assim serão arrastados pela beleza que vêem. Como aconteceu pra nós com padre Giussani, que vivendo na nossa frente nos fascinou. Ele não fez sermões. Ele viveu diante de nós, até o último momento. E por isso nós somos verdadeiramente companheiros não dando conselhos, mas vivendo a própria vida em primeira pessoa. E se existe algo para ver será visto, senão é inútil que façamos sermões.
Colocação: Durante um dos últimos encontros com os responsáveis da Associação dos Sem Terra de São Paulo, refletimos juntos sobre aquele texto “Mulher, não chores” (Passos 61, p.35; nde) E aquilo que marcou a muitos foi essa experiência de ser olhado daquela maneira, como Cristo olhava aquela mulher. E depois, comentando sobre isso surgiu a pergunta: mas por que Jesus ressuscitou o filho dela, não era suficiente que dissesse “mulher, não chores”, isto é, esse abraço cheio de misericórdia? E ali nasceu uma reflexão sobre a importância de envolver-se concretamente nas necessidades daquela mulher que Jesus encontrou.
Carrón: Somos gratos por tudo aquilo que vocês fazem na Associação e queremos aprender essa caridade sem medida com todos aqueles que sofrem.
Colocação: Quando no último encontro refletimos sobre o que Cristo disse pra aquela viúva, “Mulher, não chores”, pensei que todos os dias dentro do movimento popular temos que enxugar as lágrimas de alguém. E eu estou aprendendo a enxugar as lágrimas das pessoas porque encontrei muitas pessoas dentro do Movimento que enxugaram as minhas lágrimas. Então, eu só queria agradecer muito a vocês.
Carrón: Obrigado. Obrigado porque nos faz tomar mais consciência daquilo que falamos antes, que é somente o encontrar amigos verdadeiros, isto é, a afeição, aquilo que nos salva. Nós somos gratos a padre Giussani porque nos fez conhecer qual é a natureza desta amizade verdadeira e que nos fez amigos verdadeiros entre nós. E nós queremos nos tornar amigos verdadeiros pra vocês também, mesmo que ainda nos conheçamos somente por vídeo. Esperamos que cada vez mais a nossa amizade com vocês e com todos seja cada vez mais verdadeira. Peçamos a Nossa Senhora que possamos caminhar juntos para responder à necessidade de todos ao destino, que é o que padre Giussani nos ensinou que é a amizade, onde podemos experimentar aquele olhar que aquela mulher experimentou ao ouvir um homem lhe dizer: “Mulher, não chores”.
Colocação: Uma preocupação grande que a gente tem é que gostaríamos muito que as outras pessoas do movimento popular com quem a gente trabalha experimentassem essa mesma grande novidade que a gente experimentou conhecendo o Movimento Comunhão e Libertação.
Carrón: Eu acho que as iniciativas que vocês já estão tendo podem ser uma tentativa de responder a essa necessidade, porque a primeira questão é contar para os outros aquilo que fascinou vocês, aquilo que vocês descobriram, e porque os fascinou. Devem dar as razões do porquê o Movimento os fascinou tanto, que valor, que bem levou para a vida de vocês. Aquilo que nós podemos levar para os outros é o que nos marcou, é o que a pessoa experimenta como decisivo para a própria vida. E por isso é o testemunho daquilo que lhes aconteceu. E depois, começar a fazer a proposta, assim como nós encontramos, de conhecer o carisma de padre Giussani, propondo a Escola de Comunidade, de modo tal que as pessoas possam fazer a mesma experiência que vocês fizeram. Lembro sempre do que dizia padre Giussani quando as pessoas começaram a encontrar o Movimento nos EUA. Dizia: que cada um possa se sentir abraçado, como aquela mulher. Que cada pessoa que pertence ao movimento dos sem terra possa experimentar o olhar que vocês experimentaram, que possam ser abraçados como nós fomos, pois a modalidade com a qual Cristo permanece e continua presente entre nós é um rosto, um olhar cheio de misericórdia e ternura com o outro. Por isso nós transmitimos a novidade que vimos e sentimos.
Mário Molteni: Eu só queria falar sobre a experiência que eu fiz com vocês. Quando eu fui acolhido por vocês fiz a experiência de um lugar no qual a afeição dominava sobre a organização. E pra mim foi impressionantes essa experiência de ser acolhido por vocês. Então, me parece que do ponto de vista do método, o fato que existe entre vocês é uma coisa muito grande e, portanto, acho que a primeira passagem é de uma insistência e de uma paciência com o grupo de pessoas que são mais próximas a vocês. Porque para chegar a tantas pessoas, a única estrada é aquela da preferência por um grupo de pessoas, como sempre fez padre Giussani, que escolhia ficar com alguns para chegar a todos. E, portanto, se com as pessoas mais próximas vocês vivem a mesma acolhida que tiveram comigo, é o tempo que vai consentir a dilatação.
* As notas não foram revistas pelo autor da palestra
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